1. Introdução
O
CPTA estabelece o regime aplicável aos processos cautelares no Título V, que
correspondem aos artigos 112º a 134º.
Num
processo cautelar[1],
o autor num processo declarativo, já intentado ou a intentar, pede ao tribunal
a adopção de uma ou mais providências, destinadas a impedir que, durante a
pendência do processo declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se
produzam danos de tal modo gravosos que ponham em perigo, no todo ou em parte,
a utilidade da decisão que ele pretende obter no processo. Podemos retirar do
artigo 112º\1, do CPTA, que o processo cautelar dirige-se, assim, à obtenção de
providências adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num
processo declarativo. Posto isto, podemos afirmar que os processos cautelares
não possuem qualquer autonomia, funcionando como um momento preliminar, cujo
efeito útil visam assegurar e, ao serviço do qual se encontram.
2.
Características da providência cautelar
Pode
dizer-se que os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo
necessário para fazer Justiça. Mesmo quando não há atrasos há um tempo para
julgar bem. E é precisamente para esses casos, para aqueles processos em que o
tempo tem de cumprir-se para que se possa julgar bem, que é necessário
assegurar a utilidade da sentença que, a final, venha a ser proferida. Em
virtude dessa função de prevenção contra a demora, temos então como
características típicas das providências cautelares a I) instrumentalidade, II)
provisoriedade e III) sumariedade.
I)
Instrumentalidade (hipotética)
Podemos
afirmar que as providências cautelares visarão apenas assegurar a efectividade
da acção administrativa principal, impedindo que a tutela dos direitos dos
particulares venha a ser uma tutela meramente ilusória.
Segundo
o professor MIGUEL PRATA ROQUE, de cuja posição aderimos, podemos afirmar que
estamos perante uma instrumentalidade hipotética, visto que esta só será
instrumental, face à acção principal, caso o requerente venha a obter uma
decisão favorável. Isto significa que o juiz não deverá limitar a concessão da
providência cautelar às situações em que esteja fortemente convicto de que a
acção principal virá a ser procedente.
Podemos
dizer, mais um vez seguindo este autor, que a própria acção administrativa
principal é instrumental face ao direito de acesso à Justiça Administrativa,
pelo que é correcto afirmar-se que a providência cautelar é um instrumento de
outro instrumento.
Do
artigo 123º\1 do CPTA podemos retirar a instrumentalidade das providências cautelares:
seja pela sua caducidade sempre que não seja instaurada a correspondente acção
administrativa principal, sempre que esta esteja parada por responsabilidade do
requerente ou sempre que a acção administrativa principal se extinga, seja por
decisão desfavorável ao requerente, seja por extinção da instância, seja ainda
por execução e sentença favorável do requerente.
II)
Provisoriedade
As
providências cautelares são provisórias, visto que apenas se destinam a regular
uma situação jurídica até ao proferimento de uma decisão de fundo sobre a
questão controvertida. A reforma do contencioso administrativo reconheceu quer
a existência de providências de conteúdo negativo ou conservatórias (120º\1,
al. b) CPTA), quer a existência de providências cautelares de conteúdo positivo
ou antecipatórias (120º\1, al. c) CPTA).
O
carácter provisório da providência cautelar é assegurado pela possibilidade de
revogação da situação provisória, sendo inclusivamente admissível a concessão
de providências sob condição resolutiva ou reserva de revogação (122º\2 CPTA).
Do
artigo 124º CPTA resulta igualmente o carácter provisório das providências
cautelares: transparece a possibilidade de o tribunal retirar, alterar ou
substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou
recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração
relevante das circunstâncias inicialmente existentes (nº 1), designadamente por
ter sido proferida no processo principal, decisão de improcedência de que tenha
sido interposto recurso com efeito suspensivo (nº3).
A
característica provisória da providência cautelar significa que o que esta não
pode fazer é antecipar, a título definitivo, a constituição de situações que só
a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo,
em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo
principal, o juiz chegar a conclusões que não consintam a sua manutenção[2].
III)
Sumaridade
Com
o intuito de evitar a lesão dos direitos dos Administrados, a tutela cautelar
administrativa é caracterizada por uma tramitação simplificada e célere.
Justamente por essa razão as providências cautelares beneficiam do regime
característico dos processos urgentes (cfr. 36º\1, al. e) e 113º\2 CPTA).
A
tutela cautelar só é efectiva se os tribunais forem capazes de a proporcionar
em tempo útil; e essa capacidade será tanto menor quanto maior for o tempo
consumido na indagação de questões que, em sede cautelar, não devem ser objecto
de uma análise aprofundada, mas apenas apreciadas em modo superficial.
3. Requisitos da
providência cautelar
I)
Perigosidade
O
conceito de providência cautelar pressupõe a existência de um perigo de
inutilidade, resultante do decurso do tempo e, especialmente no direito
administrativo, da adopção ou abstenção de uma pronúncia. O artigo 120º do CPTA
estabelece este requisito ao exigir, para a adopção da providência cautelar,
que “ haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou
da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o
requerente vise assegurar no processo principal”.
O
juiz deve então fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de
uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para
recear que tal sentença venha a ser inútil. Neste juízo, o fundado receio há-de
corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais
consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar
“justificada” a cautela que é solicitada. Note-se que aqui estamos diante do
carácter tendencialmente objectivo da perigosidade, que se refere à utilidade
do processo e não necessariamente aos direitos do requerente, podendo tratar-se
da defesa de interesses públicos, comunitários ou de legalidade (112º CPTA).
II)
Juridicidade material (critério de aparência
do bom direito)
Foi
através deste requisito que se eliminou um dos corolários mais perversos do
dogma autoritário da “presunção de legalidade do acto adminstrativo”, passando
a reconhecer-se e conferir relevo ao fumus boni iuris.
A
atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que
superficial, por parte do juiz cautelar, sobre o bem fundado da pretensão que o
requerente faz valer no processo declarativo. Deve então o juiz avaliar o grau
de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Não nos
devemos esquecer, no entanto, que esta avaliação deve conservar-se dentro do
limites que são próprios desta tutela, para assim não se comprometer nem
antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.
Diga-se
também que o CPTA atribui uma relevância diferencial a este critério, consoante
esteja em causa a adopção de uma providência conservatória ou de uma
providência antecipatória. Está aqui em causa, essencialmente, uma manutenção
ou não de “status quo”.
Quando
se está perante a atribuição de providência conservatória, o artigo 120º\1,b),
estabelece que, uma vez demonstrado o periculum in mora, a providência será
concedida a menos que “seja manifesta a falta de fundamento da pretensão
formulada ou a formular ou a existência de circunstâncias que obstem ao
conhecimento do mérito”.
Quando
estamos perante uma concessão de providência antecipatória, o artigo 120º\1,c)
estabelece que, ainda que demonstrado o periculum in mora, a providência só
será concedida quando seja de admitir “que a pretensão formulada ou a formular
pode vir a ser julgada procedente”.
III)
Proporcionalidade
Trata-se
de uma característica que implica a ponderação de todos os interesses em jogo,
de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão ou recusa da
providência cautelar dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que
não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada.
O
que está aqui em causa é justamente a possibilidade de, embora se verifiquem os
dois requisitos fundamentais – periculum in mora; fumus boni iuris -, o juiz
dever recusar a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo resultante
para o requerido se mostrar superior ao prejuízo que se pretende evitar com a
providência. São avaliados os resultados de cada uma das alternativas, e não se
concede a providência, mesmo que se verifiquem os requisitos, quando os
prejuízos da concessão sejam superiores aos prejuízos que resultariam da não
concessão.
Bibliografia:
· ALMEIDA, Mário Aroso de - “Manual de
Processo Administrativo”, Almedina, reimpressão, 2013;
·
ANDRADE, José Carlos Vieira – “A
Justiça Administrativa (Lições) ”, Almedina, 2012, 12ª edição;
·
ROQUE, Miguel Prata – “Reflexões sobre a Reforma da
Tutela Cautelar Administrativa”, Almedina, 2005;
Diogo dos Santos Amaral - nº22162
[1] Cabe
distinguir as expressões “providência cautelar” e “procedimento cautelar” ou “processo
cautelar”. As primeiras reportam-se ao pedido concretamente formulado, enquanto
as segundas referem-se à tramitação adoptada para decisão sobre o respectivo
pedido (aqui numa vertente adjectiva e processual).”
[2] Se o
interessado pretender a obtenção de uma licença para demolir um imóvel ou
autorização para realizar uma sessão de fogos-de-artifício, o tribunal não pode
impor, como providência cautelar que a licença ou autorização sejam concedidos.
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