O
papel do Ministério Público no Contencioso Administrativo
O
Ministério Público é um órgão de origem constitucional, como resulta dos Artigos
219º e 220º da Constituição da República Portuguesa, com funções de
administração da justiça[1]. O
Ministério Público dispõe de um estatuto próprio, aprovado pela Lei n.º 47/86,
de 15 de Outubro, entretanto já varias vezes alterado.
1.O
regime atual do Contencioso Administrativo
No
quadro dos sujeitos do Direito administrativo atual, importa salientar o
Ministério Público, dado o diverso leque de papéis que desempenha. Resulta,
genericamente, do artigo 219º da CRP que lhe compete “representar o estado e
defender os interesses que a lei determinar, (…) participar na execução da
política criminal (…), exercer a ação penal orientada pelo princípio da
legalidade e defender a legalidade democrática.”. Com âmbito circunscrito ao
Contencioso Administrativo, refere o artigo 51º do ETAF como funções: “defender
a legalidade democrática e promover a realização do interesse público”,
usufruindo dos poderes que lhe são dados pela lei processual para as exercer.
Neste
sentido, encontramos no CPTA uma série de normas relativas ao Ministério
Publico que importa analisar.
Enquanto
autor, o artigo 9º nº2 do CPTA, meio de extensão da legitimidade[2], estabelece
a ação pública como forma de intervenção genérica do Ministério Público, para
garantir a defesa da legalidade e do interesse público, visto que esta
legitimidade ativa é atribuída “independentemente de interesse pessoal na
demanda”. Esta é uma forma de tutelar a legalidade e o interesse público,
através da função objetiva do contencioso, que é fundamental na Justiça
Administrativa do Estado de Direito, dando assim cumprimento ao Artigo 268º nº4
da CRP.[3] Mais especificamente, existem outras
disposições do CPTA que nos indicam a legitimidade ativa do Ministério Público
em casos concretos. O artigo 40º vem conceder legitimidade para ações relativas
à validade e à execução de contratos, nº1 al. b) e nº2 al. c); o artigo 55º nº1
vem atribuir legitimidade para a impugnação de actos administrativos; o artigo
62º dispõe que o Ministério Público assuma a posição de autor em caso de
desistência de impugnação de actos por particulares ou no âmbito da ação
popular[4]; o
artigo 68º concede legitimidade para pedir a condenação na prática de acto devido,
nos termos da al. c) do nº1; o artigo 73º nº3 proporciona, também, a
possibilidade de impugnação de normas através de declaração de ilegalidade e,
no caso concreto do Ministério Público, nem sequer se exige a verificação da
recusa de aplicação em três casos concretos; o artigo 77º vem conceder
legitimidade para pedir a declaração de ilegalidade por omissão; o artigo 104º
nº2 confere legitimidade para pedidos de intimação no exercício da ação
pública. Relativamente às providências cautelares é atribuída legitimidade
tanto ao nível da interposição, alteração e revogação como resulta dos artigos
112º nº1, 124º nº1 e 130º. Por fim, cabe salientar as funções ao nível dos
recursos que são referidas infra.
Enquanto
representante do Estado, prevê o artigo 11º nº 2 que o Ministério Público
represente o Estado, constituindo-se como seu mandatário “nos processos que
tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade”. Assim, o Ministério
Público apresenta-se como advogado do Estado nas ações acima referidas. Importa
referir que ao Ministério Publico, para efeitos do Contencioso Administrativo,
cabe apenas representar o Estado, dada a redação restritiva do artigo 51º do
ETAF, excluindo-se mesmo os ministérios nos casos em que a estes é conferida
legitimidade passiva. [5]
Enquanto
auxiliar, quando não é autor, o Ministério Público pode surgir como
interveniente, como dispõe o artigo 85º, solicitando realização de diligências
instrutórias ou pronunciando-se sobre o mérito da causa, em casos que estão em
litígio “direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos
especialmente relevantes ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º”. Nestes
casos, assumem especial importância os valores em discussão e é dada a
possibilidade de participação ao ministério público, dado o seu carácter de
garante da legalidade e do interesse público[6],
com vista a um melhor esclarecimento dos factos e melhor aplicação do direito.
Este tipo de intervenção não é obrigatória e só acontece quando o Ministério
Público considera que se justifica, versando apenas sobre questões de carácter
substantivo e não de carácter processual[7]. O
papel de auxiliar também é previsto para o Ministério Público no âmbito dos
recursos, nomeadamente no artigo 146º do CPTA,
Quanto
à interposição de recursos[8], o
Ministério Público é também um órgão a quem é conferida legitimidade para a
promoção de recursos jurisdicionais no âmbito de matéria administrativa, como
resulta de diversas disposições do CPTA. O artigo 141º nº1, atribui
legitimidade para interposição de recursos ordinários se houver violação de
disposições legais ou Constitucionais; o artigo 146º confere a possibilidade de
intervenção no processo recorrido através de parecer sobre o mérito do recurso;
o artigo 152º atribui legitimidade para interposição de recurso para uniformização
de jurisprudência; por fim, o artigo 155º confere legitimidade para requerer
Recursos de Revisão.
2. O regime previsto para a próxima
revisão do CPTA
Atualmente, está em curso uma nova
reforma do contencioso e há que centrar especial importância na revisão do
CPTA. Neste âmbito, também os papéis desempenhados pelo Ministério Público sofrerão
mudanças, se se mantiver a futura legislação, tal como consta da proposta.
A eventual proposta de lei referirá
alteração de regras de legitimidade, alteração do regime do patrocínio
judiciário, representação em juízo e, especificamente, revisão das funções do
Ministério Público. - Cfr. [Artigo 2º, nº4, nº5, nº6, nº38, nº52 e nº53, do
projeto].
Concretizando, o Decreto-Lei que
será, eventualmente, proposto para alterar o CPTA, tal como consta da proposta,
altera praticamente a redação de todos os artigos relacionados com o Ministério
Público. – Cfr. [Artigos 9º, 11º, 55º, 68º, 73º, 77º,
104º, 112º, 124º, 130º, 141º,152º,155º, da proposta].
No entanto, a maioria das alterações não é substancial, surgindo apenas
aperfeiçoamentos textuais ou modificações pouco significativas. Em sentido
oposto, importa referir as alterações dos artigos 11º, 55º e 85º.
Em primeiro lugar, com redação
proposta para o artigo 11º nº3, passa a ser supletiva a representação do Estado
pelo Ministério Público, nas ações que tenham como objeto relações contratuais
ou de responsabilidade, dado que a constituição de mandatário judicial é
suficiente para afastar a intervenção do Ministério Público.
Em segundo lugar, o artigo 55º nº1
al.b), segundo a proposta, será agora mais restritivo. A impugnação de actos
administrativos, pelo Ministério Público, estará limitada aos casos em que
estejam em causa direitos fundamentais, interesses públicos de especial
relevância ou valores referidos no artigo 9º nº2. Assim, é introduzida uma
limitação à atuação do Ministério Público, idêntica à prevista atualmente, por
exemplo, no artigo 68º nº1 c). Quanto a nós, temos algumas reservas quanto a
esta opção, dado que parece, assim, surgir uma aproximação da ação pública à
ação popular. Poderá, com esta restrição, a ação pública perder a sua qualidade
enquanto tal.
Por último, o artigo 85º, na
alteração proposta, passa também a limitar a solicitação de diligências
instrutórias por parte do Ministério Público aos casos relativos a processos
impugnatórios.
Em suma, com a nova revisão do CPTA,
no mesmo sentido da reforma anterior[9],
nota-se uma limitação nas funções do Ministério Público, entre as quais se
destaca particular importância à já referida restrição na impugnação de actos
administrativos introduzida pela alteração do artigo 55º da proposta.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo,
Reimpressão, 2013.
ALMEIDA, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais
Administrativos, 3ª Ed.(Revista e
Actualizada), 2004.
ANDRADE, Vieira de, A Justiça Administrativa, 10ª Ed., 2009.
CORREIA, Sérvulo, Direito do
Contencioso Administrativo, I, 2005.
SILVA,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Ed., 2009.
Emanuel Sousa 22593
[1] Vieira
de andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª Ed., 2009, p. 155
[2] Mario
Aroso de Almeida, Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª
Ed., 2004, p. 27.
[3] Vasco
Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª
Ed.,2009, pp. 270 -273.
[4] Artigo
16 n.º3 da Lei nº 83/95.
[5] Mário
Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2013, p. 65.
[6] Sérvulo
correia, considera que o Ministério Público funciona como assistente público
apenas, apoiando a pretensão de uma das partes, p.732.
[7] Mário
Aroso de Almeida, Manual de, p. 65.
[8] Cfr.,
por exemplo, Mário Aroso de Almeida, Manual de, p. 85.
[9] Mario Aroso de Almeida, Manual de, p. 85.
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