quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O papel do Ministério Público no Contencioso Administrativo

O Ministério Público é um órgão de origem constitucional, como resulta dos Artigos 219º e 220º da Constituição da República Portuguesa, com funções de administração da justiça[1]. O Ministério Público dispõe de um estatuto próprio, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, entretanto já varias vezes alterado.

1.O regime atual do Contencioso Administrativo

No quadro dos sujeitos do Direito administrativo atual, importa salientar o Ministério Público, dado o diverso leque de papéis que desempenha. Resulta, genericamente, do artigo 219º da CRP que lhe compete “representar o estado e defender os interesses que a lei determinar, (…) participar na execução da política criminal (…), exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.”. Com âmbito circunscrito ao Contencioso Administrativo, refere o artigo 51º do ETAF como funções: “defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público”, usufruindo dos poderes que lhe são dados pela lei processual para as exercer.
Neste sentido, encontramos no CPTA uma série de normas relativas ao Ministério Publico que importa analisar.
Enquanto autor, o artigo 9º nº2 do CPTA, meio de extensão da legitimidade[2], estabelece a ação pública como forma de intervenção genérica do Ministério Público, para garantir a defesa da legalidade e do interesse público, visto que esta legitimidade ativa é atribuída “independentemente de interesse pessoal na demanda”. Esta é uma forma de tutelar a legalidade e o interesse público, através da função objetiva do contencioso, que é fundamental na Justiça Administrativa do Estado de Direito, dando assim cumprimento ao Artigo 268º nº4 da CRP.[3]  Mais especificamente, existem outras disposições do CPTA que nos indicam a legitimidade ativa do Ministério Público em casos concretos. O artigo 40º vem conceder legitimidade para ações relativas à validade e à execução de contratos, nº1 al. b) e nº2 al. c); o artigo 55º nº1 vem atribuir legitimidade para a impugnação de actos administrativos; o artigo 62º dispõe que o Ministério Público assuma a posição de autor em caso de desistência de impugnação de actos por particulares ou no âmbito da ação popular[4]; o artigo 68º concede legitimidade para pedir a condenação na prática de acto devido, nos termos da al. c) do nº1; o artigo 73º nº3 proporciona, também, a possibilidade de impugnação de normas através de declaração de ilegalidade e, no caso concreto do Ministério Público, nem sequer se exige a verificação da recusa de aplicação em três casos concretos; o artigo 77º vem conceder legitimidade para pedir a declaração de ilegalidade por omissão; o artigo 104º nº2 confere legitimidade para pedidos de intimação no exercício da ação pública. Relativamente às providências cautelares é atribuída legitimidade tanto ao nível da interposição, alteração e revogação como resulta dos artigos 112º nº1, 124º nº1 e 130º. Por fim, cabe salientar as funções ao nível dos recursos que são referidas infra. 
Enquanto representante do Estado, prevê o artigo 11º nº 2 que o Ministério Público represente o Estado, constituindo-se como seu mandatário “nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade”. Assim, o Ministério Público apresenta-se como advogado do Estado nas ações acima referidas. Importa referir que ao Ministério Publico, para efeitos do Contencioso Administrativo, cabe apenas representar o Estado, dada a redação restritiva do artigo 51º do ETAF, excluindo-se mesmo os ministérios nos casos em que a estes é conferida legitimidade passiva. [5]
Enquanto auxiliar, quando não é autor, o Ministério Público pode surgir como interveniente, como dispõe o artigo 85º, solicitando realização de diligências instrutórias ou pronunciando-se sobre o mérito da causa, em casos que estão em litígio “direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º”. Nestes casos, assumem especial importância os valores em discussão e é dada a possibilidade de participação ao ministério público, dado o seu carácter de garante da legalidade e do interesse público[6], com vista a um melhor esclarecimento dos factos e melhor aplicação do direito. Este tipo de intervenção não é obrigatória e só acontece quando o Ministério Público considera que se justifica, versando apenas sobre questões de carácter substantivo e não de carácter processual[7]. O papel de auxiliar também é previsto para o Ministério Público no âmbito dos recursos, nomeadamente no artigo 146º do CPTA,
Quanto à interposição de recursos[8], o Ministério Público é também um órgão a quem é conferida legitimidade para a promoção de recursos jurisdicionais no âmbito de matéria administrativa, como resulta de diversas disposições do CPTA. O artigo 141º nº1, atribui legitimidade para interposição de recursos ordinários se houver violação de disposições legais ou Constitucionais; o artigo 146º confere a possibilidade de intervenção no processo recorrido através de parecer sobre o mérito do recurso; o artigo 152º atribui legitimidade para interposição de recurso para uniformização de jurisprudência; por fim, o artigo 155º confere legitimidade para requerer Recursos de Revisão.

2. O regime previsto para a próxima revisão do CPTA

            Atualmente, está em curso uma nova reforma do contencioso e há que centrar especial importância na revisão do CPTA. Neste âmbito, também os papéis desempenhados pelo Ministério Público sofrerão mudanças, se se mantiver a futura legislação, tal como consta da proposta.
            A eventual proposta de lei referirá alteração de regras de legitimidade, alteração do regime do patrocínio judiciário, representação em juízo e, especificamente, revisão das funções do Ministério Público. - Cfr. [Artigo 2º, nº4, nº5, nº6, nº38, nº52 e nº53, do projeto].
            Concretizando, o Decreto-Lei que será, eventualmente, proposto para alterar o CPTA, tal como consta da proposta, altera praticamente a redação de todos os artigos relacionados com o Ministério Público. – Cfr. [Artigos 9º, 11º, 55º, 68º, 73º, 77º, 104º, 112º, 124º, 130º, 141º,152º,155º, da proposta]. No entanto, a maioria das alterações não é substancial, surgindo apenas aperfeiçoamentos textuais ou modificações pouco significativas. Em sentido oposto, importa referir as alterações dos artigos 11º, 55º e 85º.
            Em primeiro lugar, com redação proposta para o artigo 11º nº3, passa a ser supletiva a representação do Estado pelo Ministério Público, nas ações que tenham como objeto relações contratuais ou de responsabilidade, dado que a constituição de mandatário judicial é suficiente para afastar a intervenção do Ministério Público.
            Em segundo lugar, o artigo 55º nº1 al.b), segundo a proposta, será agora mais restritivo. A impugnação de actos administrativos, pelo Ministério Público, estará limitada aos casos em que estejam em causa direitos fundamentais, interesses públicos de especial relevância ou valores referidos no artigo 9º nº2. Assim, é introduzida uma limitação à atuação do Ministério Público, idêntica à prevista atualmente, por exemplo, no artigo 68º nº1 c). Quanto a nós, temos algumas reservas quanto a esta opção, dado que parece, assim, surgir uma aproximação da ação pública à ação popular. Poderá, com esta restrição, a ação pública perder a sua qualidade enquanto tal.
            Por último, o artigo 85º, na alteração proposta, passa também a limitar a solicitação de diligências instrutórias por parte do Ministério Público aos casos relativos a processos impugnatórios.
            Em suma, com a nova revisão do CPTA, no mesmo sentido da reforma anterior[9], nota-se uma limitação nas funções do Ministério Público, entre as quais se destaca particular importância à já referida restrição na impugnação de actos administrativos introduzida pela alteração do artigo 55º da proposta.

Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Reimpressão, 2013.
ALMEIDA, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Ed.(Revista e Actualizada), 2004.
ANDRADE, Vieira de, A Justiça Administrativa, 10ª Ed., 2009.
CORREIA, Sérvulo, Direito do Contencioso Administrativo, I, 2005.
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Ed., 2009.

Emanuel Sousa 22593



[1] Vieira de andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª Ed., 2009, p. 155
[2] Mario Aroso de Almeida, Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Ed., 2004, p. 27.
[3] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Ed.,2009, pp. 270 -273.
[4] Artigo 16 n.º3 da Lei nº 83/95.
[5] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2013, p. 65.
[6] Sérvulo correia, considera que o Ministério Público funciona como assistente público apenas, apoiando a pretensão de uma das partes, p.732.
[7] Mário Aroso de Almeida, Manual de, p. 65.
[8] Cfr., por exemplo, Mário Aroso de Almeida, Manual de, p. 85.
[9]  Mario Aroso de Almeida, Manual de, p. 85.

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