A Aceitação do Acto Administrativo
está consagrada, no âmbito do Contencioso Administrativo, no artigo 56º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e apresenta-se como um
instituto que impede o sujeito aceitante de impugnar o acto por ele aceite,
restringindo-se por isso às Acções Administrativas Especiais de Impugnação de
Actos Administrativos.
Esta figura consiste numa manifestação
de vontade de concordância, expressa ou tácita[1], com
o conteúdo de um acto, sendo por isso resultado de um acto positivo de adesão,
uma vez que só com essa vontade se produzirão os efeitos jurídico que a lei
determina.
Quanto ao acto que é aceite, este cinge-se
a actos inválidos que tenham conteúdo desfavorável para o sujeito aceitante.
Tratando-se de actos inválidos, podemos desde já retirar uma conotação
processual do instituto, isto porque é, naturalmente, susceptível de
impugnação, porém mediante a aceitação deixa de o ser, afigurando-se esta como
um obstáculo à impugnação. Contudo, a Aceitação não representa um consentimento
dos particulares para que a Administração Pública pratique actos desconformes à
lei, mas sim uma escolha do legislador em dar prevalência a valores
constitucionais de segurança e confiança sobre o direito à impugnação
contenciosa de actos administrativos. Por sua vez, o conteúdo desfavorável do
acto explica-se pelo facto de este ser o objecto da aceitação e de a aceitação
se restringir aos aspectos desfavorável do mesmo, que serão potencialmente
lesivos de direitos ou interesses. Ou seja, o sujeito a quem o acto se dirige
só terá carência de o aceitar se esse mesmo acto não for de encontro às suas
expectativas. Todavia, o conteúdo do acto aceite não pode ser totalmente
desfavorável, terá necessariamente de conter algum conteúdo favorável que funcionará
como motivo da aceitação.
No que diz respeito aos efeitos da
Aceitação do Acto podemos dividi-los em efeitos substantivos e processuais. Os
efeitos substantivos da Aceitação do Acto Administrativo reconduzem-se a
efeitos objectos e subjectivos, que dizem respeito, respectivamente, à
convalidação e estabilização dos efeitos do acto administrativo e à extinção do
direito ou interesse protegidos. A estes soma-se o efeito processual de perda
ou preclusão do direito de impugnação.
Definido já o efeito processual da
Aceitação do Acto Administrativo, resta saber onde é que se insere este
instituto no Processo Administrativo e aqui a doutrina diverge na inclusão ou
não da Aceitação do Acto Administrativo no pressuposto da Legitimidade Activa
das acções de impugnação.
A doutrina maioritária reconduz esta
figura ao pressuposto processual da Legitimidade, configurando-a como um Requisito Negativo de Legitimidade. O
principal argumento aludido pelos defensores desta teoria é a integração
sistemática da figura na subsecção “Da Legitimidade” da secção da “Impugnação
de actos administrativos” do CPTA. Esta doutrina também argumenta no sentido em
que, se o sujeito ao aceitar o acto extingue o seu direito ou interesse relativo
a ele, e se, só tem Legitimidade quem é titular de um direito ou interesse atinente
ao acto que pretende impugnar, então pela Aceitação, o sujeito aceitante deixa
de preencher o pressuposto tornando-se parte ilegítima. Como defensor desta
posição, o Professor José Sérvulo Correria[2]
sustenta que com a Aceitação do acto deixa de ser atacável por parte de quem o
aceitou, por perda de Legitimidade para o recurso ao Processo Administrativo.
Recusando esta visão e separando o
instituto da Aceitação do Acto do Pressuposto da Legitimidade, temos duas
teorias, uma que reconduz este instituto ao pressuposto do Interesse em Agir e
outra que o constrói uma Pressuposto Processual Autónomo.
Em primeiro lugar, vamos analisar a
doutrina que reconduz a Aceitação do Acto ao pressuposto processual do Interesse em Agir. Na verdade, a
existência de um pressuposto desta natureza não é novidade para o Direito, dado
que tal figura apareceu primeiramente e é originária do Processo Civil[3]. O
objectivo principal deste pressuposto consiste em saber se o recorrente tem
necessidade de proteção judicial para tutela de uma situação subjectiva,
através do uso de um determinado meio processual, visando-se assim evitar
custos e incómodos para o tribunal e para as partes, se realmente uma situação não
merecer aquela tutela. No processo administrativo, o acolhimento deste
pressuposto é ténue, mas para o Professor Vasco Pereira da Silva pode ser extraído
de dois preceitos, o primeiro de uma forma mais explícita que o segundo. O artigo
39º do CPTA é o primeiro preceito ao qual o Professor faz referência para dele
retirar o Interesse em Agir, focando-se essencialmente na alusão que o artigo
faz a uma utilidade ou vantagem imediata na declaração judicial preterida. Partindo
desta expressão, o Professor retira a “regra geral” do Interesse em Agir no
Processo Administrativo, admitindo a sua aplicação para todos os outros meios
processuais. Para além deste artigo, e agora fazendo a ligação com a Aceitação
do Acto, o Professor assume que do artigo 56º do CPTA se pode retirar também,
embora apenas implicitamente, uma ramificação do pressuposto do Interesse em
Agir do artigo 39º do CPTA, pois sempre que o particular aceite o acto administrativo
deixa, consequentemente, de ter interesse em agir. O
Professor acrescenta ainda que, sendo verdade que o particular perde o direito
de impugnação do acto administrativo, esta perda não é irreversível, porque
este não deixa de o poder recuperar, através de revogação da declaração ou
alteração do comportamento, desde que ainda estejam a correr os prazos para a
impugnação. Completa dizendo que tal possibilidade, de restabelecimento do
direito a impugnar, é admitida pelo artigo 268º/4 da Constituição e que
qualquer recusa constitui uma violação do direito fundamental de acesso à
jurisdição administrativa[4].
Concordando ainda com a separação da
Aceitação do Acto com o Pressuposto da Legitimidade, mas não aceitando a
autonomização da figura como algo como um requisito negativo do pressuposto do
Interesse em Agir, temos a teoria da Aceitação do Acto como Pressuposto Processual Autónomo Negativo,
defendida pelos Professores Mário Aroso de Almeida e José Vieira de Andrade.
Para ambos os Professores, este pressuposto teria que ser negativo, porque no
artigo 56º do CPTA é formulado de maneira a que o recorrente não se encontre na
situação de ter aceite o acto para puder recorrer à impugnação, pois se o tiver
feito os efeitos desse mesmo acto estabilizam-se e este perde a possibilidade
de impugnar o acto administrativo. Todavia, os Professores divergirem naquilo a
que está relacionado o pressuposto, isto é, o Professor Mário Aroso de Almeida considera
que este pressuposto é relativo ao objecto e o Professor José Vieira de Andrade
considera que seja relativo às partes. Nesta medida, o Professor Mário Aroso de
Almeida[5]
analisa a Aceitação do Acto no momento em que averigua se um acto
administrativo é ou não impugnável, não o sendo, se o sujeito aceitante
praticou de modo espontâneo e sem reserva, um acto incompatível com a vontade
de impugnar. Por outro lado, o Professor José Vieira de Andrade[6]
analisa o Pressuposto de Aceitação do Acto aquando do apuramento dos
pressupostos relativos às partes, juntamente com a personalidade, capacidade e
legitimidade. Para este Professor, a Aceitação do Acto representa uma
autovinculação do sujeito a um comportamento inicial de concordância com o acto
administrativo, o que o impede de contestar esse acto.
Cabe agora tomar uma posição sobre a
questão.
Com efeito, a autonomização do
instituto em relação ao pressuposto da Legitimidade faz todo o sentido se
atendermos a todos os efeitos da Aceitação do Acto. Isto porque se num primeiro
momento somos levamos a ponderar a não separação, devido ao efeito substantivo
subjectivo, num segundo momento, atendo ao efeito processual da Aceitação, não
nos restam dúvidas quanto à separação. Quer isto dizer que, se nos
restringirmos exclusivamente ao efeito substantivo de perda do direito ou
interesse protegidos, naturalmente que somos levados a reconduzir este
instituto a um Requisito Negativo de Legitimidade Activa, dado que na base do
pressuposto de Legitimidade está a alegação de um interesse ou direito[7] e
quando este não existe estamos perante uma situação de Ilegitimidade Activa. No
entanto, tendo em conta o efeito processual do instituto somos levados, por
outro lado, a abandonar esta tese, visto que só perde o direito a impugnar quem
efectivamente o possuiu num momento anterior. Deste modo, para que a aceitação
do acto funcione é necessário que o sujeito aceitante preencha o pressuposto da
Legitimidade Activa, o que nos leva a concluir que a Aceitação do Acto não se
confunde com a Legitimidade Activa e a sua averiguação correr posteriormente à
análise a Legitimidade Activa.
Também não nos parece que a visão de
que a Aceitação do Acto representa uma regra especial do Interesse em Agir,
seja a mais correcta. Como vimos, o Interesse em Agir, existe quando o
recorrente tem necessidade de aceder à via judicial para efectivar ou proteger
o seu direito ou interesse. Ora, se o acto aceite contêm sempre uma parte
desfavorável ao aceitante, este terá sempre interesse em agir, no sentido em
que existe na sua esfera jurídica situações de lesão dos seus direitos ou
interesses, que até necessitavam de uma tutela jurisdicional, mas que, me prol
da parte favorável que o acto comporta, o sujeito optou por “ignorar”.
Com o que já foi dito até aqui e excluindo
a recondução do instituto da Aceitação do Acto a um Requisito Negativo de
Legimitidade Activa e também ao pressuposto do Interesse em Agir, resta-nos
concordar com a doutrina que edifica a Aceitação do Acto como uma Pressuposto
Processual Autónomo, mais concretamente a defendida pelo Professor José Vieira
de Andrade. Sublinhe-se que o pressuposto é Especial porque se delimita às
Acções Administrativas Especiais de Impugnação de Actos Administrativos e está
formulado pela negativa, ao contrário dos outros pressupostos relativos às
partes. É também de destacar que a opção pelo pressuposto ser relativo às
partes justifica-se pela própria construção do artigo 56º do CPTA, que se foca
em “quem” não impugnar um acto administrativo e não se o acto administrativo
aceite é ou não impugnável. Além disso e para terminar, se caracterizámos (supra)
o acto aceite como inválido, então abstrata e isoladamente ele é evidentemente impugnável.
Maria Beatriz Sousa
Nº22224
Bibliografia:
VIEIRA
DE ANDRADE, José Carlos; A Justiça
Administrativa (Lições), 12º Edição, Almedina, Coimbra, 2012;
AROSO
DE ALMEIDA, Mário; Manual de Processo
Administrativo, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2013;
PEREIRA
DA SILVA, Vasco; O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, 2º Edição, Almedina, Coimbra, 2009;
LOPES
LUÍS, Sandra; A Aceitação do Acto
Administrativo – Conceito, Fundamentos e Efeitos, Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004.
OTERO,
Paulo; Legalidade e Administração Pública,
Almedina, Coimbra, 2003.
[1] Do artigo 56º do CPTA pode
retirar-se uma classificação da Aceitação do Acto quanto à forma, ao momento e
ao conteúdo. Começando pela forma, esta pode ser tácita (quando é espontânea,
sem reservas, inequívoca e esclarecida) ou expressa (mediante declaração
negocial). Passando para o momento em que a Aceitação é efectuda, podemos
caracteriza-la como aceitação sucessiva, visto que o CPTA só admite que tal
aconteça depois da prática do acto administrativo. Por fim, quanto ao conteúdo,
a aceitação pode ser parcial ou total.
[2]JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Volume
I, Lisboa, 1982, p. 506.
[3]MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção
Declarativa, Lisboa, 1995, p. 97.
[4]VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise, 2º Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 373-374 e 474-475.
[5]MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo,
Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2013, p. 316.
[6]JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 12º
Edição, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 270-272.
[7] Artigo 55º/1,a) do CPTA.
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