sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O acto nulo do contencioso pré-contratual

Ao longo deste primeiro post pretendemos abordar a problemática geral referente ao acto nulo do contencioso pré-contratual incidindo com maior ênfase na análise do prazo previsto para as acções que tramitam sob a forma de processo principal urgente de contencioso pré-contratual.
Antes de abordar o tema propriamente dito é necessário fazer um pequeno enquadramento do processo urgente do contencioso pré-contratual. Pegando nas palavras do Professor Mário Aroso de Almeida as formas do processo declarativo que se encontram previstas no CPTA são, por um lado, as duas formas de processo que se podem qualificar como não-urgentes e que são designadas por acção administrativa comum e por acção administrativa especial; e as formas dos processos declarativos urgentes do contencioso eleitoral , do contencioso relativo à impugnação de actos praticados no âmbito de certos tipos de procedimentos pré-contratuais e de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Ora, no que respeita aos pressupostos processuais, o CPTA estabelece, para os processos declarativos urgentes, um regime com particularidades próprias.
No centro da questão maior que dá origem à divergência doutrinária está o regime da nulidade geral previsto no artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo e dos artigos 100º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos em especial o artigo 101º referente ao prazo nos processos do contencioso pré-contratual. Estando também prevista no artigo 133º do CPA é na regra geral do art 134º que nos devemos focar. Deste podemos verificar que a regra geral nos indica que (i) o acto nulo não produz qualquer efeito jurídico; (ii) a nulidade é invocável a todo o tempo por por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal; (iii) o disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito. Quanto ao contencioso pré-contratual estando o seu âmbito previsto no artigo 100º do CPTA é no artigo 101º referente aos prazos que podemos verificar que "os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto". É neste ponto que resulta a colisão com o 134 nº 2. A duvida de fundo está em saber se findo o prazo de um mês previsto no artigo 101º do CPTA o acto nulo praticado se torna inimpugnável sendo derrogado o regime previsto no artigo 134 nº2 do CPA. Pretendemos desta forma abordar e analisar a opinião da doutrina dando a nossa modesta opinião.
Dentro da Doutrina que está a favor da arguição da nulidade a todo o tempo e dessa forma da predominância do art 134 nº 2, referindo ainda que o disposto prazo de um mês seria apenas para a anulabilidade e não para a nulidade podemos indicar Maria João Estorninho, Carlos Fernandes Cadilha, Antonio Cadilha, André Salgado Matos e Pedro Gonçalves. Pegando na opinião de alguma desta Doutrina podemos referir que Carlos Fernandes Cadilha e Antonio Cadilha indicam em nota de rodapé o acórdão do STA. De 27 de Outubro de 1998 onde embora se tenha mantido o entendimento de que o prazo de impugnação em processo de contencioso pré-contratual é um prazo único aplicável indistintamente aos actos nulos ou anuláveis, não foi deixado de se considerar que os actos nulos são impugnáveis a todo o tempo nos termos gerais aplicáveis ao recurso contencioso, aceitando assim a impugnação ao abrigo da actual acção administrativa especial. No mesmo sentido segue Pedro Gonçalves afirmando que "parece claro que o esgotamento do prazo indicado no art 101º não pode ter como consequência a inopugnabilidade do acto administrativo nulo. Assim estando em causa um acto nulo e tendo passado um mês desde a respectiva notificação, o interessado há-de poder apresentar uma impugnação pela forma da acção administrativa especial." Por sua vez Maria João Estorninho afirma que "parece obvio que não faz sentido aplicar este regime (art 101º) aos actos nulos, uma vez que a nulidade pode ser declarada a todo o tempo. Assim, o esgotamento do prazo indicado no artigo 101º do CPTA não pode ter como consequência a inimpugnabilidade do acto administrativo nulo. Passado um mês, deve admitir-se a possibilidade de impugnação por via da acção administrativa especial". Em suma há nesta parte da Doutrina uma prevalência da regra geral da nulidade onde face há importância que a maior das invalidades tem no nosso ordenamento jurídico, esta pode e deve ser arguida a todo o tempo valendo o prazo de um mês apenas para a anulabilidade.
Passando agora à Doutrina que defende que a nulidade nos casos de contencioso urgente pré-contratual não pode ser invocada a todo o tempo estando desta forma sujeito ao prazo de um mês podemos dizer que esta é a opinião da Doutrina maioritária assim como da jurisprudência em geral. Da Doutrina Maioritária podemos citar nomes como Rodrigo Esteves de Oliveira, Vieira de Andrade, Aroso de Almeida, Mesquita Nunes e Ana Gouveia Martins. Explorando um pouco as opiniões (de alguns) dos Professores enumerados podemos começar por dizer que afirma o Professor Aroso de Almeida que o prazo estabelecido no artigo 101º "parece valer, tanto para as acções dirigidas à anulação, como para as acções de declaração de nulidade do acto impugnado" uma vez que o artigo não faz nenhum tipo de diferenciação. Rodrigo Esteves de Oliveira, apesar de alguma reticência quanto ao tema, acaba por concluir que o prazo do artigo 101º acaba por prevalecer não só pelo 134 nº 2 do CPA como também pelo artigo 58 nº 1 do CPTA. Como causa de justificação refere o autor que "preocupações de maior urgência na estabilização das relações ou situações pré-contratuais, bem como da utilidade preventiva do processo pré-contratual, e também, em segundo lugar, a falta de distinção legal entre os prazos de impugnação dos actos feridos de uma e outra dessas invalidades, bem como a especificidade dos procedimentos pré-contratuais, que os interessados acompanham a par e passo". De referir ainda que o autor afirma que a falta de distinção legal entre os prazos de impugnação dos actos feridos de nulidade e anulabilidade parece propositada.
Há que tomar uma posição com base não só mas também através da Interpretação da norma prevista no artigo 101º sendo que da mesma podemos retirar dois tipos de interpretação: a primeira é uma interpretação literal que engloba as causas de nulidade e anulabilidade; a segunda é uma interpretação restritiva em que serve apenas na anulabilidade baseada na regra geral do CPA. Não se deve fazer interpretação restritiva e dessa forma a nulidade terá também prazo de um mês para ser arguida. Como justificação da nossa posição achamos relevante fazer um ponderação entre os valores da justiça e da segurança já que esta é no fundo a grande dialética do Direito sempre presente na metodologia jurídica do jurista. Em suma podemos concluir que ficar pendente ad infinitum uma nulidade invocável a todo o tempo seria demasiado gravoso implicando uma compressão demasiado grande e desproporcional do principio da segurança jurídica. Esta visão vai de encontro a uma mudança de paradigma que tem ocorrido ao nível das invalidades do direito administrativo nomeadamente na quebra da nulidade clássica sendo que cada vez mais há normas que limitam temporalmente a arguição da nulidade. Relevante ainda verificar que esta limitação temporal da arguição da nulidade vai ao encontro da mesma opinião existente no direito comparado em geral.
Bibliografia:
-Maria João Estorninho, curso de Direito dos Contratos Públicos
-José Vieira de Andrade, A justiça administrativa
-Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo
-Rodrigo Esteves de Oliveira, O Contencioso urgente da contratação pública
-Carlos Fernandes Cadilha e António Cadilha, O contencioso pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos públicos
-Pedro Gonçalves, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente
Gonçalo Grilo, 20869

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