I – Aspectos introdutórios
A presente publicação aborda a problemática da
legitimidade passiva no contencioso administrativo e tributário, nomeadamente
uma análise das regras presentes no artigo 10º do CPTA e da discussão em torno
de quem é a parte demandada, a pessoa colectiva ou o órgão.
Importa referir primariamente que, a opção tomada pelo
legislador aquando da reforma do CPTA ( que parece não alterar na nova
proposta de alteração) de romper com a corrente existente até então de se
demandar o órgão/autoridade administrativa e não a pessoa colectiva, deriva do
trauma histórico do recurso contencioso. Anteriormente os processos de anulação
de actos administrativos afiguravam-se como processos sem partes, em que o órgão
que praticou o acto administrativo aparecia como autoridade recorrida e não como
entidade demandada.
II – Contextualização
A inovação que surgiu através da reforma do CPTA em tornar
o Contencioso Administrativo num processo de partes, desta forma aproximando-o
ao Processo Civil, foi fundamental á luz do princípio da igualdade das partes.
Desta forma, o particular tem uma forma mais segura, mais protegida e mais transparente
de poder fazer valer o seu direito ou interesse legalmente protegido contra a
Administração, em vez de esta estar dotada de poderes e direitos diferentes do
particular em tribunal.
Esta inovação foi essencial para a modernização do
Contencioso Administrativo e para uma maior tutela dos direitos fundamentais do
particular neste âmbito, já relativamente ao aspecto específico da legitimidade
passiva não considero que tenha sido tão feliz. O artigo 10º do CPTA regula a
matéria da legitimidade passiva, no seu número 2 refere que a parte demandada é
a pessoa colectiva ou ministério em que o órgão que praticou o acto administrativo
se inclua; ficou preterida a expressão órgão
autor do acto recorrido, como aquele que deveria ser demandado. Esta
modificação do critério de entidade demandada justifica-se por uma lógica de promoção
do acesso à justiça administrativa por parte dos particulares, é mais fácil
encontrar a pessoa colectiva a demandar do que o órgão em concreto de um ente
público.
De realçar ainda que o artigo 10º do CPTA não remete para
o esquecimento em absoluto os órgãos administrativos, como se pode constatar
nos números 4 e 6, ou seja, quando o processo é acerca de um litígio entre órgãos
de uma mesma pessoa colectiva, a acção é proposta contra o órgão que o
originou; relativamente à questão do 10/4 CPTA falarei mais adiante.
Em consonância com o referido anteriormente, também uma
vasta parte do ordenamento jurídico nacional menciona e consagra a figura dos
órgãos administrativos, como podemos constatar na Constituição da República
Portuguesa (artigos 26 e seguintes) e do próprio CPA, que tem uma extensa
menção e regulação dos órgãos administrativos (por exemplo o 14/4 CPA acerca do
presidente dos órgãos colegiais interpor recurso). Também se pode retirar uma
certa importância da diferenciação entre pessoa colectiva e órgão do próprio
10/2 CPTA, quando refere a situação dos ministérios, ressalvando que quando
esteja em causa o Estado, o acto vai ser reconduzido ao ministério que titula o
órgão que praticou o acto impugnado. Desta situação de separação da pessoa
colectiva em órgãos com diferentes actuações e atribuições, retira-se a importância
de se ir além da pessoa colectiva de forma a chegar ao concreto responsável
pela prática do acto impugnado.
Chegando a este ponto devo destacar que não compartilho da
posição apresentada pelo Professor Vasco Pereira da Silva, sustentado em parte
pela doutrina italiana, da decadência e imprecisão do conceito pessoa colectiva
pública e que deveria ser substituído por uma nova figura, uma construção nova,
os “serviços”. Mas de referir ainda que a fundamentação utilizada pelo
Professor para a certidão de óbito da pessoa colectiva público, parece-me ser
em parte correcta e real, quando refere a multiplicidade da natureza dos entes
em exercício da função administrativa e da multiplicação de competências
decisórias autónomas.
III – Posição defendida
Após a apresentação do tema e da situação actual desta
questão, considero fundamental agora partilhar a minha posição quanto à
legitimidade passiva. Começo por referir os aspectos essenciais da minha
posição: em primeiro lugar defendo que a lei se devia reportar aos órgãos que
praticam os actos e não às pessoas colectivas onde estes se incluam; em segundo
lugar considero que, apesar de o 10/4 CPTA ser bem-intencionado e trazer
segurança aos particulares, devia ter uma redacção oposta.
Relativamente ao primeiro aspecto, a minha fundamentação
para este aspecto deriva do facto de não considerar que, seja contra uma lógica
de processo de partes que a entidade demandada seja um órgão e não uma pessoa
colectiva. Ressalvo desta forma o passo importante alcançado com a reforma do
CPTA, mas que na minha opinião peca por ter alterado algo que não necessitava de
ser alterado; considero que podemos manter um processo de partes e termos os órgãos
como a entidade demandada, no limite até se reforça este aspecto.
É neste ponto que faço uso da fundamentação utilizada
pelo Professor Vasco Pereira da Silva relativamente à pessoa colectiva pública,
para reforçar a minha posição relativamente aos órgãos. Decorre da variedade de
entes públicos presentes na Administração e no exercício da função
administrativa, em conjunto com o fenómeno da descentralização e da repartição
de atribuições; bem como com as situações de relações jurídicas inter-orgânicas
e intra-orgânicas que são os órgãos a figura mais relevante de actuação, e que é
através destes que melhor se assegura a tutela dos direitos fundamentais dos
particulares. Numa lógica de especialidade e de proximidade com a situação em
causa, bem como do dever de fundamentação das decisões e de condenação à
prática do acto, são os órgãos e apenas estes que reúnem as condições
necessárias à salvaguarda dos interesses em causa.
No que concerne ao segundo aspecto, como já referi a
intenção da criação de um artigo que salvaguarde a posição do particular no
acesso à justiça administrativa, em virtude da elevada complexidade organizacional
da Administração, é de louvar. Mas no seguimento da minha posição e sobre pena
de incoerência, defendo que o artigo 10/4 CPTA deve ter uma redacção que
fomente a relação de proximidade e de especialidade ao caso concreto em juízo.
Sendo um processo de partes é um imperativo lógico que as partes seja aquelas
em concreto litigio sobre a matéria, e não uma terceira entidade com uma relação
especial com o ente autor do acto em litígio, isto causa uma ficção
desnecessária, uma substituição de responsabilidades. Deveria o artigo 10/4
CPTA referir que nos casos em que é demandada a pessoa colectiva em vez do
órgão, ainda se considera regularmente proposta a acção, devendo esta ser
reconduzida ao órgão em questão.
Tiago Manuel Gonçalves Marques, aluno nº 22113
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso
de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra Reimpressão, 2013.
MEALHA, Esperança, “Personalidade
Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, Publicações CEDIPRE
Online – 2, http://www.fd.uc.pt, Coimbra, 2010.
SILVA, Vasco Pereira
da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, Coimbra, 2ª
Ed., 2009.
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