Poderá o parecer vinculante ser um acto
recorrível?
A garantia do recurso contencioso visa a invalidade de actos administrativos ilegais, que tenham eficácia externa0 e sejam lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos do interessado, pressupõe, assim, o recurso a existência de um verdadeiro acto administrativo. Importa, pois, muito sucintamente definir acto administrativo, em que no sentido dado pelo art. 120 do CPA, são as decisões materialmente administrativas da autoridade que visem a produção de efeitos. É do ponto de vista estrutural decisivo para que os actos da administração possam ser objecto de reacção contenciosa, que eles possuam conteúdo decisório: que não se esgotem na emissão de uma declaração de ciência, um juízo, uma opinião, mas exprimam uma resolução que determine o rumo de acontecimentos ou de condutas a adoptar.
Ora os pareceres são habitualmente incluídos pela doutrina no domínio das diligências procedimentais, a que falta autonomia, pelo que apenas com a cumulação de um outro acto jurídico (acto final do procedimento) se produzirá efeitos jurídicos numa esfera externa ao órgão emitente.
Questão diferente coloca-se quanto aos pareceres vinculantes, e aqui tanto a doutrina e a jurisprudência têm se debatido e discordado, pois sucede que não desempenham a tal função de instrutores ou auxiliares do procedimento, antes fixam um sentido para a resolução desse procedimento que o órgão com competência decisória não pode afastar. Desta forma questiona-se, se o parecer vinculante será ainda um parecer ou um acto administrativo, isto porque este último é requisito necessário conforme o art. 55/1 à admissibilidade da impugnação.
Questão diversa é a de saber em que circunstâncias concretas é que cada acto administrativo pode ser efectivamente objecto de impugnação, atendendo às regras processuais da legitimidade1.
A garantia do recurso contencioso visa a invalidade de actos administrativos ilegais, que tenham eficácia externa0 e sejam lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos do interessado, pressupõe, assim, o recurso a existência de um verdadeiro acto administrativo. Importa, pois, muito sucintamente definir acto administrativo, em que no sentido dado pelo art. 120 do CPA, são as decisões materialmente administrativas da autoridade que visem a produção de efeitos. É do ponto de vista estrutural decisivo para que os actos da administração possam ser objecto de reacção contenciosa, que eles possuam conteúdo decisório: que não se esgotem na emissão de uma declaração de ciência, um juízo, uma opinião, mas exprimam uma resolução que determine o rumo de acontecimentos ou de condutas a adoptar.
Ora os pareceres são habitualmente incluídos pela doutrina no domínio das diligências procedimentais, a que falta autonomia, pelo que apenas com a cumulação de um outro acto jurídico (acto final do procedimento) se produzirá efeitos jurídicos numa esfera externa ao órgão emitente.
Questão diferente coloca-se quanto aos pareceres vinculantes, e aqui tanto a doutrina e a jurisprudência têm se debatido e discordado, pois sucede que não desempenham a tal função de instrutores ou auxiliares do procedimento, antes fixam um sentido para a resolução desse procedimento que o órgão com competência decisória não pode afastar. Desta forma questiona-se, se o parecer vinculante será ainda um parecer ou um acto administrativo, isto porque este último é requisito necessário conforme o art. 55/1 à admissibilidade da impugnação.
Questão diversa é a de saber em que circunstâncias concretas é que cada acto administrativo pode ser efectivamente objecto de impugnação, atendendo às regras processuais da legitimidade1.
Analisando alguma jurisprudência:
O acórdão do STA (1ª secção) de 4/10/19952 vem defender a recorribilidade contenciosa directa de um acto administrativo realizado conforme um parecer vinculativo.. Refere que este tipo de actos, não obstante se incluírem num procedimento, contém em si mesmos uma decisão final relativamente a uma certa pessoa ou comprometem irreversivelmente a decisão a tomar, justificando desta forma a sua impugnabilidade contenciosa directa por parte do lesado. De notar, que não se está aqui perante um parecer emitido por entidade integrada na mesma pessoa colectiva que irá praticar o acto final ou a ela ligada por uma relação de natureza tutelar (mas sim perante uma relação inter-orgânica externa), pelo que o tribunal defende que não poderá proceder o argumento do carácter preparatório ou inter-orgânico, qualificando-o assim, como acto administrativo. Está se antes perante um acto prévio, emitido por uma autoridade da administração central ao abrigo de competências constitucionais e legais próprias, pelo que não vê aqui nenhum motivo para um desvio ao principio geral da recorribilidade contenciosa directa dos actos lesivos destacáveis. Fundamentou a decisão no facto de o parecer ter definido imediatamente a situação da requerente, que se viu impossibilitada de obter junto da Câmara a prentendida licença de loteamento, dado a lei considerar nulos os actos administrativos desconformes com pareceres vinculantes.
O acórdão do STA (1ª secção) de 4/10/19952 vem defender a recorribilidade contenciosa directa de um acto administrativo realizado conforme um parecer vinculativo.. Refere que este tipo de actos, não obstante se incluírem num procedimento, contém em si mesmos uma decisão final relativamente a uma certa pessoa ou comprometem irreversivelmente a decisão a tomar, justificando desta forma a sua impugnabilidade contenciosa directa por parte do lesado. De notar, que não se está aqui perante um parecer emitido por entidade integrada na mesma pessoa colectiva que irá praticar o acto final ou a ela ligada por uma relação de natureza tutelar (mas sim perante uma relação inter-orgânica externa), pelo que o tribunal defende que não poderá proceder o argumento do carácter preparatório ou inter-orgânico, qualificando-o assim, como acto administrativo. Está se antes perante um acto prévio, emitido por uma autoridade da administração central ao abrigo de competências constitucionais e legais próprias, pelo que não vê aqui nenhum motivo para um desvio ao principio geral da recorribilidade contenciosa directa dos actos lesivos destacáveis. Fundamentou a decisão no facto de o parecer ter definido imediatamente a situação da requerente, que se viu impossibilitada de obter junto da Câmara a prentendida licença de loteamento, dado a lei considerar nulos os actos administrativos desconformes com pareceres vinculantes.
Criticas:
- Esta tese falha desde logo, pelo simples facto de o tribunal ao defender que o parecer vinculante define imediatamente a situação jurídica do requerente por uma razão que está associada à especificidade de o parecer recorrido, concretamente, ao facto de ele determinar a prática de um acto negativo, parecendo, nesse caso, notória a antecipação do efeito jurídico. Sucede que este efeito antecipativo é ilusório, tal como demonstram os pareceres que determinam a prática de um acto com efeitos positivos - onde é evidente que o efeito jurídico do parecer original só toca o particular através de decisão conclusiva do procedimento.
O tribunal assume ainda determinante para a qualificação jurídica do parecer o facto de ele produzir ou não, os efeitos que tocam imediatamente a situação jurídica do particular; ora será então o parecer um acto administrativo, pois produz efeitos que se repercutam directamente na esfera jurídica do particular. Contudo parece-me aqui que o tribunal ao tomar esta posição que à primeira vista parece fazer sentido, se esqueceu dos pareceres vinculativos emitidos por um órgão do mesmo sujeito a que pertence o órgão decisor, não conseguindo entender a referência ao carácter externo ou interno da relação entre o órgão emitente e destinatário do parecer (ver 3) será que perante esta situação o tribunal seguiria a mesma posição sustentado que o parecer vinculante define imediatamente a situação jurídica? Ou se iria preocupar com o seu carácter puramente interno?
Diferente foi defendido no acórdão do pleno que indeferiu o recurso hierárquico do parecer vinculante por entender que se trata de um mero acto instrumental ou auxiliar da decisão - "o parecer teve apenas efeitos de um acto procedimental que só se torna decisório através do acto conclusivo do procedimento". O parecer não apresenta algumas características próprias de um acto administrativo, designadamente a produção de efeitos externos.
É contudo fácil de criticar este acórdão, pois a decisão que o tribunal chega assenta na premissa de que o parecer vinculante é um mero auxiliar ou instrumento da decisão conclusiva do procedimento, ora como já visto anteriormente, este ponto de vista é insustentável, já que o sentido do parecer vinculante é o de conformar ou preludiar o exercício do poder decisório.
- Esta tese falha desde logo, pelo simples facto de o tribunal ao defender que o parecer vinculante define imediatamente a situação jurídica do requerente por uma razão que está associada à especificidade de o parecer recorrido, concretamente, ao facto de ele determinar a prática de um acto negativo, parecendo, nesse caso, notória a antecipação do efeito jurídico. Sucede que este efeito antecipativo é ilusório, tal como demonstram os pareceres que determinam a prática de um acto com efeitos positivos - onde é evidente que o efeito jurídico do parecer original só toca o particular através de decisão conclusiva do procedimento.
O tribunal assume ainda determinante para a qualificação jurídica do parecer o facto de ele produzir ou não, os efeitos que tocam imediatamente a situação jurídica do particular; ora será então o parecer um acto administrativo, pois produz efeitos que se repercutam directamente na esfera jurídica do particular. Contudo parece-me aqui que o tribunal ao tomar esta posição que à primeira vista parece fazer sentido, se esqueceu dos pareceres vinculativos emitidos por um órgão do mesmo sujeito a que pertence o órgão decisor, não conseguindo entender a referência ao carácter externo ou interno da relação entre o órgão emitente e destinatário do parecer (ver 3) será que perante esta situação o tribunal seguiria a mesma posição sustentado que o parecer vinculante define imediatamente a situação jurídica? Ou se iria preocupar com o seu carácter puramente interno?
Diferente foi defendido no acórdão do pleno que indeferiu o recurso hierárquico do parecer vinculante por entender que se trata de um mero acto instrumental ou auxiliar da decisão - "o parecer teve apenas efeitos de um acto procedimental que só se torna decisório através do acto conclusivo do procedimento". O parecer não apresenta algumas características próprias de um acto administrativo, designadamente a produção de efeitos externos.
É contudo fácil de criticar este acórdão, pois a decisão que o tribunal chega assenta na premissa de que o parecer vinculante é um mero auxiliar ou instrumento da decisão conclusiva do procedimento, ora como já visto anteriormente, este ponto de vista é insustentável, já que o sentido do parecer vinculante é o de conformar ou preludiar o exercício do poder decisório.
O acórdão do STA (Pleno da 1ª.Secção) de
7/05/963
quanto à questão da recorribilidade do parecer vem decidir (no sentido da jurisprudência tradicional) em sentido negativo com o fundamento de que o acto contenciosamente impugnado, se insere no procedimento administrativo em vista à decisão final da Câmara Municipal acerca do deferimento ou não, do pedido de licenciamento, sendo esta decisão que tem efeitos externos (e define definitivamente a situação jurídica – época em que este requisito ainda era exigido) e que configura um verdadeiro acto administrativo, este sim susceptível de ser impugnado. O parecer teve apenas efeitos de um acto procedimental que só se torna decisório através do acto conclusivo do procedimento. Entende, que o parecer, per si, não idóneo para produzir efeitos imediatamente lesivos, isto porque se limita a apreciar tecnicamente a pretensão da recorrida.
quanto à questão da recorribilidade do parecer vem decidir (no sentido da jurisprudência tradicional) em sentido negativo com o fundamento de que o acto contenciosamente impugnado, se insere no procedimento administrativo em vista à decisão final da Câmara Municipal acerca do deferimento ou não, do pedido de licenciamento, sendo esta decisão que tem efeitos externos (e define definitivamente a situação jurídica – época em que este requisito ainda era exigido) e que configura um verdadeiro acto administrativo, este sim susceptível de ser impugnado. O parecer teve apenas efeitos de um acto procedimental que só se torna decisório através do acto conclusivo do procedimento. Entende, que o parecer, per si, não idóneo para produzir efeitos imediatamente lesivos, isto porque se limita a apreciar tecnicamente a pretensão da recorrida.
No entanto, ocorreu uma inflexão da jurisprudência
mais recente no sentido de admissibilidade, encontram- se os Acórdãos do Pleno
de 16 Janeiro de 2001, Proc. 31317 e de 15 de Novembro de 2001, Proc. 37.811
que classificaram os pareceres vinculativos como verdadeiros actos
administrativos contenciosamente recorríveis. Onde se escreveu: “Este
parecer, de natureza desfavorável à recorrente, foi emitido, não no exercício
de uma função de administração consultiva, mas consubstanciando antes, uma
avaliação traduzida na emissão de um juízo crítico de um órgão que, por opção
legal, tem um sentido determinante sobre o sentido da decisão procedimental, já
que impõe mesmo o sentido desta (…). Assim, tal efeito desfavorável implica
simultaneamente um efeito conformativo e preclusivo. Tal parecer realizou não
apenas uma função definitória ou concretizadora do direito aplicável a uma
relação jurídica que se constituíra entre dois órgãos da administração
pertencentes a pessoas colectivas diferentes, mas também em relação aos
próprios particulares requerentes. Assume, assim, no caso concreto, a natureza
de um acto prejudicial do procedimento, cuja força jurídica é mais intensa do
que a de um mero pressuposto, visto ter influência sobre os termos em que e
exercido o poder decisório final, na medida em que define logo a posição
jurídica dos interessados, ou seja compromete irreversivelmente o sentido da
decisão final.”
Em suma - a Natureza Jurídica:
Começando por afastar argumentos que não permitem uma resposta satisfatória:
1- É irrelevante a existência ou não da possibilidade de o órgão principal recusar a prática do acto, que para além de não esclarecer a natureza dos pareceres, a vinculatividade dos pareceres é um facto, já que o seu conteúdo limita a liberdade do órgão que toma a decisão;
2- O professor Pedro Gonçalves afirma que a tese que sustenta que o parecer é um acto que directa e imediatamente define a situação jurídica do particular, depara-se com o problema, de a defender aquando o parecer respeitar à exigência de um acto com efeitos positivos, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis. A acrescentar que esta tentativa de encontrar a natureza jurídica no modo como os efeitos se repercutem na esfera jurídica, traz o problema destes se destinarem e esgotarem no seio da administração (entre os dois órgãos em questão). Parece não situar o terceiro na posição correcta, que será a de terceiro na relação a que o parecer dá lugar.
Dito isto, pareço contradizer-me com tudo o que disse anteriormente, ora se defendi que o parecer vinculante compromete irreversivelmente o sentido da decisão, então define logo a posição jurídica do interessado, logo a recobilidade do parecer estaria fundada num interesse legítimo do particular em antecipar a tutela judicial contra a administração. Porém esta posição, segundo o professor, parece esquecer que o acto administrativo engloba uma função definitória e concretizadora do direito aplicável a uma relação jurídica, coisa que parece faltar ao parecer.
Também a ideia de "antecipação" não está totalmente correcta, pois embora o parecer comprometa o sentido da decisão, pode ocorrer que do parecer desfavorável não decorra uma lesão inevitável, isto porque embora sejam excepcionais, há ainda situações em que o órgão pode decidir contra o parecer (exemplo quando o considera ilegal), podendo-se refutar este ponto de vista por não haver desde logo uma certeza da produção de um efeito lesivo. Assim, não sendo um acto imediatamente lesivo, seguindo esta concepção o parecer não seria um acto administrativo.
- Visto que, no que respeita ao particular, destinatário do acto conclusivo do procedimento, o parecer não define nem vincula, (se seguirmos a posição do professor Pedro Gonçalves) os efeitos assemelham-se a um mero acto instrumental. Porém o parecer não pode ser equiparado a uma diligência de feição conclusiva, pois o parecer vinculante visa determinar o sentido do acto do órgão principal. Pelo que o professor Pedro Gonçalves entende que se pode caracterizar o parecer vinculante como uma "estatuição autoritária que impõe uma obrigação a um órgão administrativo relativa a um caso concreto, produzida por um órgão administrativo, no uso de poderes de direito administrativo.
Concluindo, portanto, que a qualificação jurídica do parecer acaba por depender da natureza externa ou interna da relação entre o órgão a quem ela se destina:
Se estivermos perante órgão da mesma pessoa colectiva é um acto interno; se os órgãos pertencerem a pessoas colectivas distintas, então o parecer será acto administrativo (visto preencher as outras características), já que produz efeitos no âmbito das relações externas. Tendo natureza de acto administrativo, pode ser impugnado.
A meu ver esta discussão será facilitada, se entendermos que
toda a actuação da administração é potencialmente externa (como o Professor VPS entende), pelo que produzirá sempre efeitos externos, deixando de fazer sentido esta dicotomia entre efeitos externos e internos para concluir pelo impugnabilidade de acto administrativo, imposta pelo art 51/1 do CPTA. O professor Aroso de Almeida também desvaloriza este pressuposto como exigência de impugnabilidade, mas com outros fundamentos. Reconhece que a questão da eficácia externa enquanto requisito da impugnabilidade é indissociável do estatuto de quem impugna, já que, em bom rigor, é um requisito que o acto só tem de preencher para o efeito de poder ser impugnado por quem não se encontre integrado na estrutura da própria entidade que o emite. Na verdade a partir do momento em que se admite que também os actos internos podem ser impugnados apenas lhe faltando o requisito da eficácia externa - necessário para que essa impugnação possa ser deduzida por pessoas externas, aquela no âmbito do qual eles foram emitidos, haverá que reconhecer que o referido requisito não é em absoluto, um requisito de impugnabilidade desses actos, mas apenas da sua impugnabilidade por essas pessoas - e, portanto, que a eficácia externa, embora se reporte à natureza dos efeitos que o acto visa produzir, é um atributo do acto administrativo cuja questão da existência, para efeitos contenciosos, por se situar no plano da relação que em concreto, estabelece entre o acto e os seus destinatários, deve ser colocada com vantagem no plano da identificação em termos da legitimidade;
Quanto o pressuposto "lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos", ele encontra-se fora "do seu lugar" isto porque já parece que estamos aqui perante um problema de legitimidade e não de impugnabilidade.
A melhor solução, parece ser a de que são impugnáveis actos administrativos (e actos administrativos, serão a actuação da administração com conteúdo decisório.) É a posição defendida pelo professor Aroso de Almeida e Vasco Pereira da Silva, onde defendem que do ponto de vista estrutural, é decisivo para que os actos jurídicos concretos da Administração possam ser objecto de reacção contenciosa, quando tenham conteúdo positivo é que eles possuam conteúdo decisório. E isto, mesmo quando intervenham no plano de relações intra-administrativas e inter–orgânicas. Determinante é que se trate de actos administrativos no sentido que decorre do art 120 do CPA. Do ponto de vista estrutural, deve pois, entender-se que todos os actos administrativos podem ser objecto de reacção contenciosa – e portanto, quando tenham conteúdo positivo, todos eles podem ser objecto de impugnação contenciosa, porque são todos eles actos administrativos impugnáveis. Assim sendo, recorrendo à fórmula de que actos de conteúdo decisivo serão actos administrativos, e de que todos os actos administrativos serão impugnáveis, então por tudo o já referido o parecer vinculante tem conteúdo decisório, logo é um acto administrativo, pelo que poderá ser impugnado.
Começando por afastar argumentos que não permitem uma resposta satisfatória:
1- É irrelevante a existência ou não da possibilidade de o órgão principal recusar a prática do acto, que para além de não esclarecer a natureza dos pareceres, a vinculatividade dos pareceres é um facto, já que o seu conteúdo limita a liberdade do órgão que toma a decisão;
2- O professor Pedro Gonçalves afirma que a tese que sustenta que o parecer é um acto que directa e imediatamente define a situação jurídica do particular, depara-se com o problema, de a defender aquando o parecer respeitar à exigência de um acto com efeitos positivos, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis. A acrescentar que esta tentativa de encontrar a natureza jurídica no modo como os efeitos se repercutem na esfera jurídica, traz o problema destes se destinarem e esgotarem no seio da administração (entre os dois órgãos em questão). Parece não situar o terceiro na posição correcta, que será a de terceiro na relação a que o parecer dá lugar.
Dito isto, pareço contradizer-me com tudo o que disse anteriormente, ora se defendi que o parecer vinculante compromete irreversivelmente o sentido da decisão, então define logo a posição jurídica do interessado, logo a recobilidade do parecer estaria fundada num interesse legítimo do particular em antecipar a tutela judicial contra a administração. Porém esta posição, segundo o professor, parece esquecer que o acto administrativo engloba uma função definitória e concretizadora do direito aplicável a uma relação jurídica, coisa que parece faltar ao parecer.
Também a ideia de "antecipação" não está totalmente correcta, pois embora o parecer comprometa o sentido da decisão, pode ocorrer que do parecer desfavorável não decorra uma lesão inevitável, isto porque embora sejam excepcionais, há ainda situações em que o órgão pode decidir contra o parecer (exemplo quando o considera ilegal), podendo-se refutar este ponto de vista por não haver desde logo uma certeza da produção de um efeito lesivo. Assim, não sendo um acto imediatamente lesivo, seguindo esta concepção o parecer não seria um acto administrativo.
- Visto que, no que respeita ao particular, destinatário do acto conclusivo do procedimento, o parecer não define nem vincula, (se seguirmos a posição do professor Pedro Gonçalves) os efeitos assemelham-se a um mero acto instrumental. Porém o parecer não pode ser equiparado a uma diligência de feição conclusiva, pois o parecer vinculante visa determinar o sentido do acto do órgão principal. Pelo que o professor Pedro Gonçalves entende que se pode caracterizar o parecer vinculante como uma "estatuição autoritária que impõe uma obrigação a um órgão administrativo relativa a um caso concreto, produzida por um órgão administrativo, no uso de poderes de direito administrativo.
Concluindo, portanto, que a qualificação jurídica do parecer acaba por depender da natureza externa ou interna da relação entre o órgão a quem ela se destina:
Se estivermos perante órgão da mesma pessoa colectiva é um acto interno; se os órgãos pertencerem a pessoas colectivas distintas, então o parecer será acto administrativo (visto preencher as outras características), já que produz efeitos no âmbito das relações externas. Tendo natureza de acto administrativo, pode ser impugnado.
A meu ver esta discussão será facilitada, se entendermos que
toda a actuação da administração é potencialmente externa (como o Professor VPS entende), pelo que produzirá sempre efeitos externos, deixando de fazer sentido esta dicotomia entre efeitos externos e internos para concluir pelo impugnabilidade de acto administrativo, imposta pelo art 51/1 do CPTA. O professor Aroso de Almeida também desvaloriza este pressuposto como exigência de impugnabilidade, mas com outros fundamentos. Reconhece que a questão da eficácia externa enquanto requisito da impugnabilidade é indissociável do estatuto de quem impugna, já que, em bom rigor, é um requisito que o acto só tem de preencher para o efeito de poder ser impugnado por quem não se encontre integrado na estrutura da própria entidade que o emite. Na verdade a partir do momento em que se admite que também os actos internos podem ser impugnados apenas lhe faltando o requisito da eficácia externa - necessário para que essa impugnação possa ser deduzida por pessoas externas, aquela no âmbito do qual eles foram emitidos, haverá que reconhecer que o referido requisito não é em absoluto, um requisito de impugnabilidade desses actos, mas apenas da sua impugnabilidade por essas pessoas - e, portanto, que a eficácia externa, embora se reporte à natureza dos efeitos que o acto visa produzir, é um atributo do acto administrativo cuja questão da existência, para efeitos contenciosos, por se situar no plano da relação que em concreto, estabelece entre o acto e os seus destinatários, deve ser colocada com vantagem no plano da identificação em termos da legitimidade;
Quanto o pressuposto "lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos", ele encontra-se fora "do seu lugar" isto porque já parece que estamos aqui perante um problema de legitimidade e não de impugnabilidade.
A melhor solução, parece ser a de que são impugnáveis actos administrativos (e actos administrativos, serão a actuação da administração com conteúdo decisório.) É a posição defendida pelo professor Aroso de Almeida e Vasco Pereira da Silva, onde defendem que do ponto de vista estrutural, é decisivo para que os actos jurídicos concretos da Administração possam ser objecto de reacção contenciosa, quando tenham conteúdo positivo é que eles possuam conteúdo decisório. E isto, mesmo quando intervenham no plano de relações intra-administrativas e inter–orgânicas. Determinante é que se trate de actos administrativos no sentido que decorre do art 120 do CPA. Do ponto de vista estrutural, deve pois, entender-se que todos os actos administrativos podem ser objecto de reacção contenciosa – e portanto, quando tenham conteúdo positivo, todos eles podem ser objecto de impugnação contenciosa, porque são todos eles actos administrativos impugnáveis. Assim sendo, recorrendo à fórmula de que actos de conteúdo decisivo serão actos administrativos, e de que todos os actos administrativos serão impugnáveis, então por tudo o já referido o parecer vinculante tem conteúdo decisório, logo é um acto administrativo, pelo que poderá ser impugnado.
Questão diversa a colocar num plano de
análise diferente, é a de saber em que circunstâncias concretas pode
efectivamente cada acto administrativo ser objecto de impugnação – deve se
encontrar resposta na legitimidade.
Quanto à Legitimidade:
Concluído que os pareceres vinculativos
são actos administrativos e por isso objecto de impugnação, resta saber quanto
à legitimidade. E parece, em tese geral, que os particulares, não têm interesse
directo na impugnação de actos que, pela natureza dos efeitos que visam
produzir, não causam uma desvantagem imediata na respectiva esfera jurídica,
podendo se inserir na regra geral da inimpugnabilidade dos actos ineficazes
previsto no art. 54 do CPTA. Como, os efeitos dos pareceres vinculativos se
esgotam no âmbito das relações que se desenvolvem entre o órgão que os emite e
aquele que por eles se encontra vinculado, parece assim, em princípio que,
aplicação do art. 55/1 a) é afastada por inexistência de interesse directo
(admitindo no entanto algumas situações em que tal situação seja admitida a
titulo de defesa judicial antecipada do requerente-Vieira de Andrade). Mas como
os pareces vinculativos decidem em que sentido devem agir os órgãos que por ele
se encontram vinculados, podem ser impugnados pelas entidades a que estes
órgãos pertencem (art 55/1 c)), ou também pelos próprios órgãos que vinculam,
quando estes pertençam à mesma entidade pública a que pertence os órgãos que os
emitiram (art55/1 d)). A previsão do art. 55/1 a) afasta igualmente por
inexistência de interesse directo, a possibilidade da impugnação dos actos de
admissão de candidatos em concursos por parte dos demais candidatos admitidos;
tal como em princípio, a ordem de serviço que imponha a instauração de um
processo disciplinar a um funcionário. Contudo, face ao seu conteúdo decisório,
estes actos poderão ser impugnados pelo Ministério Público, ao ao abrigo do
art. 55/1 b). Já por exemplo a ordem de serviço que imponha a um órgão que
demita um funcionário parece dever poder ser impugnada pelo próprio
funcionário, é a consequência que decorre do fenómeno de concentração da
vontade decisória que, neste caso, decorre da substituição mediata ou volitiva
do órgão superior ao subordinado, cuja conta vontade deixa de assumir
relevância a partir do momento em que existe o comando hierárquico.
O professor Pedro Gonçalves é do mesmo
entendimento do professor Aroso de Almeida e defende que mesmo que se entenda
que o particular tem legitimidade para impugnar o acto administrativo, entende
que não está preenchido um outro pressuposto processual, o “interesse em agir”,
visto que o parecer não só provoca uma lesão actual como não provoca uma lesão
certa, é o que resulta de não estar excluída uma decisão contra o parecer, no
caso de o órgão que a ele fica vinculado o desconsiderar ou considera-lo
ilegal, atitude que poderá originar um acto ilegal mas que produz efeitos
jurídicos – assim como não está excluída a devolução do parecer ao órgão
emitente para reponderação nem a recusa de tomada de uma decisão expressa,
abrindo o caminho para o acto silente que, mesmo ilegal, poderá deferir a
pretensão do particular.
Em sentido contrário, o Professor Vasco Pereira da Silva adopta um
posicionamento fundado no critério da lesividade e refutando peremptoriamente a
impossibilidade de um parecer vinculativo não poder ser impugnado na medida em
que produz efeitos imediatos de carácter lesivo na esfera do interessado, e é
esta lesão efectiva de direitos que deve determinar a necessidade de tutela
jurisdicional. Cumpre referir, que a jurisprudência tem vindo a orientar-se num sentido
mais permissivo, admitindo que o interessado possa recorrer a uma espécie de
tutela antecipada, através da impugnação directa dos pareceres vinculativos
desfavoráveis ao seu interesse. Como exemplo o acórdão de 9 de Fevereiro de
2005 e os acórdãos do pleno de 16 de Janeiro de 2001,(já referidos
anteriormente) marcaram uma inflexão a partir do qual a jurisprudência se
passou a inclinar no sentido de entender que os pareceres obrigatórios e
vinculativos emitidos por órgãos pertencentes a entidades estranhas à entidade
com competência para proferir a decisão final constituem actos prejudiciais do
procedimento, isto é actos com as características inscritas no art. 120 do CPA,
e por isso, actos administrativos contenciosamente recorríveis, já que são
proferidos por órgãos da administração ao abrigo do direito administrativo, têm
a natureza de uma estatuição autoritária relativa a um caso concreto e os seus
efeitos lesivos reflectem-se directa e imediatamente na esfera jurídica do
particular.
Assim concluindo que face ao
enquadramento normativo vigente, tal como acabei de interpretar, parece que
questões que eram resolvidas no passado recorrendo ao conceito de
definitividades dos actos administrativos, devem no entanto se resolver no
plano de legitimidade. Pelo que problemas que são colocados em torno da
impugnabilidade, devem ser colocados a propósito dos problemas de legitimidade
e de interesse processual.
0-embora este último pressuposto, seja
bastante criticado na doutrina, onde se inclui o professor Vasco Pereira da
Silva.
1- (e é neste plano que alguma doutrina
coloca as questões relativas à eficácia externa versus interna, para o efeito
de que apenas os actos externos podem ser impugnados por pessoas externas) em
especial os pareceres vinculantes.
2- O acórdão tem como matéria de facto:
Uma sociedade Imobiliária, recorre contenciosamente do despacho proferido pelo
Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento de Território que
homolgou o parecer desfavorável da Comissão de Coordenação da Região do Algarve
(C.C.R.A) relativo a um processo de loteamento que a recorrente requerera na
respectiva Câmara da localidade. O problema que vem posto para a decisão é o de
saber se é ou não recorrível o despacho governamental que homolgou o parecer da
C.C.R.A
3- O acórdão tem como matéria de facto:
Uma empresa de construção, recorre contenciosamente do despacho do Ministro do
Planeamento e da Administração do Território que negou provimento ao recurso
hierárquico interposto do despacho do Presindente da Comissão de Coordenação da
Região da localidade em questão, que deu parecer desfavorável ao seu pedido de
aprovação de um projecto de construção de um edifício. A questão a resolver
neste recurso é a de saber se o despacho do Ministro do Planeamento e da Administração
do Território, é ou não recorrível contenciosamente.
Bibliografia:
Mário Aroso
de Almeida, “Considerações em torno de conceito de acto administrativo
impugnável”, Estudos em Homenagem ao prof. Marcello Caetano
Vasco Pereira
da Silva, O Contencioso Administrativo
Mário Aroso
de Almeida, Manual de Processo Administrativo
Vieira de
Andrade, A Justiça Administrativa
Pedro
Gonçalves, CJA nº0
Eliana Martins nº 21912
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