sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Impugnabilidade de atos administrativos


Os artigos 50.º a 65.º do CPTA referem-se aos pressupostos processuais específicos de cujo preenchimento depende a dedução em juízo da impugnação dos actos.
A primeira das subsecções da secção I do capítulo II (artigos 51.º a 54.º), refere-se ao acto administrativo impugnável, sendo que o presente trabalho tem como escopo a análise deste primeiro pressuposto: a efetiva existência de um acto administrativo, susceptível de impugnação junto dos tribunais administrativos.
A esta luz, na impugnabilidade de atos administrativos há que proceder a uma distinção entre os vários aspetos a considerar para que se conclua que em determinado caso concreto existe efetivamente um ato administrativo, logo, passível de impugnação. Estes vários aspetos são os requisitos a ter em linha de conta para a análise desta temática.
No entanto, antes de avançar, cabe fazer um enquadramento geral, referente às várias modalidades de impugnação.
A impugnação de um ato administrativo dirige-se ou à sua anulação, ou declaração de nulidade, ou, por último, à declaração de inexistência.
Portanto, cumpre aqui distinguir estas diferentes realidades.
Assim, refira-se que apenas nas situações de invalidade (anulabilidade e nulidade) estamos na presença da impugnação de um acto administrativo. Pelo contrário, a declaração de inexistência refere-se a casos de reconhecimento pelo tribunal, de que apenas existe a aparência de um acto administrativo.
Sabe-se que um acto administrativo apenas existe quando preenche os requisitos de existência. Esses requisitos constam do artigo 120.º CPA. Se um ato não possui as características aí presentes, então ter-se-á de concluir que não estamos perante um ato administrativo, mas perante uma situação de inexistência de ato administrativo (1).
Feito este primeiro esclarecimento, avancemos para os requisitos de impugnabilidade.


1- Requisito do conteúdo decisório do ato

O conceito de acto administrativo consta do artigo 120.º CPA, no qual se faz menção às "decisões dos órgãos da Administração".
Nesta análise do requisito do conteúdo decisório do acto administrativo, do qual depende a sua existência enquanto tal, nos termos do artigo 120.º, cabe fazer referência à matéria dos actos meramente confirmativos. Estes são actos através dos quais a Administração se limita a confirmar situações jurídicas já existentes, introduzidas no ordenamento por actos administrativos anteriores. A regra que aqui vigora é a da inimpugnabilidade de tais actos meramente confirmativos, que o CPTA consagra no artigo 53.º. Como aqui não estamos perante decisões, logo não estamos perante atos administrativos, é esta a regra. No entanto repare-se que fora dos casos enunciados no artigo 53.º a impugnação de atos meramente confirmativos é possível (2)!
O acto administrativo é tradicionalmente definido como um ato jurídico praticado por um órgão pertencente à Administração (cfr. artigo 120.º CPA).
No entanto, tem-se sentido cada vez mais a necessidade de equiparar a atos administrativos outras realidades, outras manifestações de poder, emanadas por órgãos públicos que não pertencem à Administração Pública, ou de entidades privadas, mas que se pronunciaram ao abrigo de normas de Direito Administrativo. Tal equiparação está patente no n.º 2 do artigo 51.º CPTA.
Quanto ao primeiro aspecto, relativo às "decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública", refira-se como exemplos os actos em matéria administrativa de órgãos como o Presidente da República, da Assembleia da República, do Presidente do Tribunal Constitucional, entre outros (cfr. o artigo 24.º do ETAF). Quanto ao segundo aspecto, relativo às decisões de entidades privadas que tenham actuado ao abrigo de normas de Direito Administrativo, o que é determinante para que os tribunais administrativos tenham competência para a impugnação é que o sujeito privado tenha imposto normas de Direito Administrativo, ou seja, normas que atribuam prerrogativas ou imponham deveres. Pense-se, por exemplo, em actos praticados por sujeitos privados em procedimentos pré-contratuais, no âmbito da contratação pública (regime do CCP).
Por seu turno, o n.º 1 do artigo 51.º refere-se a "actos administrativos com eficácia externa". Pensar-se-ia então, sem mais, que para que pudesse haver impugnação seria necessário que os actos projectassem os seus efeitos para lá da entidade que o realizou. Ficariam assim de fora dos actos que podem ser impugnados por via contenciosa, todos aqueles actos que apenas têm um âmbito de aplicação interna, apenas com um alcance intra-administrativo, esgotando os seus efeitos na entidade que os emite.
Porém, não é assim que se processam as coisas. Basta atentar, por exemplo, na alínea d) do n.º 1 do artigo 55.º CPTA. Verifica-se assim que no ordenamento actual, é possível a impugnação de actos sem eficácia externa.
Um outro aspecto a realçar é o de que hoje em dia está afastada a concepção da essencialidade da definitividade horizontal de um acto para que possa ser impugnado.
Como resulta do n.º 1 do artigo 51.º, há a possibilidade de o acto a impugnar estar ainda inserido num procedimento administrativo. Portanto, está aqui patente a admissibilidade de um pedido de impugnação de um acto ainda não horizontalmente definitivo.
No mesmo sentido aponta o  n.º 3 do mesmo artigo.
Assim, há que concluir pela desnecessidade da eficácia externa e da definitividade horizontal de um acto administrativo para que possa ser impugnado (3).


2- Requisito do conteúdo positivo do acto

Neste ponto cumpre fazer a seguinte referência: apenas os actos administrativos de conteúdo positivo podem ser objecto de processo de impugnação, na medida em que se pretende a sua anulação ou declaração de nulidade. Por outro lado, a reação contenciosa contra os actos de conteúdo negativo passa pela dedução de um pedido de condenação à prática do acto administrativo devido pela Administração. Aqui não há efectivamente uma impugnação do acto. Aqui o regime é o do artigos 66.º e seguintes do CPTA.
Mas olhemos para o n.º 4 do artigo 51.º, do qual resulta que quando o autor faça um pedido de anulação de um acto administrativo de conteúdo negativo, o tribunal deverá convidar o autor a substituir a petição devido à inadequação do pedido, substituíndo o primeiro pedido pelo de condenação da Administração à pratica do acto.
Ainda no n.º 4 é de evidenciar um outro aspecto relevante. O preceito tem apenas em vista os casos em que se deduziu inicialmente um pedido de anulação do acto negativo (de indeferimento), apenas e só. É isto que significa a referência a "estrita anulação" no n.º 4 do artigo 51.º. Se o autor pelo contrário, tiver deduzido cumulativamente com o pedido de anulação um pedido de condenação à pratica do acto, aí já não haverá esta necessidade de substituição da petição (4).


3- Requisito da eficácia do acto

Em princípio um acto administrativo apenas pode ser impugnado quando estão reunidas as condições de que depende a sua capacidade para produzir efeitos (por exemplo, se está sujeito a publicação, esse acto tem de estar publicado para que possa ser impugnado).
Se o acto for nulo, não produz efeitos (n.º 1 do artigo 134.º CPA). Mas ainda assim, neste caso, tal acto é susceptível de impugnação contenciosa, uma vez que se pretende efectivamente uma declaração de nulidade. Ou seja, não é o critério da eficácia do acto que prepondera aqui. É sim a circunstância de, nos casos em que a produção de efeitos do acto está dependente do preenchimento de condições legais ou de condição ou termo, o acto não poder ser impugnado enquanto não estiverem preenchidas tais condições.
A nossa lei não consagra esta regra em termos absolutos, mas admite, no artigo 54.º CPTA, a constituição de situações em que se justifica admitir a faculdade da imediata impugnação de actos ineficazes.
A regra apontada bem como as excepções constantes do atigo 54.º têm subjacente a ideia de que um acto que seja ineficaz não introduz qualquer tipo de modificação na ordem jurídica, não sendo necessária, portanto, qualquer tipo de ação contenciosa. Há aqui subjacente a todo este pensamento a consideração do interesse processual em agir.


4- Requisito (eventual) da prévia utilização de impugnação administrativa necessária

Neste ponto debate-se a necessidade de esgotamento prévio das garantias administrativas ao dispor dos administrados, como requisito para uma posterior impugnação por via contenciosa. Falamos aqui então das impugnações administrativas necessárias.
O CPTA não exige que um acto administrativo tenha sido objecto de uma prévia impugnação administrativa para que se possa lançar mão da impugnação contenciosa. Disposições como o artigo 51.º e os nº 4 e 5 do artigo 59.º, evidenciam que não existe uma regra de prévia impugnação administrativa.
No entanto, existem leis avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias. Estas deverão ter-se por legalmente impostas quando a lei diga de modo inequívoco que do acto em causa cabe tal impugnação (5). 
Mas na ausência de determinação legal nesse sentido a regra é a de que os actos administrativos com eficácia externa podem ser imediatamente impugnados pela via contenciosa, sem necessidade de uma prévia utilização das garantias graciosas.
A regra aqui exposta assenta no facto de o nosso legislador entender que não é necessária, para ter acesso à via contenciosa, uma demonstração por parte do autor de que tentou junto da Administração reverter a situação e impugnar o acto.



(1) Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 4ª reimpressão da edição de 2010, Almedina, 2014, p. 77.
(2) Cfr. autor cit., ob. cit., p. 272.
(3) Cfr. autor cit., ob. cit., pp. 270 e ss.
(4) Cfr. autor cit., ob. cit., p. 286.
(5) Cfr. autor cit., ob. cit., p. 304.



Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de - Manual de Processo Administrativo, 4ª reimpressão da ed. de 2010, Almedina, 2014.

AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª ed., Almedina, 2012.

SILVA, Vasco Pereira da - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise- Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, 2ª ed., Almedina, 2009.



Tiago Baptista, subturma 4
aluno n.º 22176

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