A administração Pública está vinculada à prossecução
do interesse público, mas não pode fazê-lo de forma arbitrária, ela está
vinculada à lei nos termos do princípio da legalidade. Este princípio está
consagrado constitucionalmente no art.266º nº2 e comporta uma vertente
negativa, a proibição de a AP lesar os direitos e interesses legítimos dos
particulares, salvo com base na lei, e uma vertente positiva, segundo a qual os
órgãos e agentes da AP podem agir no exercício das suas funções com fundamento
na lei e dentro dos limites por ela impostos. O princípio da legalidade visa,
antes de tudo, proteger o interesse público, sendo que a lei é o limite e o
fundamento da actuação administrativa.
Assim, não se pode dizer que a AP
disponha de um poder livre, a regra geral não é o princípio da liberdade mas
sim o princípio da competência. Segundo o primeiro a AP poderia fazer tudo o
que a lei não proibisse, já o segundo obriga a que a AP possa apenas fazer
aquilo que a lei permita.
No entanto, a lei não regula sempre
da mesma forma os actos a praticar pela AP, umas vezes pormenoriza a forma de
exercer tais actos e outras vezes deixa uma grande margem de liberdade de
decisão aos órgãos administrativos. Assim se distinguem os poderes vinculados dos
poderes discricionários. Nos poderes vinculados a lei regula todos os aspectos
da acção administrativa, a AP desempenha tarefas puramente mecânicas e o
resultado a que chega é o único resultado legalmente possível, ou seja, não há
qualquer margem de decisão. Já nos poderes discricionários a lei deixa uma
grande margem de liberdade de decisão à AP, sendo ela quem decide segundo os
critérios que em cada caso entender mais adequados à prossecução do interesse
público. Nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS a
discricionariedade “consiste numa liberdade conferida por lei à administração
para que esta escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente
admissíveis”. No entanto, nunca encontramos casos de pura discricionariedade ou
de pura vinculação, visto que a lei em nenhum caso cobre todas as
circunstâncias em que a administração pode actuar, nem o inverso se verifica,
ou seja, a lei nunca atribui um cheque em branco à administração ficando esta
com total margem de liberdade de actuação.
O controlo por parte dos tribunais
administrativos varia consoante a administração tenha praticado actos
vinculados ou actos discricionários. No primeiro caso os tribunais actuam no
âmbito do controlo da legalidade, verificando se a lei foi respeitada ou violada.
Já quanto aos actos discricionários o juiz efectua um juízo de mérito, no qual
ele verifica se o acto é conveniente ou injusto e se prossegue de forma
adequada o interesse público. Como foi dito o acto administrativo nunca é
totalmente vinculado ou discricionário, pelo que o seu controlo passa sempre
por um juízo de legalidade e de mérito.
Versando sobre a acção que me
compete, a acção de condenação à prática de acto devido, regulada pelos arts.
66º e ss. do CPTA, esta é uma acção administrativa especial na qual um
particular pode fazer dois tipos de pedidos: pode simplesmente requerer a
condenação à pratica de um acto devido que foi omitido (nº1 do art. 66º) ou
pode pedir a substituição de um acto que lhe é desfavorável por um acto que lhe
seja favorável (a condenação ao acto devido produz automaticamente a eliminação
do acto ilegal, segundo o nº2 do mesmo artigo). Este tipo de acção é uma
manifestação da evolução do Contencioso Administrativo que supera os seus “traumas
de infância”, como diz o professor VASCO PEREIRA DA SILVA, passando de um
antigo modelo de contencioso de mera anulação para um contencioso de plena
jurisdição. É claro que a forma mais eficaz de reagir contra comportamentos
administrativos contrários à lei, principalmente quando estes comportam uma
omissão, é não a anulação mas sim a condenação à prática de um acto legalmente
devido, pois só desta forma são acautelados de forma positiva os direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares.
O objecto do processo não é o acto
administrativo produzido pela administração mas sim o direito do particular, que
se traduz na vinculação legal da AP de agir. E esta vinculação não tem apenas
lugar nos actos vinculados, mas também nos actos discricionários pois a discricionariedade
não é um poder à margem da lei isento de controlo jurisdicional. Os tribunais
administrativos podem e devem apreciar os aspectos da discricionariedade que
sofrem de uma certa vinculação, como os aspectos da competência, do fim ou dos princípios
gerais da actividade administrativa, entre os quais têm verdadeira influência os
princípios da proporcionalidade, da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé.
Mas a condenação ao acto devido
varia significativamente consoante nos encontramos perante poderes vinculados
ou discricionários. Se estivermos perante poderes vinculados a sentença de
condenação comina a administração à prática de um determinado acto
administrativo com um conteúdo determinado na própria sentença, ou seja, a
administração não tem qualquer margem de decisão quanto à prática desse acto,
tudo isto nos termos do art.71º nº1. Já nas sentenças de condenação à prática
de actos administrativos em que a administração tem uma certa
discricionariedade o juiz não pode substituir-se à AP na definição do conteúdo
desse acto, sob pena de violação do princípio da separação de poderes. O que
ele pode fazer é estabelecer certos limites e fornecer orientações de modo a
conduzir a administração a produzir o acto de forma correcta. A sentença define
qual é o âmbito e o alcance das vinculações legais sob as quais a administração
pode exercer o seu poder de escolha, é este o verdadeiro significado do art.71º
nº2.
Desta forma podemos verificar que a
sentença de condenação à prática de acto devido pode ter dois diferentes
conteúdos: pode, no âmbito dos poderes vinculados, conter um caracter
condenatório estrito; ou pode, por outro lado, ter um caracter declarativo ou
de simples apreciação quanto aos poderes discricionários. Estas duas vertentes
têm que ser pautadas, por um lado, pelo respeito pelo princípio da separação de
poderes, não podendo os tribunais substituir-se às escolhas que são da
responsabilidade da Administração e, por outro lado, pelo respeito pelo
princípio da tutela judicial plena e efectiva, não podendo haver sentenças de
mera enumeração técnica de vinculações legais. O tribunal deve apreciar essas
vinculações naquela situação concreta e explicitar como os limites legais se
devem aplicar aos condicionalismos fácticos dessa mesma situação, indicando por
último qual considera ser uma decisão respeitadora do princípio da legalidade.
Em conclusão, este tipo de acção é
um tipo de sentença que exprime a evolução do Contencioso Administrativo
combinando efeitos condenatórios e impugnatórios com efeitos de apreciação conformadora
e preventiva da actuação administrativa para uma melhor defesa do interesse
público.
Manuel Minas nº22784
Bibliografia:
-
MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO MATOS, 2Direito Administrativo Geral -
Introdução e Princípios Fundamentais”, tomo I, 3º edição, D.Quixote, Lisboa,
2008
-DIOGO
FREITAS DO AMARAL, "Curso de Direito Administrativo", Vol. II,
Almedina
-VASCO
PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise”, 2ª
edição Almedina, Coimbra, 2009
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