terça-feira, 28 de outubro de 2014

Discricionariedade na Acção de Condenação





                A administração Pública está vinculada à prossecução do interesse público, mas não pode fazê-lo de forma arbitrária, ela está vinculada à lei nos termos do princípio da legalidade. Este princípio está consagrado constitucionalmente no art.266º nº2 e comporta uma vertente negativa, a proibição de a AP lesar os direitos e interesses legítimos dos particulares, salvo com base na lei, e uma vertente positiva, segundo a qual os órgãos e agentes da AP podem agir no exercício das suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos. O princípio da legalidade visa, antes de tudo, proteger o interesse público, sendo que a lei é o limite e o fundamento da actuação administrativa.
            Assim, não se pode dizer que a AP disponha de um poder livre, a regra geral não é o princípio da liberdade mas sim o princípio da competência. Segundo o primeiro a AP poderia fazer tudo o que a lei não proibisse, já o segundo obriga a que a AP possa apenas fazer aquilo que a lei permita.
            No entanto, a lei não regula sempre da mesma forma os actos a praticar pela AP, umas vezes pormenoriza a forma de exercer tais actos e outras vezes deixa uma grande margem de liberdade de decisão aos órgãos administrativos. Assim se distinguem os poderes vinculados dos poderes discricionários. Nos poderes vinculados a lei regula todos os aspectos da acção administrativa, a AP desempenha tarefas puramente mecânicas e o resultado a que chega é o único resultado legalmente possível, ou seja, não há qualquer margem de decisão. Já nos poderes discricionários a lei deixa uma grande margem de liberdade de decisão à AP, sendo ela quem decide segundo os critérios que em cada caso entender mais adequados à prossecução do interesse público. Nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS a discricionariedade “consiste numa liberdade conferida por lei à administração para que esta escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis”. No entanto, nunca encontramos casos de pura discricionariedade ou de pura vinculação, visto que a lei em nenhum caso cobre todas as circunstâncias em que a administração pode actuar, nem o inverso se verifica, ou seja, a lei nunca atribui um cheque em branco à administração ficando esta com total margem de liberdade de actuação.
            O controlo por parte dos tribunais administrativos varia consoante a administração tenha praticado actos vinculados ou actos discricionários. No primeiro caso os tribunais actuam no âmbito do controlo da legalidade, verificando se a lei foi respeitada ou violada. Já quanto aos actos discricionários o juiz efectua um juízo de mérito, no qual ele verifica se o acto é conveniente ou injusto e se prossegue de forma adequada o interesse público. Como foi dito o acto administrativo nunca é totalmente vinculado ou discricionário, pelo que o seu controlo passa sempre por um juízo de legalidade e de mérito.
            Versando sobre a acção que me compete, a acção de condenação à prática de acto devido, regulada pelos arts. 66º e ss. do CPTA, esta é uma acção administrativa especial na qual um particular pode fazer dois tipos de pedidos: pode simplesmente requerer a condenação à pratica de um acto devido que foi omitido (nº1 do art. 66º) ou pode pedir a substituição de um acto que lhe é desfavorável por um acto que lhe seja favorável (a condenação ao acto devido produz automaticamente a eliminação do acto ilegal, segundo o nº2 do mesmo artigo). Este tipo de acção é uma manifestação da evolução do Contencioso Administrativo que supera os seus “traumas de infância”, como diz o professor VASCO PEREIRA DA SILVA, passando de um antigo modelo de contencioso de mera anulação para um contencioso de plena jurisdição. É claro que a forma mais eficaz de reagir contra comportamentos administrativos contrários à lei, principalmente quando estes comportam uma omissão, é não a anulação mas sim a condenação à prática de um acto legalmente devido, pois só desta forma são acautelados de forma positiva os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
            O objecto do processo não é o acto administrativo produzido pela administração mas sim o direito do particular, que se traduz na vinculação legal da AP de agir. E esta vinculação não tem apenas lugar nos actos vinculados, mas também nos actos discricionários pois a discricionariedade não é um poder à margem da lei isento de controlo jurisdicional. Os tribunais administrativos podem e devem apreciar os aspectos da discricionariedade que sofrem de uma certa vinculação, como os aspectos da competência, do fim ou dos princípios gerais da actividade administrativa, entre os quais têm verdadeira influência os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé.
            Mas a condenação ao acto devido varia significativamente consoante nos encontramos perante poderes vinculados ou discricionários. Se estivermos perante poderes vinculados a sentença de condenação comina a administração à prática de um determinado acto administrativo com um conteúdo determinado na própria sentença, ou seja, a administração não tem qualquer margem de decisão quanto à prática desse acto, tudo isto nos termos do art.71º nº1. Já nas sentenças de condenação à prática de actos administrativos em que a administração tem uma certa discricionariedade o juiz não pode substituir-se à AP na definição do conteúdo desse acto, sob pena de violação do princípio da separação de poderes. O que ele pode fazer é estabelecer certos limites e fornecer orientações de modo a conduzir a administração a produzir o acto de forma correcta. A sentença define qual é o âmbito e o alcance das vinculações legais sob as quais a administração pode exercer o seu poder de escolha, é este o verdadeiro significado do art.71º nº2.
            Desta forma podemos verificar que a sentença de condenação à prática de acto devido pode ter dois diferentes conteúdos: pode, no âmbito dos poderes vinculados, conter um caracter condenatório estrito; ou pode, por outro lado, ter um caracter declarativo ou de simples apreciação quanto aos poderes discricionários. Estas duas vertentes têm que ser pautadas, por um lado, pelo respeito pelo princípio da separação de poderes, não podendo os tribunais substituir-se às escolhas que são da responsabilidade da Administração e, por outro lado, pelo respeito pelo princípio da tutela judicial plena e efectiva, não podendo haver sentenças de mera enumeração técnica de vinculações legais. O tribunal deve apreciar essas vinculações naquela situação concreta e explicitar como os limites legais se devem aplicar aos condicionalismos fácticos dessa mesma situação, indicando por último qual considera ser uma decisão respeitadora do princípio da legalidade.
            Em conclusão, este tipo de acção é um tipo de sentença que exprime a evolução do Contencioso Administrativo combinando efeitos condenatórios e impugnatórios com efeitos de apreciação conformadora e preventiva da actuação administrativa para uma melhor defesa do interesse público.

Manuel Minas nº22784

Bibliografia:
- MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO MATOS, 2Direito Administrativo Geral - Introdução e Princípios Fundamentais”, tomo I, 3º edição, D.Quixote, Lisboa, 2008
-DIOGO FREITAS DO AMARAL, "Curso de Direito Administrativo", Vol. II, Almedina
-VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise”, 2ª edição Almedina, Coimbra, 2009

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