quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Acção comum e Acção especial

Acção Administrativa Comum e Acção Administrativa Especial


O artigo 268º/4 da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva que, de acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, corresponde à “pedra angular” do Processo Administrativo[1]. O que está aqui em causa é a garantia de acesso à justiça, através da possibilidade de reagir processualmente contra a Administração, se estiverem reunidos os pressupostos necessários para o efeito. Também o artigo 2º do CPTA, concretizado pelo artigo 7º, afirma esta possibilidade de recorrer aos tribunais administrativos de modo a assegurar os direitos em causa. 
            Apesar de existirem diversos meios processuais destinados a esta tutela, a dicotomia que cumpre destacar, no âmbito deste trabalho, é a relativa aos procedimentos principais.
            Os procedimentos principais dividem-se em duas categorias: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial.
            Partindo do artigo 37º do CPTA pode concluir-se que a acção administrativa comum tem carácter residual, sendo a delimitação do seu âmbito feita negativamente, uma vez que abrange todos os litígios que não se reconduzam à acção administrativa especial. O artigo 37º/2 do CPTA avança mesmo uma enumeração exemplificativa dos principais tipos de pretensões que se submetem à acção comum[2].
            Por sua vez, nos termos do artigo 46º do CPTA, estão sujeitas à acção administrativa especial as pretensões decorrentes da prática ou omissão de actos administrativos ou, dito de outra forma, os litígios administrativos referentes a actos e regulamentos administrativos.
            De acordo com o Professor Vieira de Andrade, tendo por base o artigo 46º/2, as pretensões neste âmbito referem-se à impugnação de actos administrativos, à condenação à prática do acto devido e às acções relativas a normas.
            Segundo o Professor Aroso de Almeida[3], o que está em causa é uma delimitação entre dois blocos de matérias: no bloco relativo à acção administrativa comum encontram-se questões que não se reportam ao exercício de poderes de autoridade, bastando-se apenas com a emissão ou omissão de actos administrativos e normas regulamentares. Por sua vez, no que concerne à acção administrativa especial, o que está em causa são pretensões dirigidas contra actos de autoridade das entidades públicas ou de actos de particulares quando àqueles equiparados.
            O Professor Luís Sousa Fábrica, por sua vez, afirma que o critério de distinção assenta precisamente na figura do acto administrativo[4]. Os litígios relativos a matérias que a Administração regulou ou deveria regular por acto administrativo seguem a forma de acção especial, sendo que todos os outros seguem a forma de acção comum.
            A esta dualidade de meios processuais corresponde uma dualidade de tramitações. Efectivamente, quanto à acção administrativa comum verifica-se uma remissão para as regras do Código de Processo Civil (artigo 35º/1 e 42º do CPTA), por oposição à acção administrativa especial que tem regras específicas ao nível do CPTA, só sendo subsidiariamente aplicável a lei de processo civil (35º/2 do CPTA).
            De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, estamos perante uma “troca de identidades” entre estes dois meios processuais. São vários os motivos que levam o Professor a entender que esta distinção não faz sentido.
            Em primeiro lugar, refere que esta dualidade tem essencialmente por base a contraposição histórica entre contencioso de mera anulação e contencioso de plena jurisdição. Ora, actualmente, o juiz tanto pode anular actos da administração como condená-la. Neste âmbito, sendo o contencioso administrativo, todo ele, de plena jurisdição deixa de fazer sentido a dicotomia em análise.
            O Professor entende ainda não fazer sentido encarar-se o Processo Administrativo como um conjunto de excepções ao Processo Civil. É isso que parece indiciar o facto de apenas ter sido levado a cabo a regulação da acção administrativa especial, remetendo a acção administrativa comum para as regras de processo civil.
            Outro ponto de grande relevância é a questão da cumulação de pedidos: de acordo com o artigo 5º do CPTA, havendo cumulação de pedidos a que correspondam diferentes formas de processo, adopta-se a tramitação administrativa especial, numa clara predominância deste tipo de acção.
            Por fim, o Professor Vasco Pereira da Silva refere a dificuldade terminológica que, embora não sendo decisiva, constitui mais um argumento. Esta dificuldade reside na existência de modalidades especiais de acções (ou sub-acções) dentro da acção administrativa especial, o que culminaria na existência de uma acção “especialíssima”[5]
Outra questão que me parece pertinente referir diz respeito à diferença entre acção administrativa comum de condenação (37º/2 b), que o Professor Vieira da Silva enquadra no âmbito das acções impositivas e acções inibitórias e acção administrativa especial de condenação da Administração à prática do acto devido (46º/2 b).
            De acordo com o Professor Aroso de Almeida, o que está aqui em causa é o seguinte: no primeiro caso – referente à acção administrativa comum – o acto administrativo já foi praticado e o direito já foi, portanto, constituído. O acto administrativo já foi praticado, mas a Administração incumpriu a prestação a que se encontrava obrigada em consequência desse acto. A pretensão do particular incide precisamente na condenação da Administração ao cumprimento da prestação devida[6], sendo que a recusa da Administração não se corporiza num acto administrativo de indeferimento.
            Por sua vez, na acção administrativa especial está sempre em causa a prática de um acto administrativo ou a omissão do mesmo.
            Apesar de ser possível esta distinção em termos teóricos, a verdade é que na prática a questão torna-se mais difícil. Esta é também uma das situações que tem sido apontada para colocar em causa a dicotomia de meios processuais.
            Deste modo, parece que a acção administrativa especial é que corresponde à acção “comum”. Efectivamente, a grande maioria das acções e aquelas a que é atribuída maior relevância são as que se inserem no âmbito do procedimento especial. Para além disso, no referido caso da cumulação, é patente uma prevalência da acção administrativa especial sobre a comum.
            Esta distinção revela-se, portanto, anacrónica e inadequada no âmbito do quadro actual do contencioso administrativo em Portugal, razão pela qual na reforma do contencioso administrativo se pretende unificar a forma de processo. Considera-se mesmo que, ao nível da praticabilidade do sistema será mais eficaz enquadrar todos os processos não urgentes do contencioso administrativo num único modelo de tramitação, que corresponda, essencialmente, ao da anterior acção administrativa especial[7]. Pretende-se simplesmente a existência de uma Acção Administrativa, eliminando a dicotomia comum/especial. De salientar que esta decisão não está isenta de problemas a que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais faz referência[8].



Madalena Luís
Nº 22111
Subturma 4
           













[1] Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009, p.241
[2] De salientar que existem várias classificações doutrinárias para as pretensões que podem ser levadas a cabo no âmbito da acção administrativa especial. O Professor Vieira de Andrade, por exemplo, atribui-lhes nove categorias: acções de reconhecimento, acções impositivas e inibitórias, acções de restabelecimento, acções de prestação, acções de reposição, acções contra particulares, acções inter-administrativas, acções relativas a contratos e acções de responsabilidade civil. Andrade, Vieira de, A Justiça Administrativa, 13ª edição, Coimbra, Almedina, 2014, p.167 e ss.
[3] Almeida, Mário Aroso De, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012
[4] Sousa Fábrica, Luís, A contraposição entre acção comum e acção especial no Código de Processo dos Tribunais Administrativos in: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Coimbra editora, 2010, p. 632
[5] Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo (...), p. 249
[6] Seja ao nível da entrega de uma coisa, de uma quantia ou de uma prestação de facto.
[7] Projecto de Revisão do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, documento disponível em http://www.cstaf.pt/Pareceres/CSTAF.Parecer.Revis%C3%A3o%20ETAF_CPTA.pdf,p.11
[8] Dificuldades de concretização referidas pelo CSTAF:
i) Corresponder às especificidades do contencioso administrativo, que estão na base da existência de um Código próprio, procurando dar resposta a problemas que não se colocam no Processo Civil;
ii) Reflectir no CPTA as implicações da recente reforma do CPC, Projecto de Revisão (...) p.12


Bibliografia:

Almeida, Mário Aroso De, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012

Andrade, Vieira de, A Justiça Administrativa, 13ª edição, Coimbra, Almedina, 2014

 Pereira da Silva, VascoO Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009

Sousa Fábrica, LuísA contraposição entre acção comum e acção especial no Código de Processo dos Tribunais Administrativos in: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Coimbra editora, 2010

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