Acção
Administrativa Comum e Acção Administrativa Especial
O
artigo 268º/4 da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da
tutela jurisdicional efectiva que, de acordo com o Professor Vasco Pereira da
Silva, corresponde à “pedra angular” do Processo Administrativo[1].
O que está aqui em causa é a garantia de acesso à justiça, através da
possibilidade de reagir processualmente contra a Administração, se estiverem
reunidos os pressupostos necessários para o efeito. Também o artigo 2º do CPTA,
concretizado pelo artigo 7º, afirma esta possibilidade de recorrer aos
tribunais administrativos de modo a assegurar os direitos em causa.
Apesar de existirem diversos meios
processuais destinados a esta tutela, a dicotomia que cumpre destacar, no
âmbito deste trabalho, é a relativa aos procedimentos principais.
Os procedimentos principais
dividem-se em duas categorias: a acção administrativa comum e a acção administrativa
especial.
Partindo do artigo 37º do CPTA pode
concluir-se que a acção administrativa comum tem carácter residual, sendo a
delimitação do seu âmbito feita negativamente, uma vez que abrange todos os
litígios que não se reconduzam à acção administrativa especial. O artigo 37º/2
do CPTA avança mesmo uma enumeração exemplificativa dos principais tipos de
pretensões que se submetem à acção comum[2].
Por sua vez, nos termos do artigo
46º do CPTA, estão sujeitas à acção administrativa especial as pretensões
decorrentes da prática ou omissão de actos administrativos ou, dito de outra
forma, os litígios administrativos referentes a actos e regulamentos
administrativos.
De acordo com o Professor Vieira de
Andrade, tendo por base o artigo 46º/2, as pretensões neste âmbito referem-se à
impugnação de actos administrativos, à condenação à prática do acto devido e às
acções relativas a normas.
Segundo o Professor Aroso de Almeida[3],
o que está em causa é uma delimitação entre dois blocos de matérias: no bloco relativo
à acção administrativa comum encontram-se questões que não se reportam ao
exercício de poderes de autoridade, bastando-se apenas com a emissão ou omissão
de actos administrativos e normas regulamentares. Por sua vez, no que concerne
à acção administrativa especial, o que está em causa são pretensões dirigidas
contra actos de autoridade das entidades públicas ou de actos de particulares
quando àqueles equiparados.
O Professor Luís Sousa Fábrica, por sua vez,
afirma que o critério de distinção assenta precisamente na figura do acto
administrativo[4]. Os
litígios relativos a matérias que a Administração regulou ou deveria regular
por acto administrativo seguem a forma de acção especial, sendo que todos os
outros seguem a forma de acção comum.
A esta dualidade de meios
processuais corresponde uma dualidade de tramitações. Efectivamente, quanto à
acção administrativa comum verifica-se uma remissão para as regras do Código de
Processo Civil (artigo 35º/1 e 42º do CPTA), por oposição à acção
administrativa especial que tem regras específicas ao nível do CPTA, só sendo
subsidiariamente aplicável a lei de processo civil (35º/2 do CPTA).
De acordo com o Professor Vasco
Pereira da Silva, estamos perante uma “troca de identidades” entre estes dois
meios processuais. São vários os motivos que levam o Professor a entender que
esta distinção não faz sentido.
Em primeiro lugar, refere que esta
dualidade tem essencialmente por base a contraposição histórica entre
contencioso de mera anulação e contencioso de plena jurisdição. Ora,
actualmente, o juiz tanto pode anular actos da administração como condená-la.
Neste âmbito, sendo o contencioso administrativo, todo ele, de plena jurisdição
deixa de fazer sentido a dicotomia em análise.
O Professor entende ainda não fazer
sentido encarar-se o Processo Administrativo como um conjunto de excepções ao
Processo Civil. É isso que parece indiciar o facto de apenas ter sido levado a
cabo a regulação da acção administrativa especial, remetendo a acção
administrativa comum para as regras de processo civil.
Outro ponto de grande relevância é a
questão da cumulação de pedidos: de acordo com o artigo 5º do CPTA, havendo
cumulação de pedidos a que correspondam diferentes formas de processo,
adopta-se a tramitação administrativa especial, numa clara predominância deste
tipo de acção.
Por fim, o Professor Vasco Pereira
da Silva refere a dificuldade terminológica que, embora não sendo decisiva,
constitui mais um argumento. Esta dificuldade reside na existência de
modalidades especiais de acções (ou sub-acções) dentro da acção administrativa
especial, o que culminaria na existência de uma acção “especialíssima”[5]
Outra
questão que me parece pertinente referir diz respeito à diferença entre acção
administrativa comum de condenação (37º/2 b), que o Professor Vieira da Silva
enquadra no âmbito das acções impositivas e acções inibitórias e acção
administrativa especial de condenação da Administração à prática do acto devido
(46º/2 b).
De acordo com o Professor Aroso de
Almeida, o que está aqui em causa é o seguinte: no primeiro caso – referente à
acção administrativa comum – o acto administrativo já foi praticado e o direito
já foi, portanto, constituído. O acto administrativo já foi praticado, mas a
Administração incumpriu a prestação a que se encontrava obrigada em
consequência desse acto. A pretensão do particular incide precisamente na
condenação da Administração ao cumprimento da prestação devida[6],
sendo que a recusa da Administração não se corporiza num acto administrativo de
indeferimento.
Por sua vez, na acção administrativa
especial está sempre em causa a prática de um acto administrativo ou a omissão
do mesmo.
Apesar de ser possível esta
distinção em termos teóricos, a verdade é que na prática a questão torna-se
mais difícil. Esta é também uma das situações que tem sido apontada para
colocar em causa a dicotomia de meios processuais.
Deste modo, parece que a acção
administrativa especial é que corresponde à acção “comum”. Efectivamente, a
grande maioria das acções e aquelas a que é atribuída maior relevância são as
que se inserem no âmbito do procedimento especial. Para além disso, no referido
caso da cumulação, é patente uma prevalência da acção administrativa especial
sobre a comum.
Esta distinção revela-se, portanto,
anacrónica e inadequada no âmbito do quadro actual do contencioso
administrativo em Portugal, razão pela qual na reforma do contencioso
administrativo se pretende unificar a forma de processo. Considera-se mesmo
que, ao nível da praticabilidade do sistema será mais eficaz enquadrar todos os
processos não urgentes do contencioso administrativo num único modelo de
tramitação, que corresponda, essencialmente, ao da anterior acção
administrativa especial[7].
Pretende-se simplesmente a existência de uma Acção Administrativa, eliminando a
dicotomia comum/especial. De salientar que esta decisão não está isenta de
problemas a que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais faz
referência[8].
Madalena Luís
Nº 22111
Subturma 4
[1] Pereira da Silva, Vasco,
O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009, p.241
[2] De salientar que existem várias
classificações doutrinárias para as pretensões que podem ser levadas a cabo no
âmbito da acção administrativa especial. O Professor Vieira de Andrade, por
exemplo, atribui-lhes nove categorias: acções de reconhecimento, acções
impositivas e inibitórias, acções de restabelecimento, acções de prestação,
acções de reposição, acções contra particulares, acções inter-administrativas,
acções relativas a contratos e acções de responsabilidade civil. Andrade, Vieira de, A Justiça Administrativa, 13ª edição, Coimbra, Almedina, 2014,
p.167 e ss.
[4] Sousa Fábrica, Luís, A
contraposição entre acção comum e acção especial no Código de Processo dos
Tribunais Administrativos in: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor
Sérvulo Correia, vol. II,
Coimbra editora, 2010, p. 632
[7] Projecto
de Revisão do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto
dos Tribunais Administrativos e Fiscais, documento disponível em http://www.cstaf.pt/Pareceres/CSTAF.Parecer.Revis%C3%A3o%20ETAF_CPTA.pdf,p.11
i) Corresponder às especificidades do contencioso
administrativo, que estão na base da existência de um Código próprio,
procurando dar resposta a problemas que não se colocam no Processo Civil;
ii) Reflectir no CPTA as implicações da recente
reforma do CPC, Projecto de Revisão (...) p.12
Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso De, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012
Andrade, Vieira de, A Justiça Administrativa, 13ª edição, Coimbra, Almedina, 2014
Pereira da Silva, Vasco, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009
Sousa Fábrica, Luís, A contraposição entre acção comum e acção especial no Código de Processo dos Tribunais Administrativos in: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Coimbra editora, 2010
Sem comentários:
Enviar um comentário