sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Âmbito material da jurisdição administrativa





Âmbito material da jurisdição administrativa

A constitucionalização formal dos tribunais administrativos e fiscais foi efectuada na segunda revisão constitucional de 1989, deixando estes de ser uma ordem judicial constitucionalmente facultativa. Os tribunais administrativos, agora tribunais especializados, foram integrados dentro da categoria de tribunais judiciais. Esta consolidação desenvolveu-se nas revisões seguintes, designadamente através de alterações no plano material relativamente à tutela jurisdicional efetiva dos administrados (artigo 268.º CRP). Também no plano legislativo sofreu importantes alterações quanto aos parâmetros processuais dos tribunais administrativos (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprovou o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
Todas estas profundas alterações constitucionais e legislativas levaram a uma concordância prática entre a dimensão subjetiva e a dimensão objectiva da justiça administrativa com especial relevo para uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados e com a consagração de formas processuais que vão transformando o contencioso administrativo num contencioso de plena jurisdição à semelhança do processo civil.



Relações Jurídicas Administrativas

No seu n.º 3, o artigo n.º 212.º CRP prevê a competência dos tribunais administrativos e fiscais para o julgamento das ações que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, definindo, assim, a  função jurídico-constitucional da jurisdição administrativa e fiscal. Importa, portanto, clarificar a noção de relações jurídicas administrativas.
            Estas relações jurídicas administrativas podem ser entendidas, por um lado, num sentido subjetivo, incluindo qualquer e toda a relação em que intervenha a Administração. Desta forma, o objectivo da existência de uma jurisdição específica seria a presença da Administração Pública enquanto sujeito da relação. A jurisdição administrativa seria uma jurisdição privativa da Administração Pública. Por outro lado, também pode entender-se como as relações jurídicas envolvendo entes públicos, desde que regulados pelo Direito Administrativo. Assim, seria a presença de elementos de autoridade que justificaria a jurisdição administrativa.
            O conceito das relações jurídico-administrativas deve ser entendido, neste contexto, como uma referencia à possibilidade de alargamento da jurisdição administrativa a outras realidades diversas das tradicionais formas de atuação, como o ato, o contrato, ou o regulamento, complementado aquele critério.
            Por razões que decorrem do princípio da separação dos poderes, os tribunais julgam do cumprimento de normas e princípios jurídicos e não, em regra, do conhecimento de questões internas de entes administrativos. Consequentemente, no contexto da justiça administrativa relevam especificamente as relações jurídicas interpessoais ou intersubjetivas e não relações intrapessoais ou intrasubjetivas. Porém, as relações externas não são só aquelas estabelecidas entre Administração e particulares. Abrangem também, pelo menos, as relações jurídicas entre pessoas colectivas públicas.
            Estão, assim, excluídas do âmbito da justiça administrativa as relações jurídicas internas como as relações entre órgãos administrativos dentro da mesma pessoa colectiva, as relações entre os órgãos administrativos e respectivos membros ou titulares (embora com zonas de fronteira, quando estejam em causa direitos próprios destes, enquanto tais) e as relações entre órgãos de uma instituição e os funcionários, utentes ou sujeitos de relações especiais de direito administrativo, na medida restritiva do respectivo vínculo funcional.
            Isto não quer dizer que, num contexto objetivista de defesa da legalidade, a lei não possa atribuir aos tribunais administrativos a competência para conhecer litígios nos casos atrás mencionados, dada a complexidade organizativa não só do Estado como de outras pessoas colectivas públicas. O artigo 4.º, n.º 1, alínea j) do ETAF inclui nos litígios da competência da jurisdição administrativa os que tenham por objecto relações jurídicas entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir.
            Contrariamente, devem considerar-se relações jurídicas administrativas externas as relações entre a Administração e os particulares, as quais podem ser: as relações entre entidades administrativas e os cidadãos, as relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou pessoas funcionalmente ligadas a essas organizações – relações fundamentais – e as relações entre sujeitos privados que atuem no exercício de poderes administrativos (sejam estas entidades públicas em forma privada ou verdadeiros privados) e os particulares. Estão também incluídas as relações jurídicas interadministrativas, como as relações entre entes públicos, as relações jurídicas entre entes administrativos e outros que atuem em substituição de órgãos da Administração, no exercício da função administrativa (mesmo que não tenham personalidade jurídica) e ainda certas relações jurídicas entre órgãos de diferentes entes públicos, no caso em que a circunstância de se tratar de órgãos de pessoas coletivas distintas for determinante ou decisiva  para a caracterização da relação, por estarem em causa interesses públicos diferentes.
Com este conceito genérico pretende-se somente a inclusão na jurisdição administrativa de vários tipos de relações bilaterais e multilaterais, externas e internas, entre a Administração e pessoas civis e entre entes da Administração, reconduzíveis à atividade de direito público, que prossigam funções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado. Desta forma, é importante ter em mente que o direito administrativo aparece frequentemente associado à utilização de entidades e de meios de direito privado pela Administração, podendo haver, na prática, um cruzamento do direito público e do privado.



As delimitações materiais negativas

            Em primeiro lugar, como delimitação material negativa, há a exclus  ﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ negativa, hmo delimitação da justiça administrativa das questões relacionadas com atos internos da Administração ou a litígios que relevem exclusivamente da organização ou das relações administrativas internas, como as questões relativas a ordens de serviço e a regulamentos de organização interna de serviços, as composições de conflitos orgânicos (artigo 42.º n.º 2 e 3 CPA, relativo a conflitos de competência), assuntos relativos a questões de disciplina interna de serviços e a resolução dos litígios no contexto de “relações especiais de direito administrativo”, na sua dimensão orgânica. Esta regra pode, contudo, comportar excepções, uma vez que se admite a existência de litígios judiciais entre órgãos da mesma pessoa colectiva (artigo 55.º, n.º 1, alínea d), do CPTA) ou entre presidentes dos órgãos colegiais e respectivos órgãos colegiais e os seus órgãos (artigo 14.º, n.º 4, CPA).
            Acerca deste ponto, cumpre ainda referir que o conceito daquilo que é “interno” tem vindo cada vez mais a ser menos abrangente, em comparação ao antigo entendimento, que englobava toda a organização administrativa, as relações especiais de poder em todas as suas dimensões e a maioria das relações interadministrativas.
            Num outro plano, a delimitação da justiça administrativa pelo carácter jurisdicional da sua própria função faz com que não possa, hoje em dia, incluir a resolução de questões administrativas (questões de mérito ou de legalidade) quando esta se realize através de meios administrativos de impugnação. Ainda que se mantenham como formas de controlo e fiscalização da atividade administrativa, não integram a justiça administrativa, que abrange somente a atividade jurisdicional reservada aos tribunais. Pelas mesmas razões, a resolução de controvérsias relativas à atuação da Administração pública por meios políticos não faz parte da justiça administrativa. Seja através do uso de instrumentos petitórios dos particulares dirigidos ao Provedor de justiça, seja através do Parlamento, que dispõe de poderes de fiscalização (artigos 23.º e 52.º, n.º 1 e 2 da CRP).
            Também não são abrangidos pela justiça administrativa a resolução de questões administrativas através de mecanismos de autocomposição de conflitos, através de conciliação, de mediação ou de transação, nas hipóteses admitidas no âmbito de aplicação do direito administrativo. Aqui, a resolução de conflitos administrativos funda-se na vontade das partes, que acabam por decidir a controvérsia, ainda que possa haver intervenção de um terceiro. Os centros de arbitragem permanente previstos no artigo 187.º CPTA destinam-se à composição de litígios em alguns assuntos de direito administrativo, podendo exercer funções de conciliação, de mediação ou de consulta no âmbito de procedimentos de impugnação administrativa. Os centros não são tribunais, mas prestam serviços de arbitragem, organizando uma bolsa de peritos que podem ser nomeados como árbitros.
            Diferentemente, está incluída na justiça administrativa a resolução de litígios de direito administrativo por tribunais arbitrais. Este tipo de jurisdição, em matérias em que o CPTA o admite ou em casos previstos em lei especial, decorre de convenções de arbitragem celebradas pelas partes, podendo estas constituir compromissos arbitrais, tendo por objeto um litígio atual, ou ,então, manifestando-se através de cláusulas compromissórias relativamente a litígios eventuais, emergentes de uma relação jurídica, contratual ou não. Segundo o artigo 182.º do CPTA, os interessados têm o direito de exigirem da Administração a celebração de compromissos arbitrais no âmbito de litígios legalmente arbitráveis, nos termos da lei.
            Os tribunais arbitrais são categorias reconhecidas de tribunais  (artigo 209.º, n.º 2 CRP), que exercem a função jurisdicional, ainda que os juízes sejam cidadãos. Constituem, assim, uma situação constitucionalmente prevista de exercício de poderes públicos por privados. A isto, acresce que os tribunais arbitrais podem, salvo acordo das partes em contrário, decretar providências cautelares e ordens preliminares (artigos 20.º e ss. da LAV) e reconhece-se o efeito de caso julgado e a força executiva própria das sentenças judiciais às suas decisões.



Bibliografia Consultada:

Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013.
Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Lições, Almedina, 12ª Edição, 2012.
Andrade, José Carlos Vieira de, Âmbito e limites da jurisdição administrativa, in Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 22 – Julho/Agosto 2000.
Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 108º a 296º, Vol. II, 4ª Edição, 2010.
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Reimpressão  da 2ª Edição de 2009, 2013.



Leonor Serrasqueiro
Aluna n.º 22094

Subturma 4 da Turma Dia

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