- BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO
- MODALIDADES
- OBJECTO
- PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS- ARTIGO 67
- QUESTÃO PRESSUPOSTO A)
- BIBLIOGRAFIA
Atendendo à
actual organização dos meios processuais do Contencioso Administrativo
verificamos que, de acordo com o artigo 46º/2 b) CPTA, a acção de condenação à
prática de acto devido se insere no âmbito da acção administrativa especial
(regulada nos termos dos artigos 66º-71º CPTA).
1.BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA
ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO
Cumpre antes de mais referir que a relativamente
recente introdução desta modalidade de acção consubstancia uma viragem no
paradigma do contencioso e um importante passo no que toca à proteção dos
direitos dos particulares face à atuação da Administração. A sua consagração
corresponde a um marco de passagem de um ‘’contencioso administrativo de mera
anulação’’ para um ‘’contencioso administrativo de jurisdição plena’’(1), o mesmo
será dizer que, do ponto de vista dos particulares enquanto destinatários
últimos da actuação da Administração, à possibilidade de propositura de uma acção
de impugnação de um acto administrativo juntou-se a possibilidade de mediante uma acção condenatória se exigir,
em certas condições, a prática de determinado acto devido. Tal evolução ficou a
dever-se a um lento processo de abandono da velha concepção, essencialmente
baseada no princípio da separação de poderes, de que se o juiz tivesse a
possibilidade de dar ordens à Administração se constituiria assim numa via de
substituição desta, aliado a uma progressiva e crescente consciência de que
condenar a administração à prática de actos administrativos devidos se
inseriria não num dominio coincidente com a prática de actos em vez desta mas
sim em domínios paralelos uma vez que julgar não é sinónimo de administrar ou
praticar actos em vez desta.
Antes da revisão constitucional de 1997 e da introdução expressa deste subtipo de acção, para que o particular pudesse reagir à actuação
administrativa em caso de omissão ou actuação de conteúdo negativo vigorava um
sistema de ’’acto fingido’’, uma vez que a condenação da administração acabava
por ser conseguida em certos casos mas de uma forma limitada, através da ficção do
acto tácito de indeferimento. Basicamente, de acordo com o artigo 109º CPA, nas
situações em que a Administração não cumprisse o dever de decidir em que ficava
constituída mediante uma pretensão de um particular dirigida a esta, dentro do
prazo legalmente estabelecido para o efeito, este tinha a faculdade de presumir
o seu indeferimento, isto é, a sua não aceitação para que dessa ficção fosse
possível ‘’atacar’’ o então considerado acto mediante a sua impugnação. Nas
palavras do professor Vasco Pereira da Silva, ‘’um acto que se finge exitir, para se fingir que se anula, para se continuar a
fingir que daí resulta uma obrigação
de praticar o acto contrário’’(2) revelar-se-ia bastante ineficaz na tutela dos direitos
dos particulares. A principal critica dirigida à consagração desta acção de que
a margem de discricionariedade da administração passa a estar em causa não
procede, como sabemos este poder discricionário surge como ‘’um modo de
realização do direito no caso concreto’’(3) mediante a atribuição de uma margem de
manobra nas escolhas no caso concreto, uma vez que atento o principio da
legalidade característico da actuação pública determinados parâmetros/aspectos
vinculados do poder discricionário possibilitam um controlo jurisdicional e em última análise uma
sentença quanto a estes. A condenação à prática dos referidos actos surge então
num contexto de claras insuficiências na reacção contra comportamentos
administrativos omissivos susceptíveis de lesar direitos de particulares, acabando por se
traduzir em certa medida numa ‘’reiteração’’ da vinculatividade de um acto que
esta antes estaria já vinculada a praticar. Actualmente, o particular tem à sua
disposição não só a faculdade de intentar uma acção com o intuito de impugnar
um acto administrativo caso este se revele susceptível de lesar direitos ou
interesses legalmente protegidos (artigo 51º CPTA) mas também a faculdade de intentar uma acção
tendente à condenação da Administração à prática de acto devido que uma vez omitido se revelaria igualmente susceptível
de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 66º CPTA). De
realçar o facto de, neste
segundo caso, o Tribunal ter o poder de fixar um prazo para a emissão do acto devido
bem como de definir uma sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o
incumprimento do que tiver sido julgado, surgindo assim a particularidade
de se anteciparem ‘’momentos executivos’’, em conformidade com o artigo 66º/3 CPTA, num
processo declarativo, particularidade essa que o professor Vasco Pereira da
Silva apenas entende como uma reiteração da regra constante do artigo 3º/3.
2.MODALIDADES
Do artigo 66º/1 CPTA é possível
retirar duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à
prática do acto devido, designadamente:
-condenação na emissão de acto
administrativo omitido.
-condenação na produção de acto
administrativo recusado.
3.OBJECTO
Tendo presente a distinção entre pedido mediato
(direito subjectivo que se pretende tutelar através do pedido) e pedido
imediato (efeito pretendido pelo autor) em conjugação com a causa de pedir (direito
lesado pela omissão ou pela actuação ilegal da administração enquanto facto que
constitui a razão jurídica da actuação em juízo), o artigo 66º/2 CPTA permite,
como explana o professor Vasco Pereira da Silva, retirar duas conclusões no que
ao objecto da acção de condenação à prática de acto devido concerne. Em
primeiro lugar, tal como refere Mário Aroso de Almeida ‘’o processo de
condenação não é configurado como um processo condenatório’’(4) ou, por outras
palavras, que o objecto do processo não é nunca o acto administrativo; em
segundo lugar que o objecto é reconduzido à pretensão do interessado, isto é,
ao direito do particular a dada conduta da administração correspondente a uma
vinculação legal de agir. Em sintonia com esta afirmação, é possível retirar do artigo 71º CPTA que o
tribunal vai para além do acto administrativo (recusado ou omitido), apreciando
sim a concreta relação administrativa existente entre o particular e a
Administração por forma a apurar qual o direito do primeiro e qual o dever da
segunda sendo então assim possível determinar o próprio conteúdo do acto
devido.
4.PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS- ARTIGO 67º
a) existência de uma omissão de
decisão, por parte da Administração, ou prática de acto administrativo de
conteúdo negativo;
b) legitimidade das partes –
artigo 68º CPTA – regras de legitimidade especificas
c) oportunidade do pedido – necessidade
de respeitar certos prazos- artigo 69º CPTA
5.QUESTÃO PRESSUPOSTO A) – como
conciliar o anteriormente exposto com as situações em que a própria lei
determina que a omissão administrativa equivale ao deferimento tácito da
pretensão do particular?
Antes de mais, o deferimento tácito, regulado nos termos do artigo 108º CPA, numa lógica contrária à
do indeferimento tácito anteriormente exposto, ocorre nas situações em que ao
particular é licito considerar a sua pretensão deferida, isto é, que o silêncio
da Administração vale como um acto positivo de conteúdo favorável, mediante
certas condições (resultantes
dos artigos 9º, 108º e 109º do CPA), designadamente:
- Órgão da Administração Pública seja legalmente solicitado por um interessado a pronunciar-se num caso concreto;
- A matéria em causa seja da sua competência;
- Órgão tenha o dever legal de decidir através de um acto administrativo (9º/2 CPA prevê situação em que não há esse dever);
- Tenha decorrido o prazo legal (constante do artigo 58º CPA) sem que tenha sido tomada uma decisão expressa;
- Que a lei atribua ao silêncio significado jurídico de in/deferimento.
Será o
deferimento tácito susceptível de acção de pedido de condenação? Primeira coisa
a ter presente: o acto devido é um acto administrativo! Tendo então em conta
que um acto administrativo deve ser entendido como uma manifestação unilateral
de vontade da administração, será que é compatível dizer que o deferimento tácito, enquanto silêncio, corresponde a uma manifestação da
administração? Em termos práticos a questão suscitada é dotada de relevo
processual uma vez que a pergunta que se insurge é a de saber qual o tipo de
acção a ser intentada perante um deferimento tácito. A questão é controversa na
doutrina, pegando por exemplo na opinião de Mário Aroso de Almeida e na de
Vasco Pereira da Silva verificamos que advém duas soluções diferentes.
•Mário Aroso de Almeida – entende
o deferimento tácito como um verdadeiro acto administrativo resultante de uma
presunção legal, isto é, que a produção do acto resulta da própria lei que
associa à inércia da administração uma presunção de permissão no que às
pretensões apresentadas concerne. Neste sentido, defende que o facto do
deferimento tácito vir de certa forma substituir o acto administrativo de
sentido positivo omitido afasta a possibilidade de propositura de uma acção de
condenação na prática do acto devido quanto a este. Tendo em conta que em seu
entender, é possível extrair que de facto estamos perante a prática, ainda que
legalmente ficcionada, de um acto administrativo tais situações são
excepcionadas do artigo 67/1 a), sob pena de duplicação de efeitos jurídicos sendo
consequentemente apenas admissível um eventual recurso a uma acção
administrativa comum (caso estejam preenchidos todos os pressupostos
processuais da mesma) com o intuito de ver reconhecida a produção do acto
tácito de deferimento.
•Vasco Pereira da Silva – não considera
o deferimento tácito um acto administrativo, não sendo portanto de afastar a
possibilidade de condenação na prática de acto devido, defendendo pelo
contrário a possibilidade de pedidos de condenação nestas situações. O
professor distingue a produção de efeitos decorrentes de uma ficção legal em
caso de comportamento omissivo da Administração de uma actuação intencional
materializada num procedimento destinado à emissão de um acto administrativo
por parte desta pelo que considera dever ser tratada enquanto uma situação de
omissão, ausente de um qualquer acto administrativo, encontrando todavia como
único entrave o facto de se traduzir numa ficção legal com efeitos positivos. Indo
mais longe, refere ainda que caso considerássemos o deferimento tácito como um acto
administrativo isso não seria suficiente para afastar por si só a possibilidade
do pedido de condenação, reafirmando que em pelo menos duas situações não faria
sentido que de outro pedido se tratasse que não o de condenação, designadamente
na hipótese do deferimento tácito não corresponder na íntegra à pretensão do
particular, devendo então ser considerado como parcialmente desfavorável; e na
hipótese de deferimento tácito numa relação jurídica multilateral, na medida em
que o deferimento seja favorável a uma parte e a outra não deve esta última conservar
a possibilidade de utilizar o pedido de condenação, usando como exemplo ilustrativo
a situação de oposição entre um dono de uma instalação fabril e os vizinhos
dessa mesmo instalação que à partida hão-de ter pretensões conflituantes. Na
opinião do professor a passagem para o contencioso de plena jurisdição obriga a
que se repense a lógica dos deferimentos tácitos.
Posto isto, no
que concerne à qualificação do acto de deferimento tácito como um acto
administrativo tendo em concordar com o professor Vasco Pereira da Silva, pois,
não obstante decorrer da lei a ficção de um acto que na prática irá ter
repercussões de conteúdo positivo a verdade é que esse acto legalmente
ficcionado não se traduziu numa manifestação de vontade da Administração,
traduzindo-se antes numa completa inação da mesma. A meu ver, num contexto de relacionamento
entre Administração e administrado, admitir que uma inação da primeira possa
ser equiparada a uma manifestação de vontade desta, para que assim possa cair
no âmbito dos actos administrativos, revela-se um tanto ou quanto rebuscado.
Não obstante o deferimento tácito se ter revelado um mecanismo bastante útil,
até mesmo por um imperativo de eficiência da actuação administrativa, a verdade
é que não me parece de afastar liminarmente a possibilidade de propositura de
uma acção de condenação quanto ao mesmo.
6. BIBLIOGRAFIA
Vasco Pereira da Silva, ‘’O Contencioso Administrativo no Divâ da
Psicanálise’’, Almedina
Mário Aroso de Almeida, ‘’Manual de Processo Administrativo’’,
Almedina
Mariana Lopes, aluna 20860
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