sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Condenação à Prática de Acto Devido

  1.  BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO
  2. MODALIDADES
  3. OBJECTO
  4. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS- ARTIGO 67
  5. QUESTÃO PRESSUPOSTO A)
  6. BIBLIOGRAFIA


Atendendo à actual organização dos meios processuais do Contencioso Administrativo verificamos que, de acordo com o artigo 46º/2 b) CPTA, a acção de condenação à prática de acto devido se insere no âmbito da acção administrativa especial (regulada nos termos dos artigos 66º-71º CPTA).

1.BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO
Cumpre antes de mais referir que a relativamente recente introdução desta modalidade de acção consubstancia uma viragem no paradigma do contencioso e um importante passo no que toca à proteção dos direitos dos particulares face à atuação da Administração. A sua consagração corresponde a um marco de passagem de um ‘’contencioso administrativo de mera anulação’’ para um ‘’contencioso administrativo de jurisdição plena’’(1), o mesmo será dizer que, do ponto de vista dos particulares enquanto destinatários últimos da actuação da Administração, à possibilidade de propositura de uma acção de impugnação de um acto administrativo juntou-se a possibilidade de mediante uma acção condenatória se exigir, em certas condições, a prática de determinado acto devido. Tal evolução ficou a dever-se a um lento processo de abandono da velha concepção, essencialmente baseada no princípio da separação de poderes, de que se o juiz tivesse a possibilidade de dar ordens à Administração se constituiria assim numa via de substituição desta, aliado a uma progressiva e crescente consciência de que condenar a administração à prática de actos administrativos devidos se inseriria não num dominio coincidente com a prática de actos em vez desta mas sim em domínios paralelos uma vez que julgar não é sinónimo de administrar ou praticar actos em vez desta.
Antes da revisão constitucional de 1997 e da introdução expressa deste subtipo de acção, para que o particular pudesse reagir à actuação administrativa em caso de omissão ou actuação de conteúdo negativo vigorava um sistema de ’’acto fingido’’, uma vez que a condenação da administração acabava por ser conseguida em certos casos mas de uma forma limitada, através da ficção do acto tácito de indeferimento. Basicamente, de acordo com o artigo 109º CPA, nas situações em que a Administração não cumprisse o dever de decidir em que ficava constituída mediante uma pretensão de um particular dirigida a esta, dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito, este tinha a faculdade de presumir o seu indeferimento, isto é, a sua não aceitação para que dessa ficção fosse possível ‘’atacar’’ o então considerado acto mediante a sua impugnação. Nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva, ‘’um acto que se finge exitir, para se fingir que se anula, para se continuar a fingir que daí resulta uma obrigação de praticar o acto contrário’’(2) revelar-se-ia bastante ineficaz na tutela dos direitos dos particulares. A principal critica dirigida à consagração desta acção de que a margem de discricionariedade da administração passa a estar em causa não procede, como sabemos este poder discricionário surge como ‘’um modo de realização do direito no caso concreto’’(3) mediante a atribuição de uma margem de manobra nas escolhas no caso concreto, uma vez que atento o principio da legalidade característico da actuação pública determinados parâmetros/aspectos vinculados do poder discricionário possibilitam um controlo jurisdicional e em última análise uma sentença quanto a estes. A condenação à prática dos referidos actos surge então num contexto de claras insuficiências na reacção contra comportamentos administrativos omissivos susceptíveis de lesar direitos de particulares, acabando por se traduzir em certa medida numa ‘’reiteração’’ da vinculatividade de um acto que esta antes estaria já vinculada a praticar. Actualmente, o particular tem à sua disposição não só a faculdade de intentar uma acção com o intuito de impugnar um acto administrativo caso este se revele susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51º CPTA)  mas também a faculdade de intentar uma acção tendente à condenação da Administração à prática de acto devido que uma vez omitido se revelaria igualmente susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 66º CPTA). De realçar o facto de, neste segundo caso, o Tribunal ter o poder de fixar um prazo para a emissão do acto devido bem como de definir uma sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento do que tiver sido julgado, surgindo assim a particularidade de se anteciparem ‘’momentos executivos’’, em conformidade com o artigo 66º/3 CPTA, num processo declarativo, particularidade essa que o professor Vasco Pereira da Silva apenas entende como uma reiteração da regra constante do artigo 3º/3.

2.MODALIDADES
Do artigo 66º/1 CPTA é possível retirar duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, designadamente:
-condenação na emissão de acto administrativo omitido.
-condenação na produção de acto administrativo recusado.

3.OBJECTO
Tendo presente a distinção entre pedido mediato (direito subjectivo que se pretende tutelar através do pedido) e pedido imediato (efeito pretendido pelo autor) em conjugação com a causa de pedir (direito lesado pela omissão ou pela actuação ilegal da administração enquanto facto que constitui a razão jurídica da actuação em juízo), o artigo 66º/2 CPTA permite, como explana o professor Vasco Pereira da Silva, retirar duas conclusões no que ao objecto da acção de condenação à prática de acto devido concerne. Em primeiro lugar, tal como refere Mário Aroso de Almeida ‘’o processo de condenação não é configurado como um processo condenatório’’(4) ou, por outras palavras, que o objecto do processo não é nunca o acto administrativo; em segundo lugar que o objecto é reconduzido à pretensão do interessado, isto é, ao direito do particular a dada conduta da administração correspondente a uma vinculação legal de agir. Em sintonia com esta afirmação,  é possível retirar do artigo 71º CPTA que o tribunal vai para além do acto administrativo (recusado ou omitido), apreciando sim a concreta relação administrativa existente entre o particular e a Administração por forma a apurar qual o direito do primeiro e qual o dever da segunda sendo então assim possível determinar o próprio conteúdo do acto devido.

4.PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS- ARTIGO 67º
a) existência de uma omissão de decisão, por parte da Administração, ou prática de acto administrativo de conteúdo negativo;
b) legitimidade das partes – artigo 68º CPTA – regras de legitimidade especificas
c) oportunidade do pedido – necessidade de respeitar certos prazos- artigo 69º CPTA

5.QUESTÃO PRESSUPOSTO A) – como conciliar o anteriormente exposto com as situações em que a própria lei determina que a omissão administrativa equivale ao deferimento tácito da pretensão do particular?
Antes de mais, o deferimento tácito, regulado nos termos do artigo 108º CPA, numa lógica contrária à do indeferimento tácito anteriormente exposto, ocorre nas situações em que ao particular é licito considerar a sua pretensão deferida, isto é, que o silêncio da Administração vale como um acto positivo de conteúdo favorável, mediante certas condições (resultantes dos artigos 9º, 108º e 109º do CPA), designadamente:
  1.      Órgão da Administração Pública seja legalmente solicitado por um interessado a pronunciar-se num caso concreto;
  2.       A matéria em causa seja da sua competência;
  3.       Órgão tenha o dever legal de decidir através de um acto administrativo (9º/2 CPA prevê situação em que não há esse dever);
  4.        Tenha decorrido o prazo legal (constante do artigo 58º CPA) sem que tenha sido tomada uma decisão expressa;
  5.        Que a lei atribua ao silêncio significado jurídico de in/deferimento.

Será o deferimento tácito susceptível de acção de pedido de condenação? Primeira coisa a ter presente: o acto devido é um acto administrativo! Tendo então em conta que um acto administrativo deve ser entendido como uma manifestação unilateral de vontade da administração, será que é compatível dizer que o deferimento tácito, enquanto silêncio, corresponde a uma manifestação da administração? Em termos práticos a questão suscitada é dotada de relevo processual uma vez que a pergunta que se insurge é a de saber qual o tipo de acção a ser intentada perante um deferimento tácito. A questão é controversa na doutrina, pegando por exemplo na opinião de Mário Aroso de Almeida e na de Vasco Pereira da Silva verificamos que advém duas soluções diferentes.

•Mário Aroso de Almeida – entende o deferimento tácito como um verdadeiro acto administrativo resultante de uma presunção legal, isto é, que a produção do acto resulta da própria lei que associa à inércia da administração uma presunção de permissão no que às pretensões apresentadas concerne. Neste sentido, defende que o facto do deferimento tácito vir de certa forma substituir o acto administrativo de sentido positivo omitido afasta a possibilidade de propositura de uma acção de condenação na prática do acto devido quanto a este. Tendo em conta que em seu entender, é possível extrair que de facto estamos perante a prática, ainda que legalmente ficcionada, de um acto administrativo tais situações são excepcionadas do artigo 67/1 a), sob pena de duplicação de efeitos jurídicos sendo consequentemente apenas admissível um eventual recurso a uma acção administrativa comum (caso estejam preenchidos todos os pressupostos processuais da mesma) com o intuito de ver reconhecida a produção do acto tácito de deferimento.
•Vasco Pereira da Silva – não considera o deferimento tácito um acto administrativo, não sendo portanto de afastar a possibilidade de condenação na prática de acto devido, defendendo pelo contrário a possibilidade de pedidos de condenação nestas situações. O professor distingue a produção de efeitos decorrentes de uma ficção legal em caso de comportamento omissivo da Administração de uma actuação intencional materializada num procedimento destinado à emissão de um acto administrativo por parte desta pelo que considera dever ser tratada enquanto uma situação de omissão, ausente de um qualquer acto administrativo, encontrando todavia como único entrave o facto de se traduzir numa ficção legal com efeitos positivos. Indo mais longe, refere ainda que caso considerássemos o deferimento tácito como um acto administrativo isso não seria suficiente para afastar por si só a possibilidade do pedido de condenação, reafirmando que em pelo menos duas situações não faria sentido que de outro pedido se tratasse que não o de condenação, designadamente na hipótese do deferimento tácito não corresponder na íntegra à pretensão do particular, devendo então ser considerado como parcialmente desfavorável; e na hipótese de deferimento tácito numa relação jurídica multilateral, na medida em que o deferimento seja favorável a uma parte e a outra não deve esta última conservar a possibilidade de utilizar o pedido de condenação, usando como exemplo ilustrativo a situação de oposição entre um dono de uma instalação fabril e os vizinhos dessa mesmo instalação que à partida hão-de ter pretensões conflituantes. Na opinião do professor a passagem para o contencioso de plena jurisdição obriga a que se repense a lógica dos deferimentos tácitos.

Posto isto, no que concerne à qualificação do acto de deferimento tácito como um acto administrativo tendo em concordar com o professor Vasco Pereira da Silva, pois, não obstante decorrer da lei a ficção de um acto que na prática irá ter repercussões de conteúdo positivo a verdade é que esse acto legalmente ficcionado não se traduziu numa manifestação de vontade da Administração, traduzindo-se antes numa completa inação da mesma. A meu ver, num contexto de relacionamento entre Administração e administrado, admitir que uma inação da primeira possa ser equiparada a uma manifestação de vontade desta, para que assim possa cair no âmbito dos actos administrativos, revela-se um tanto ou quanto rebuscado. Não obstante o deferimento tácito se ter revelado um mecanismo bastante útil, até mesmo por um imperativo de eficiência da actuação administrativa, a verdade é que não me parece de afastar liminarmente a possibilidade de propositura de uma acção de condenação quanto ao mesmo.

6. BIBLIOGRAFIA
Vasco Pereira da Silva, ‘’O Contencioso Administrativo no Divâ da Psicanálise’’, Almedina

Mário Aroso de Almeida, ‘’Manual de Processo Administrativo’’, Almedina


Mariana Lopes, aluna 20860

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