Uma das novidades mais significativas que o Anteprojeto para revisão do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (ACPTA) apresenta é a previsão
de um novo tipo processual urgente, denominado “procedimento de massa” e que
vem regulado nos artigos 36º, nº 1, alínea b), 97º e 99º do ACPTA.
Sucintamente, este processo de massa urgente é desencadeado por um pedido apresentado
por um interessado insatisfeito que se refira a um concurso pessoal , de
recrutamento para a Administração Pública ou de realização de provas em que os
concorrentes ou os participantes tenham sido em número superior a vinte. Uma
vez intentada essa primeira ação, os restantes interessados são avisados da sua
propositura através de publicação de um
anúncio e, caso pretendam apresentar pretensões relativas ao procedimento
administrativo que a originou, devem coligar-se com o autor, assim participando
no processo já em curso. Os demais interessados passam, pois, a estar obrigados
a reagir por via do processo administrativo já promovido, não o podendo fazer
por meio de um processo autónomo (artigos 99º, nº 1, 97º nº 5 e nº4, 99 nº 4 do
ACPTA).
Através deste novo meio processual pretende-se a adaptação do contencioso
administrativo ao fenómeno da litigância de massa, a criação de decisões
judiciais mais céleres com a atribuição do regime de urgência e também através
da imposição de coligação processual, no âmbito da mesma questão material,
evitando assim decisões divergentes e múltiplos recursos o que simultaneamente
garante um graus mais elevado de tratamento igual a situações iguais.
O processo de massa urgente do (ACPTA) é distinto do mecanismo dos
processos em massa regulado no artigo 48º do Código de processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA).
Podemos dizer que o regime do artigo
48º do CPTA se configura num mecanismo de agilização processual onde o seu nº 1
permite que seja aplicado a realidades processuais já existentes, facultando ,no
entanto,nos termos do nº5 à parte que viu o seu processo ser suspenso se não
ficar satisfeita com a decisão proferida para o processo(s) selecionados pode
requerer a continuação do seu próprio processo “tentando a sua sorte” no
processo que a própria intentou. Ao invés o regime do processo de massa urgente
dos artigos 97° e 99º do ACPTA corresponde a um novo tipo processual urgente
,destinado a tramitar um conjunto de pretensões processuais referentes às
situações previstas no artigo 99º, nº1, alíneas a) a c) do ACPTA, as quais
seguirão necessariamente esta via quando se pretenda reagir contenciosamente no
quadro de uma dessas situações.
Em resumo , o mecanismo dos processos em massa do artigo 48º do CPTA não é
um tipo de processo específico, mas um instituto processual destinado a ser
aplicado a tipos de processos já existentes. Por sua vez, o processo de massa
urgente previsto nos artigos 97º e 99º do ACPTA é um meio processual autónomo.
Outro traço diferenciador destes dois regimes é o relativo à citação dos
interessados. No caso do artigo 82° do CPTA, caso o contrainteressado não se
pronuncie no prazo estabelecido, tal não o impede de apresentar uma ação
judicial autónoma. Ele poderá fazê-lo desde que naturalmente , os prazos de
propositura da ação em causa sejam cumpridos. Ao contrário, no caso do processo
de massa urgente dos artigos 97º e 99º do ACPTA, os demais interessados nos procedimentos
administrativos envolvidos perdem a possibilidade de apresentar uma ação
judicial autónoma se não intervierem no processo em curso.
A nível de regime, os pressupostos de aplicação do processo de massa
urgente encontram-se regulados nos artigos 99 nº1 e 97 nº 2 do ACPTA.
Fundamentalmente, torna-se necessário que se verifiquem dois pressupostos. Por
um lado, estar em causa uma ação de recrutamento ou a realização de uma prova
na Administração Pública, artigo 99º nº 1 alíneas a) a c) do ACPTA. Por outro
lado, o pedido deve reportar-se à impugnação de um ato ou à condenação da Administração
Pública à prática de atos devidos,
artigo 97° nº 2 do ACPTA. Relativamente a este último pressuposto autores como JOÃO
TIAGO SILVEIRA e DORA LUCAS NETO defendem que embora estarmos perante um
contencioso de atos, não faz sentido o legislador ter excluído a impugnação dos
documentos conformadores do concurso ou de quaisquer outras normas concursais ,
pois nos procedimentos de massa as ilegalidades podem surgir, desde logo, no
aviso de abertura do concurso, ao publicitar uma vontade que pode estar já
viciada. Assim como, por exemplo, o critério e seleção das matérias publicitadas
no aviso/convocatória para prestação de provas ou exames. Por isso defendem os
autores referenciados, ser de admitir a cumulação de pedidos, nos termos
gerais. Por outro lado, já divergem no que diz respeito à admissibilidade de
cumulação de pedidos indemnizatórios, por um lado JOÃO TIAGO SILVEIRA defende a
sua admissibilidade pois a procedência da ação indemnizatória depende da
análise da validade do ato, já DORA LUCAS NETO defende não ser de admitir a
cumulação de pedidos indemnizatórios, pois a complexidade que essa decisão
acarreta, de determinação da indemnização devida a cada um dos intervenientes,
afetaria a celeridade da decisão que se pretende com este processo de urgente.
Uma vez proposta ação urgente deste tipo, os restantes interessados no
procedimento administrativo em causa terão de intervir neste processo, caso
pretendam reagir judicialmente, artigos 97º nº4 e 99º nºs 3 e 4 do ACPTA. Se não o fizerem
perdem a possibilidade de lançar mão de uma ação administrativa relativamente
ao ato impugnado ou para o efeito de pedir a condenação à prática dos atos em
causa. Ou seja, devem reagir no processo onde foi proposta a ação em primeiro
lugar, sob pena de perderem a oportunidade de fazer valer em juízo a sua
posição jurídica. Esta solução permite reagir contra a litigância de massa, ao
mesmo tempo que prevê mecanismos que tutelam o Princípio da Tutela Jurisdicional
Efetiva dos interessados, artigo 97º nº5 do ACPTA, uma vez que é dado a
conhecer aos interessados, de antemão, qual o meio utilizado para terem
conhecimento das vicissitudes essenciais das quais depende o seu direito e que,
após a publicação do ato que poderá ser impugnado é de esperar que possa ser
publicado anúncio relativo à propositura
de um processo urgente deste tipo, do qual dependerá a sua possibilidade de
reação judicial.
Sentido oposto ao da tutela jurisdicional efetiva parece ser o disposto no
artigo 97º Nº3 do ACPTA, pois impede-se que, caso não se tenha reagido contra o
ato de homologação da lista de classificação final dos concorrentes num
concurso de pessoal, seja possível reagir contenciosamente contra o contrato
celebrado com o concorrente vencedor com fundamento em invalidades
procedimentais ocorridas no procedimento para produção do ato. Igualmente, se
não houver reação contra a afixação do resultado de uma prova escrita enquanto
ato externo de avaliação intermédia no decurso de um procedimento
administrativo, parece que deixará de existir a possibilidade de reagir contra
o resultado final desse procedimento de seleção com fundamento nas invalidades
procedimentais ocorridas antes da prova escrita. Parece nesta sede de retomar a
crítica de VASCO PEREIRA DA SILVA (1) à “definitividade horizontal” dos atos
procedimentais, e a sua contrariedade com o Princípio da Tutela Jurisdicional
Efetiva pois “o alargamento do universo dos actos recorríveis, intencionado
pelo legislador constituinte (artigo 268.º,n.º4), não pode significar a
diminuição das hipóteses de recurso contencioso por parte do particular,
nomeadamente, através de preclusão da possibilidade de impugnar a decisão
administrativa final. A nova formulação do direito fundamental (...) constitui
um plus e não um minus relativamente à tradicional garantia de recurso contra os
atos definitivos e executórios, pelo que o recurso contra actos de procedimento
de carácter lesivo deve acrescer ao (e não substituir o) tradicional direito de
recurso contra decisões finais”. É também de notar que face ao elevado número
de atos com eficácia externa que podem ser emitidos no decurso de um
procedimento administrativo, os interessados, poderão ser obrigados, por
cautela processual, a ter de impugnar sistematicamente cada um dos atos antes
de proferida a decisão final do procedimento, com evidentes acréscimos de
custos, tempo e aumento da congestão processual.
Uma breve nota final relativamente à tramitação processual do processo de
massa urgente.
A propositura da ação deve ser efetuada no prazo de um mês, junto do
Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (artigo 99º, nº2 do ACPTA), só não
será assim nos casos dos artigos 99º,nº2 e 20º,nº1 do ACPTA.
O modelo dos articulados deve seguir o disposto numa portaria a emitir pelo
Ministro da Justiça (artigo 99º, nº 3 do ACPTA).
Proposta a ação o juiz determina a publicação de anúncio da propositura da
ação, para que os interessados se possam coligar na ação proposta, no prazo de
dez dias (artigo 97º, nº 5 do ACPTA). Como já referido, após publicação do
anúncio, os restantes interessados devem apresentar a sua pretensão no processo
já intentado pelo autor inicial, assim promovendo a respetiva coligação
processual, sob pena de não poderem reagir por via de um processo autónomo
(artigo 97º, nºs 4 e 5 do ACPTA).
Uma vez apresentada a peça processual com os argumentos de facto e de direito
que demonstram a pretensão do interessado no prazo estabelecido, produz-se a
coligação processual que lhe confere o estatuto de parte no processo (artigo
97º,nº5 do ACPTA).
Pode contudo acontecer os interessados apresentarem várias ações diferentes
antes de o tribunal ter promovido a
publicação do anúncio de que o primeiro processo havia dado entrada. Para esse
efeito o artigo 99º, nº4 do ACPTA estabelece que os processos sejam
obrigatoriamente apensados ao que foi intentado em primeiro lugar.
Finalmente o processo de massa urgente segue uma tramitação urgente
caracterizados pelas regras especiais do artigo 99º,nºs 5 e 6 do ACPTA e pelas
regras gerais dos processos urgentes.
(1)
VASCO PEREIRA DA SILVA “Em Busca do Acto Aministrativo Perdido”, cit., p. 702
Bibliografia
Aroso, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010
Neto, Dora Lucas, “A urgência no Anteprojeto de revisão
do CPTA sob o prisma do novo contencioso dos procedimentos de massa”, em O Anteprojeto de Revisão do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais em Debate, aafdl, 2014
Silva, Vasco Pereira da
-
Em busca do Acto
Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1999
-
O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise,2ª ed. Almedina, Coimbra, 2009
Silveira, João Tiago, “O processo de massa urgente na revisão do CPTA”,
em O Anteprojeto de Revisão do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais em Debate, aafdl, 2014
Ricardo Estrela,
nº18374,
Subturma 4