O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Os processos urgentes são uma figura prevista no
Título IV do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), que visa
tutelar as situações que devido à sua especificidade, requerem uma resolução
definitiva por via judicial, num curto espaço de tempo.
Esta figura segue uma estrutura bipartida, em que as
quatro formas de processo urgente podem ser separadas em dois grupos –
impugnações urgentes e intimações. As impugnações urgentes vêm previstas nos
Artigos 97º a 103º e são processos especiais para impugnar um ato
administrativo; já as intimações, previstas nos Artigos 104º a 111º, são
processos urgentes que visam a emissão de uma imposição, ou seja, visam obter com
celeridade uma condenação[1]. A urgência das situações
previstas nestes artigos assume-se sempre, não sendo necessário provar a
urgência de determinada situação[2].
Dentro dos processos urgentes, iremos debruçar-nos
sobre o contencioso pré-contratual, previsto nos artigos 100º, 101º, 102º e
103º do CPTA, que surgiu como forma de concretizar as Diretivas comunitárias
nº89/665/CEE e nº92/13/CEE no ordenamento jurídico português.
Esta Diretiva visava proteger os interesses públicos e
privados ao promover - por um lado, a transparência e a concorrência
consagrando em tempo útil uma oportunidade para os candidatos recorrerem da
decisão da administração; e, por outro lado, garantir que a efetiva execução e
estabilidade dos contratos, após terem sido celebrados (VIEIRA DE ANDRADE[3]). Para PEDRO GONÇALVES o
que se visava, mais do que uma solução rápida, era que de forma eficiente se
prevenisse o perigo de consolidar uma situação irreversível decorrente da
execução de um contrato que inviabilizasse o interesse da empresa impugnante –
resultado que este autor defende, seria melhor atingido através do instituto
das providências cautelares (Artigo 132º CPTA) e, razão pela qual este
instituto não é uma imposição comunitária[4].
Este regime caracteriza-se por um prazo mais curto
para a propositura da ação e por uma tramitação acelerada – o que para PEDRO
GONÇALVES mostra justamente que a ideia subjacente ao processo não é a proteção
dos administrados nem evitar o periculum
in mora que possa vir a ser criado (o que, como acima referido, seria
melhor acautelado através de providências cautelares)[5].
Cabe portanto delimitar o que cabe no Artigo 100º ou
seja, que contratos são passíveis de serem desafiados numa ação urgente.
Resulta da leitura do Artigo 46º/3 CPTA que a
impugnação de atos administrativos praticados no âmbito do procedimento de
formação de contratos segue a forma da ação administrativa especial, sem
prejuízo do regime do Artigo 100º CPTA (com a ressalva que este apenas vale
para os contratos aí previstos). Por sua vez o Artigo 100º/1 CPTA estabelece
que o processo urgente aí previsto apenas se aplica à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de
prestação de serviços e de fornecimento de bens. Esta opção advém de uma
transposição literal da diretiva nº98/665/CEE, que é criticada por muitos
autores.
Com efeito, VIEIRA DE ANDRADE sustenta que não se
percebe porque este regime só vale para os contratos previstos nas diretivas
comunitárias como se não fosse uma boa solução para a generalidade dos
contratos públicos. Para tal invoca o facto de contratos importantes como a
concessão de serviços públicos e a alienação e aquisição de imóveis pela
administração, não estarem sujeitos a este regime; e, o facto de o Código dos
contratos Públicos (CCP) alargar as exigências comunitárias sobre a formação de
contratos públicos à generalidade dos contratos quando a tal não estava
obrigado. De acordo com PEDRO GONÇALVES, deveria ser adotada “a mesma solução
para o mesmo problema e projetada para a realização dos mesmos interesses”.
Este autor rejeita a ideia de apenas ser prevista esta solução para um certo
número de contratos, com vista a não banalizar a urgência das situações uma vez
que os contratos excluídos deste regime são escassos, pelo que a sua inclusão
não iria diminuir a urgência deste regime[6]. Também, como já foi
referido, este autor defende que o regime do contencioso pré-contratual não se
afigura uma obrigação comunitária, pelo que não é necessário consagrar esta
solução apenas para os contratos mencionados nas diretivas.
Quanto ao objeto do processo, coloca-se a questão de
saber se para além de permitir a impugnação de atos administrativos, o regime
dos Artigos 100º e seguintes também permite a condenação da Administração à
prática de atos administrativos. Como aponta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a remissão
no Artigo 100º/1 CPTA vai incluir a aplicação do Artigo 51º/4 CPTA e, como tal
os atos de indeferimento não são impugnáveis – o regime dos Artigos 100º a 103º
CPTA só iria, portanto, cobrir situações de reação contra atos administrativos
de conteúdo positivo. Para este autor, face a atos de conteúdo negativo o autor
deveria propor uma ação de condenação, nos termos gerais (Artigo 66º CPTA).
Para VIEIRA DE ANDRADE, nada obsta a que seja pedida a condenação uma vez que
tal se insere no espírito do direito reformado para obter a tutela efetiva da
sua posição. Com efeito, nos casos em que haja omissão, indeferimento ou recusa
ilegal de contratar o interesse do particular é justamente o de obter uma
condenação. PEDRO GONÇALVES subscreve a esta ideia e propugna a modificação de
processo impugnatório para um processo misto (que permite a impugnação e
condenação) terminando assim com a divisão bipartida dos processos urgentes,
acima explanada[7].
Os prazos de propositura levantam várias questões,
nomeadamente i) qual o prazo para impugnar atos nulos; ii) Como articular a
impugnação administrativa com a contenciosa; iii) Como aplicar o Artigo 58º/4
CPTA a estes casos. Assim:
i)
Quanto à primeira questão, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e
RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA defendem a aplicação do prazo do Artigo 101º CPTA
(de um mês) a tanto os atos nulos como anuláveis. Já para PEDRO GONÇALVES, por
uma questão de coerência, por serem nulos e não produzirem efeitos jurídicos, os
atos nulos seriam impugnáveis a todo o tempo. Seguindo a mesma orientação MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA invoca o Artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo
para notar que pela sua natureza, estes atos poderão ser impugnados a todo o
tempo (Artigo 134º/2 CPA)[8].
ii)
Quanto à articulação da impugnação administrativa facultativa
com a impugnação contenciosa, o problema prende-se com a aplicação ou não do
Artigo 59º/4 CPTA (uma vez que o Artigo 100º/1 CPTA remete para o os Artigos
50º a 65º do CPTA). O Artigo 59º/4 CPTA estabelece um prazo de suspensão,
através do qual através da utilização da impugnação administrativa o prazo para
a impugnação contenciosa suspende-se. Entende PEDRO GONÇALVES que a urgência do
contencioso pré-contratual não de coaduna com o Artigo 59/4º, sugerindo este
autor que se explicite em futura revisão, que tal artigo não se inclui na
remissão do Artigo 100º CPTA[9].
iii)
O Artigo 58º/4 CPTA permite a impugnação fora de prazo (desde
que dentro do prazo de um ano e) desde que a tempestividade da ação não fosse exigível
a um cidadão normalmente diligente.
Finalmente, pergunta-se quanto ao Artigo 102º/5 CPTA se
o que se encontra previsto é a possibilidade de modificar objetivamente a
instância. Com efeito, este Artigo prevê a situação de impossibilidade de
procedência da ação, mas proporciona a reparação de danos que o autor sofreu,
por via desta impossibilidade. PEDRO GONÇALVES[10] considera que falta
precisão técnica a este artigo, devendo substituir-se a expressão “não profere
a sentença requerida” por “julga improcedente o pedido em causa” uma vez que
por impossibilidade absoluta do cumprimento da sentença se esta fosse
considerada procedente, o juiz tem de a considerar improcedente. No entanto,
reconhece que o autor tem direito a ser indemnizado, sendo o pedido de
indemnização objeto de ação administrativa comum (Artigo 45º CPTA).
Maria Alexandra Pereira Vieira, nº 22017
BIBLIOGRAFIA:
· VIEIRA DE ANDRADE, Lições
de justiça administrativa, 2014, p.225-251;
· PEDRO GONÇALVES, Avaliação
do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de
Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007;
· MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O
novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p.
269-277;
· MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO
ESTEVES DE OLIVEIRA,
Código de Processo nos Tribunais Administrativos,
2005, p.378;
[1]
MARIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do
processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p. 271 e 279
[2]
PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime
jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça
Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.3
[3]
VIEIRA DE ANDRADE, Lições de justiça
administrativa, 2014, p.233
[4]
PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime
jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça
Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.5
[5]
PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime
jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça
Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.4
[6]
VIEIRA DE ANDRADE, Lições de justiça
administrativa, 2014, p.232-234; PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in
Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.6-7
[7]
MARIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do
processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p. 274; VIEIRA DE
ANDRADE, Lições de justiça administrativa,
2014, p.235-238; PEDRO GONÇALVES, Avaliação
do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de
Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.7
[8]
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p.378; MARIO
AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do
processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p. 278; PEDRO
GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico
do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa
nº 62, Março/Abril de 2007, p.8;
[9]
PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime
jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça
Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.8;
[10]
PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime
jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça
Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.10
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