quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL


Os processos urgentes são uma figura prevista no Título IV do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), que visa tutelar as situações que devido à sua especificidade, requerem uma resolução definitiva por via judicial, num curto espaço de tempo.
Esta figura segue uma estrutura bipartida, em que as quatro formas de processo urgente podem ser separadas em dois grupos – impugnações urgentes e intimações. As impugnações urgentes vêm previstas nos Artigos 97º a 103º e são processos especiais para impugnar um ato administrativo; já as intimações, previstas nos Artigos 104º a 111º, são processos urgentes que visam a emissão de uma imposição, ou seja, visam obter com celeridade uma condenação[1]. A urgência das situações previstas nestes artigos assume-se sempre, não sendo necessário provar a urgência de determinada situação[2].
Dentro dos processos urgentes, iremos debruçar-nos sobre o contencioso pré-contratual, previsto nos artigos 100º, 101º, 102º e 103º do CPTA, que surgiu como forma de concretizar as Diretivas comunitárias nº89/665/CEE e nº92/13/CEE no ordenamento jurídico português.
Esta Diretiva visava proteger os interesses públicos e privados ao promover - por um lado, a transparência e a concorrência consagrando em tempo útil uma oportunidade para os candidatos recorrerem da decisão da administração; e, por outro lado, garantir que a efetiva execução e estabilidade dos contratos, após terem sido celebrados (VIEIRA DE ANDRADE[3]). Para PEDRO GONÇALVES o que se visava, mais do que uma solução rápida, era que de forma eficiente se prevenisse o perigo de consolidar uma situação irreversível decorrente da execução de um contrato que inviabilizasse o interesse da empresa impugnante – resultado que este autor defende, seria melhor atingido através do instituto das providências cautelares (Artigo 132º CPTA) e, razão pela qual este instituto não é uma imposição comunitária[4].
Este regime caracteriza-se por um prazo mais curto para a propositura da ação e por uma tramitação acelerada – o que para PEDRO GONÇALVES mostra justamente que a ideia subjacente ao processo não é a proteção dos administrados nem evitar o periculum in mora que possa vir a ser criado (o que, como acima referido, seria melhor acautelado através de providências cautelares)[5].
Cabe portanto delimitar o que cabe no Artigo 100º ou seja, que contratos são passíveis de serem desafiados numa ação urgente. Resulta da leitura do Artigo 46º/3 CPTA que a impugnação de atos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação de contratos segue a forma da ação administrativa especial, sem prejuízo do regime do Artigo 100º CPTA (com a ressalva que este apenas vale para os contratos aí previstos). Por sua vez o Artigo 100º/1 CPTA estabelece que o processo urgente aí previsto apenas se aplica à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens. Esta opção advém de uma transposição literal da diretiva nº98/665/CEE, que é criticada por muitos autores.
Com efeito, VIEIRA DE ANDRADE sustenta que não se percebe porque este regime só vale para os contratos previstos nas diretivas comunitárias como se não fosse uma boa solução para a generalidade dos contratos públicos. Para tal invoca o facto de contratos importantes como a concessão de serviços públicos e a alienação e aquisição de imóveis pela administração, não estarem sujeitos a este regime; e, o facto de o Código dos contratos Públicos (CCP) alargar as exigências comunitárias sobre a formação de contratos públicos à generalidade dos contratos quando a tal não estava obrigado. De acordo com PEDRO GONÇALVES, deveria ser adotada “a mesma solução para o mesmo problema e projetada para a realização dos mesmos interesses”. Este autor rejeita a ideia de apenas ser prevista esta solução para um certo número de contratos, com vista a não banalizar a urgência das situações uma vez que os contratos excluídos deste regime são escassos, pelo que a sua inclusão não iria diminuir a urgência deste regime[6]. Também, como já foi referido, este autor defende que o regime do contencioso pré-contratual não se afigura uma obrigação comunitária, pelo que não é necessário consagrar esta solução apenas para os contratos mencionados nas diretivas.
Quanto ao objeto do processo, coloca-se a questão de saber se para além de permitir a impugnação de atos administrativos, o regime dos Artigos 100º e seguintes também permite a condenação da Administração à prática de atos administrativos. Como aponta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, a remissão no Artigo 100º/1 CPTA vai incluir a aplicação do Artigo 51º/4 CPTA e, como tal os atos de indeferimento não são impugnáveis – o regime dos Artigos 100º a 103º CPTA só iria, portanto, cobrir situações de reação contra atos administrativos de conteúdo positivo. Para este autor, face a atos de conteúdo negativo o autor deveria propor uma ação de condenação, nos termos gerais (Artigo 66º CPTA). Para VIEIRA DE ANDRADE, nada obsta a que seja pedida a condenação uma vez que tal se insere no espírito do direito reformado para obter a tutela efetiva da sua posição. Com efeito, nos casos em que haja omissão, indeferimento ou recusa ilegal de contratar o interesse do particular é justamente o de obter uma condenação. PEDRO GONÇALVES subscreve a esta ideia e propugna a modificação de processo impugnatório para um processo misto (que permite a impugnação e condenação) terminando assim com a divisão bipartida dos processos urgentes, acima explanada[7].
Os prazos de propositura levantam várias questões, nomeadamente i) qual o prazo para impugnar atos nulos; ii) Como articular a impugnação administrativa com a contenciosa; iii) Como aplicar o Artigo 58º/4 CPTA a estes casos. Assim:

i)       Quanto à primeira questão, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA defendem a aplicação do prazo do Artigo 101º CPTA (de um mês) a tanto os atos nulos como anuláveis. Já para PEDRO GONÇALVES, por uma questão de coerência, por serem nulos e não produzirem efeitos jurídicos, os atos nulos seriam impugnáveis a todo o tempo. Seguindo a mesma orientação MÁRIO AROSO DE ALMEIDA invoca o Artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo para notar que pela sua natureza, estes atos poderão ser impugnados a todo o tempo (Artigo 134º/2 CPA)[8].
ii)     Quanto à articulação da impugnação administrativa facultativa com a impugnação contenciosa, o problema prende-se com a aplicação ou não do Artigo 59º/4 CPTA (uma vez que o Artigo 100º/1 CPTA remete para o os Artigos 50º a 65º do CPTA). O Artigo 59º/4 CPTA estabelece um prazo de suspensão, através do qual através da utilização da impugnação administrativa o prazo para a impugnação contenciosa suspende-se. Entende PEDRO GONÇALVES que a urgência do contencioso pré-contratual não de coaduna com o Artigo 59/4º, sugerindo este autor que se explicite em futura revisão, que tal artigo não se inclui na remissão do Artigo 100º CPTA[9].

iii)               O Artigo 58º/4 CPTA permite a impugnação fora de prazo (desde que dentro do prazo de um ano e) desde que a tempestividade da ação não fosse exigível a um cidadão normalmente diligente.

Finalmente, pergunta-se quanto ao Artigo 102º/5 CPTA se o que se encontra previsto é a possibilidade de modificar objetivamente a instância. Com efeito, este Artigo prevê a situação de impossibilidade de procedência da ação, mas proporciona a reparação de danos que o autor sofreu, por via desta impossibilidade. PEDRO GONÇALVES[10] considera que falta precisão técnica a este artigo, devendo substituir-se a expressão “não profere a sentença requerida” por “julga improcedente o pedido em causa” uma vez que por impossibilidade absoluta do cumprimento da sentença se esta fosse considerada procedente, o juiz tem de a considerar improcedente. No entanto, reconhece que o autor tem direito a ser indemnizado, sendo o pedido de indemnização objeto de ação administrativa comum (Artigo 45º CPTA).


Maria Alexandra Pereira Vieira, nº 22017


BIBLIOGRAFIA:

·   VIEIRA DE ANDRADE, Lições de justiça administrativa, 2014, p.225-251;
·  PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007;
· MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p. 269-277;
· MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p.378;




[1] MARIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p. 271 e 279
[2] PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.3
[3] VIEIRA DE ANDRADE, Lições de justiça administrativa, 2014, p.233
[4] PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.5
[5] PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.4
[6] VIEIRA DE ANDRADE, Lições de justiça administrativa, 2014, p.232-234; PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.6-7
[7] MARIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p. 274; VIEIRA DE ANDRADE, Lições de justiça administrativa, 2014, p.235-238; PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.7
[8] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p.378; MARIO AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª ed., 2005,p. 278; PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.8;
[9] PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.8;
[10] PEDRO GONÇALVES, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 62, Março/Abril de 2007, p.10

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