Os processos urgentes
I- A URGÊNCIA NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
II- BIPARTIÇÃO ENTRE IMPUGNAÇÕES E INTIMAÇÕES
III- O CONTENCIOSO ELEITORAL
IV- O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
V- O CONTENCIOSO DA INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE
INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE
CERTIDÕES
VI- O CONTENCIOSO DA INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE
DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
VII- BIBLIOGRAFIA
I.A URGÊNCIA NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Por forma a evitar certas inconveniências temporais decorrentes da
tramitação normal na obtenção de uma pronúncia sobre o mérito, o CPTA prevê
quatro formas especiais de processo que, atento o conteúdo que se pretende
tutelar, se não se enquadrassem no âmbito de uma tramitação simplificada e mais
célere o efeito útil da posterior decisão dissipar-se-ia, perdendo-se assim a
própria essência do contencioso administrativo enquanto tutela eficiente dos
direitos dos particulares. Neste sentido, o CPTA veio consagrar, nos seus
artigos 36º e 97º-111º, como processos urgentes autónomos:
•IMPUGNAÇÃO RELATIVA AO CONTENCIOSO ELEITORAL (artigo 97º CPTA)
•IMPUGNAÇÃO RELATIVA AO
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL (artigo 100º CPTA)
•INTIMAÇÃO PARA A
PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES
(artigo 104º CPTA)
•INTIMAÇÃO PARA
PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS (artigo 109º CPTA)
Não obstante o artigo 36º CPTA conter uma
enumeração legal, cumpre desde já ressalvar que tal não significa que à partida
estejamos perante um elenco taxativo que impeça que outros processos revistam
esse mesmo carácter de urgência, antes pelo contrário, a expressão inicial “sem
prejuízo dos demais casos previstos na lei” leva-nos a considerar a existência
de outros. A título de exemplo, Mário Aroso de Almeida salienta a importância
de alguns processos declarativos urgentes previstos em legislação especial
designadamente, a acção para declaração de perda de mandato local (cfr. artigo
15º da Lei nº. 27/96); as intimações para a prática de acto legalmente devido
no âmbito do regime jurídico da Urbanização e da Edificação (cfr. artigo 112º
do DL nº. 555/99); e os processos relativos ao direito de exilio (cfr. artigo
84º da Lei nº. 27/2008)[1]. Para além de que, a
admissibilidade do processo cautelar se convalidar em processo principal
e, em consequência, se antecipar a decisão definitiva (cfr. artigo 121º CPTA),
traduz “uma abertura para a criação ad hoc de novos processos urgentes”[2].
Aquando a enumeração
legal dos processos urgentes, o artigo 36º CPTA, na sua alínea e), inclui as
providências cautelares, cabendo desde já referir que a distinção entre
processos urgentes e providências cautelares deve ser levada a cabo tendo por
base o facto de nos primeiros estarmos perante um efectivo processo principal,
uma vez que comporta uma decisão definitiva sobre o mérito da causa, enquanto
que nos segundos perante uma mera decisão provisória, dependente da proposição
de uma acção principal.
Ao consagrar estes meios
processuais caracterizados por uma especial celeridade, o legislador pretendeu
acautelar determinadas situações que revestem especial urgência, para que desta
forma um qualquer litígio delas resultante pudesse compor-se sem nunca se
perder a utilidade dessa mesma composição. Com o intuito de dar resposta a essa
especial urgência, a celeridade necessária inerente a estes meios processuais
foi concebida tendo por base uma tramitação mais simplificada. Por comparação
às formas de acção administrativa comum ou especial, à qual se
submetem a generalidade das situações que não recaiam no âmbito de um
processo urgente, podemos referir como características
simplificadoras o facto de nestes
segundos:
› ocorrer uma maior
brevidade nas fases processuais;
› os prazos se verificarem
tendencialmente mais curtos;
› correrem mesmo durante
as férias judiciais (36º/2 CPTA);
› lhes ser dispensado o
visto prévio (36º/2 CPTA);
› os actos da secretaria
serem praticados no próprio dia, dotados de prevalência face aos demais (36/2º
CPTA);
› os recursos terem os
prazos reduzidos para metade (147º CPTA)
› não haver lugar ao
reenvio prejudicial (93º/3 CPTA).
Importa salientar que os
processos de decisão urgente sobre o mérito da causa devem ser restringidos a
situações dotadas de uma verdadeira urgência. Tendo em conta que no desenrolar
dos processos em causa muitas vezes são preteridas tanto a devida produção de
prova como o exercício pleno do contraditório não se deve abusar dos processos
urgentes sob pena de subversão da lógica do próprio sistema do Contencioso
Administrativo, neste sentido fala-nos Aroso De Almeida, referindo que estes
tendem a acarretar “o sacrifício de certos valores, que quando as razões de
urgência não o exijam, não devem ser sacrificados”.[3]
II.BIPARTIÇÃO ENTRE
IMPUGNAÇÕES E INTIMAÇÕES
No que concerne ao
regime dos processos principais urgentes propriamente dito, este encontra-se
consagrado no título IV do CPTA, designadamente nos seus artigos 97º a 111º.
Como podemos observar, o regime assenta na distinção de dois géneros de
processos urgentes: as impugnações (constantes nos artigos 97º a 103º) vs as
intimações (constantes nos artigos 104º a 111º).
Enquanto que as impugnações
consubstanciam “uma espécie de acções administrativas especiais urgentes”[4], pois o
seu objecto não tem de se cingir à mera impugnação de actos
administrativos, mas antes têm sido admitidos pedidos de condenação directa
da Administração. Sendo-lhes, este sentido, aplicável a tramitação da
acção administrativa especial constante do título III do CPTA, com as necessárias
adaptações decorrentes quer do artigo 99º quer do artigo 102º para o
contencioso eleitoral e para o contencioso pré-contratual respectivamente.
Em outro sentido, as intimações são processos de condenação da Administração conducentes
à imposição judicial na prática ou omissão de certas condutas,
admitindo-se mesmo, nos casos da intimação para protecção de
direitos, liberdades, garantias, a condenação à prática de actos
administrativos.
No domínio das
impugnações inserem-se dois tipos de processo distintos, designadamente o
contencioso eleitoral e o contencioso pré-contratual. No domínio das intimações
urgentes inserem-se também dois tipos de processo distintos, designadamente a
intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões
e a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Cabe agora proceder a
uma breve referência aos vários tipos de processos enunciados.
III.O CONTENCIOSO
ELEITORAL
Colocando o foco no contencioso eleitoral, este processo de impugnação está regulado nos artigos 97º a 99º CPTA,
consistindo, essencialmente, na impugnação de actos administrativos em matéria
eleitoral. Todavia, apenas quanto a eleitoral que recaia no âmbito de
apreciação da jurisdição administrativa (neste sentido dispõe o artigo 97º),
que nos termos do artigo 4º/m do ETAF é de carácter residual, isto é, a
competência dos tribunais administrativos no âmbito do contencioso eleitoral
cinge-se às matérias não reservadas a outros tribunais.
IV.O CONTENCIOSO
PRÉ-CONTRATUAL
À luz do artigo 100º
CPTA, o processo urgente do contencioso pré-contratual consiste num meio de
impugnação de atos referente à celebração de quatro espécies distintas de
contratos, designadamente:
•empreitada de obras
públicas;
•concessão de obras
públicas;
•prestação de serviços;
•fornecimentos de bens.
Para Vieira de Andrade, este processo urgente resulta da necessidade de assegurar duas ordens de
valores: de um lado, a promoção da transparência e da concorrência e, de outro,
garantir o início célere da execução dos contratos e a sua estabilidade[5], conciliando assim
interesses públicos e interesses privados. Com a sua consagração, o tribunal
passa de uma mera hipótese de condenação ao pagamento de indemnizações por
despesas feitas com o procedimento contratual em favor de uma sentença, em caso
de procedência da ação, anulatória do ato em causa.
A consagração deste meio
processual urgente tem na sua base uma imposição comunitária, surgindo, neste
sentido, da transposição da “Directiva-Recursos” (Directiva nº 89/665/CEE),
pelo DL. 134/98, pelo que certos autores tendem em apontar-lhe como critica o
fato dessa transposição se ter ficado pela aplicação deste processo aos
contratos exigidos pela União Europeia, não abrangendo, sem razão bastante,
outros contratos de natureza administrativa em circunstâncias substancialmente
idênticas face aos imperativos de proteção dos interesses dos candidatos
preteridos[6].
No que concerne ao prazo
para a apresentação do pedido, cumpre referir que a solução constante do artigo
101º CPTA que opta por alargar o prazo de 15 dias para um mês, não obstante
reafirmar o carácter de urgência do contencioso pré-contratual, se justifica
pela constatação de que o prazo anterior de 15 dias era insuficiente e devido à
impossibilidade de recurso alternativo à via da impugnação do ato no prazo
normal acarretava frequentemente a situações de desproteção.
Quanto ao seu objeto,
como decorre do artigo 100/2 e 3 CPTA, este abrange não só a impugnação de atos
administrativos, mas também a de atos similares praticados por sujeitos
privados, no âmbito de um procedimento pré-contratual de direito público, bem
como os documentos contratuais. O artigo 102º/4 CPTA prevê ainda a
admissibilidade de o mesmo ser ampliado à impugnação do contrato já celebrado.
Relativamente aos
pressupostos processuais, por força da remissão constante no artigo 100º/1
CPTA, aplica-se como atrás referido, com as necessárias adaptações, o regime da
ação administrativa especial, nomeadamente, da impugnação do ato
administrativo.
V.O CONTENCIOSA DA
INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE
CERTIDÕES
Quanto à intimação para prestação de informações,
consulta de processos ou passagem de certidões, regulada nos termos dos artigos 104º a 108º CPTA, deve referir-se em
primeiro lugar que tem na sua base o princípio da colaboração da Administração
com os particulares ao abrigo dos artigos 268º CRP e 1º/a) do CPA). Neste
sentido, perante situações de incumprimento de certas exigências legais
decorrentes do CPA (cfr. artigos 61º-63º), ao interessado é facultado o recurso
à via contenciosa consistindo este no meio adequado para a obtenção da satisfação
de todas a pretensões informativas. Vieria de Andrade, refere que na
utilização deste meio processual nem sempre se verificam razões de urgência,
podendo até mesmo estar em causa a obtenção de informações em circunstância
tidas com normais, assentando o fundamento deste amplo alcance em razões de uma
maior transparência[7].
No que concerne ao prazo
para a apresentação do pedido, a intimação deve ser requerida ao tribunal
competente no prazo de 20 dias, prazo esse que se inicia com a verificação de
qualquer dos fatos enunciados no artigo 105º CPTA.
Quanto à tramitação esta é simples, após a apresentação do
pedido, à autoridade recorrida é dado um prazo de dez dias para responder e, em
regra, segue-se a tomada de decisão imediata do juiz (artigo 107º CPTA).
VI.O CONTENCIOSO DA
INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
No que concerne à intimação para proteção de direitos, liberdades
e garantias, regulada nos artigos
109º-111º CPTA, como salienta Mário Aroso de Almeida, esta inovatória
consagração merece destaque uma vez que veio aperfeiçoar e de certa forma
complementar a garantia da tutela jurisdicional efetiva[8], e isto porque aptando
por estender o âmbito de aplicação deste processo à defesa de todos os
direitos, liberdades e garantias não se cingindo aos de natureza pessoal,
foi-se mais além das exigências constitucionais constantes do artigo 20º/5 CRP.
Esta solução por uma proteção de âmbito mais alargado é justificada pela
especial relação entre os direitos em causa e a dignidade da pessoa humana.[9]
Quanto à tramitação
cumpre referir que este processo urgente assume uma importante especificidade
designadamente pela contemplação de quatro possibilidades, graduadas de acordo
com uma adequada intervenção atenta a intensidade da urgência, tendo subjacente
um “modelo polivalente ou de geometria variável”[10], podemos identificar:
•MODELO NORMAL: regulado nos termos do artigo 11º0/1 2 2 CPTA; onde se inserem os processos
desencadeados em situações de urgência normal.
•MODELO MAIS LENTO QUE O NORMAL: por remissão do artigo 110º/3 CPTA, é o da
ação administrativa especial dos artigso 78ºe seguintes CPTA com os prazos
reduzidos a metade; onde se inserem os processos desencadeados em situações de
urgência normal mas das quais resulta uma apreciação dotada de uma complexidade
fora do normal.
•MODELO MAIS RÁPIDO QUE O NORMA: por remissão do artigo 111º/1 CPTA, é o
modelo regulado nos termos do artigo 110º/1 e 2 CPTA mas com a redução dos
prazos constante no mesmo artigo; onde se inserem os processos dotados de uma
especial urgência.
•MODELO ULTRA-RÁPIDO: onde se inserem os processos desencadeados em
situações de extrema urgência seguindo por isso termos informais mais
simplificados que podem resumir-se à realização em 48h de uma audiência oral
segundo a qual o juiz decide de imediato (artigo 111º/1 CPTA) ou passar pela
audição do requerido por qualquer meio de comunicação (artigo 111º/2 CPTA)
Mariana Lopes, aluna nº 20860
VII.BIBLIOGRAFIA
· ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013;
· ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições),
Almedina, 2012.
[1] Mário Aroso de Almeida,
Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 408
[2] José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012,
pp. 225.
[3] Mário Aroso de Almeida,
Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 144.
[4] Expressão utilizada por Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 2013, pp. 408.
[5] José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012,
pp. 231
[6] Neste sentido, José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições),
Almedina, 2012, pp. 231-232.
[7] José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012,
pp. 240
[8] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013,
pp. 139.
[9] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013,
pp. 139 e 243.
[10] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 411.
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