quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

                Os processos urgentes



I-       A URGÊNCIA NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
II-      BIPARTIÇÃO ENTRE IMPUGNAÇÕES E INTIMAÇÕES
III-     O CONTENCIOSO ELEITORAL
IV-     O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
V-      O CONTENCIOSO DA INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE                CERTIDÕES
VI-     O CONTENCIOSO DA INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
VII-    BIBLIOGRAFIA



I.A URGÊNCIA NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Por forma a evitar certas inconveniências temporais decorrentes da tramitação normal na obtenção de uma pronúncia sobre o mérito, o CPTA prevê quatro formas especiais de processo que, atento o conteúdo que se pretende tutelar, se não se enquadrassem no âmbito de uma tramitação simplificada e mais célere o efeito útil da posterior decisão dissipar-se-ia, perdendo-se assim a própria essência do contencioso administrativo enquanto tutela eficiente dos direitos dos particulares. Neste sentido, o CPTA veio consagrar, nos seus artigos 36º e 97º-111º, como processos urgentes autónomos:
•IMPUGNAÇÃO RELATIVA AO CONTENCIOSO ELEITORAL (artigo 97º CPTA)
•IMPUGNAÇÃO RELATIVA AO CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL (artigo 100º CPTA)
•INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES (artigo 104º CPTA)
•INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS (artigo 109º CPTA)

Não obstante o artigo 36º CPTA conter uma enumeração legal, cumpre desde já ressalvar que tal não significa que à partida estejamos perante um elenco taxativo que impeça que outros processos revistam esse mesmo carácter de urgência, antes pelo contrário, a expressão inicial “sem prejuízo dos demais casos previstos na lei” leva-nos a considerar a existência de outros. A título de exemplo, Mário Aroso de Almeida salienta a importância de alguns processos declarativos urgentes previstos em legislação especial designadamente, a acção para declaração de perda de mandato local (cfr. artigo 15º da Lei nº. 27/96); as intimações para a prática de acto legalmente devido no âmbito do regime jurídico da Urbanização e da Edificação (cfr. artigo 112º do DL nº. 555/99); e os processos relativos ao direito de exilio (cfr. artigo 84º da Lei nº. 27/2008)[1]. Para além de que, a admissibilidade do processo cautelar se convalidar em processo principal e, em consequência, se antecipar a decisão definitiva (cfr. artigo 121º CPTA), traduz “uma abertura para a criação ad hoc de novos processos urgentes[2]
Aquando a enumeração legal dos processos urgentes, o artigo 36º CPTA, na sua alínea e), inclui as providências cautelares, cabendo desde já referir que a distinção entre processos urgentes e providências cautelares deve ser levada a cabo tendo por base o facto de nos primeiros estarmos perante um efectivo processo principal, uma vez que comporta uma decisão definitiva sobre o mérito da causa, enquanto que nos segundos perante uma mera decisão provisória, dependente da proposição de uma acção principal.   
Ao consagrar estes meios processuais caracterizados por uma especial celeridade, o legislador pretendeu acautelar determinadas situações que revestem especial urgência, para que desta forma um qualquer litígio delas resultante pudesse compor-se sem nunca se perder a utilidade dessa mesma composição. Com o intuito de dar resposta a essa especial urgência, a celeridade necessária inerente a estes meios processuais foi concebida tendo por base uma tramitação mais simplificada. Por comparação às formas de acção administrativa comum ou especial, à qual se submetem a generalidade das situações que não recaiam no âmbito de um processo urgente, podemos referir como características simplificadoras o facto de nestes segundos:

 ocorrer uma maior brevidade nas fases processuais;
 os prazos se verificarem tendencialmente mais curtos;
 correrem mesmo durante as férias judiciais (36º/2 CPTA);
 lhes ser dispensado o visto prévio (36º/2 CPTA);
 os actos da secretaria serem praticados no próprio dia, dotados de prevalência face aos demais (36/2º CPTA);
 os recursos terem os prazos reduzidos para metade (147º CPTA)
 não haver lugar ao reenvio prejudicial (93º/3 CPTA).

Importa salientar que os processos de decisão urgente sobre o mérito da causa devem ser restringidos a situações dotadas de uma verdadeira urgência. Tendo em conta que no desenrolar dos processos em causa muitas vezes são preteridas tanto a devida produção de prova como o exercício pleno do contraditório não se deve abusar dos processos urgentes sob pena de subversão da lógica do próprio sistema do Contencioso Administrativo, neste sentido fala-nos Aroso De Almeida, referindo que estes tendem a acarretar “o sacrifício de certos valores, que quando as razões de urgência não o exijam, não devem ser sacrificados”.[3]


II.BIPARTIÇÃO ENTRE IMPUGNAÇÕES E INTIMAÇÕES
No que concerne ao regime dos processos principais urgentes propriamente dito, este encontra-se consagrado no título IV do CPTA, designadamente nos seus artigos 97º a 111º. Como podemos observar, o regime assenta na distinção de dois géneros de processos urgentes: as impugnações (constantes nos artigos 97º a 103º) vs as intimações (constantes nos artigos 104º a 111º).
Enquanto que as impugnações consubstanciam “uma espécie de acções administrativas especiais urgentes[4], pois o seu objecto não tem de se cingir à mera impugnação de actos administrativos, mas antes têm sido admitidos pedidos de condenação directa da Administração. Sendo-lhes, este sentido, aplicável a tramitação da acção administrativa especial constante do título III do CPTA, com as necessárias adaptações decorrentes quer do artigo 99º quer do artigo 102º para o contencioso eleitoral e para o contencioso pré-contratual respectivamente. Em outro sentido, as intimações são processos de condenação da Administração conducentes à imposição judicial na prática ou omissão de certas condutas, admitindo-se mesmo, nos casos da intimação para protecção de direitos, liberdades, garantias, a condenação à prática de actos administrativos.
No domínio das impugnações inserem-se dois tipos de processo distintos, designadamente o contencioso eleitoral e o contencioso pré-contratual. No domínio das intimações urgentes inserem-se também dois tipos de processo distintos, designadamente a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Cabe agora proceder a uma breve referência aos vários tipos de processos enunciados.


III.O CONTENCIOSO ELEITORAL
Colocando o foco no contencioso eleitoral, este processo de impugnação está regulado nos artigos 97º a 99º CPTA, consistindo, essencialmente, na impugnação de actos administrativos em matéria eleitoral. Todavia, apenas quanto a eleitoral que recaia no âmbito de apreciação da jurisdição administrativa (neste sentido dispõe o artigo 97º), que nos termos do artigo 4º/m do ETAF é de carácter residual, isto é, a competência dos tribunais administrativos no âmbito do contencioso eleitoral cinge-se às matérias não reservadas a outros tribunais.


IV.O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
À luz do artigo 100º CPTA, o processo urgente do contencioso pré-contratual consiste num meio de impugnação de atos referente à celebração de quatro espécies distintas de contratos, designadamente:
empreitada de obras públicas;
concessão de obras públicas;
prestação de serviços;
fornecimentos de bens.
Para Vieira de Andrade, este processo urgente resulta da necessidade de assegurar duas ordens de valores: de um lado, a promoção da transparência e da concorrência e, de outro, garantir o início célere da execução dos contratos e a sua estabilidade[5], conciliando assim interesses públicos e interesses privados. Com a sua consagração, o tribunal passa de uma mera hipótese de condenação ao pagamento de indemnizações por despesas feitas com o procedimento contratual em favor de uma sentença, em caso de procedência da ação, anulatória do ato em causa.
A consagração deste meio processual urgente tem na sua base uma imposição comunitária, surgindo, neste sentido, da transposição da “Directiva-Recursos” (Directiva nº 89/665/CEE), pelo DL. 134/98, pelo que certos autores tendem em apontar-lhe como critica o fato dessa transposição se ter ficado pela aplicação deste processo aos contratos exigidos pela União Europeia, não abrangendo, sem razão bastante, outros contratos de natureza administrativa em circunstâncias substancialmente idênticas face aos imperativos de proteção dos interesses dos candidatos preteridos[6].
No que concerne ao prazo para a apresentação do pedido, cumpre referir que a solução constante do artigo 101º CPTA que opta por alargar o prazo de 15 dias para um mês, não obstante reafirmar o carácter de urgência do contencioso pré-contratual, se justifica pela constatação de que o prazo anterior de 15 dias era insuficiente e devido à impossibilidade de recurso alternativo à via da impugnação do ato no prazo normal acarretava frequentemente a situações de desproteção.
Quanto ao seu objeto, como decorre do artigo 100/2 e 3 CPTA, este abrange não só a impugnação de atos administrativos, mas também a de atos similares praticados por sujeitos privados, no âmbito de um procedimento pré-contratual de direito público, bem como os documentos contratuais. O artigo 102º/4 CPTA prevê ainda a admissibilidade de o mesmo ser ampliado à impugnação do contrato já celebrado.
Relativamente aos pressupostos processuais, por força da remissão constante no artigo 100º/1 CPTA, aplica-se como atrás referido, com as necessárias adaptações, o regime da ação administrativa especial, nomeadamente, da impugnação do ato administrativo.


V.O CONTENCIOSA DA INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES
        Quanto à intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulada nos termos dos artigos 104º a 108º CPTA, deve referir-se em primeiro lugar que tem na sua base o princípio da colaboração da Administração com os particulares ao abrigo dos artigos 268º CRP e 1º/a) do CPA). Neste sentido, perante situações de incumprimento de certas exigências legais decorrentes do CPA (cfr. artigos 61º-63º), ao interessado é facultado o recurso à via contenciosa consistindo este no meio adequado para a obtenção da satisfação de todas a pretensões informativas. Vieria de Andrade, refere que na utilização deste meio processual nem sempre se verificam razões de urgência, podendo até mesmo estar em causa a obtenção de informações em circunstância tidas com normais, assentando o fundamento deste amplo alcance em razões de uma maior transparência[7].
        No que concerne ao prazo para a apresentação do pedido, a intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias, prazo esse que se inicia com a verificação de qualquer dos fatos enunciados no artigo 105º CPTA.
Quanto à tramitação esta é simples, após a apresentação do pedido, à autoridade recorrida é dado um prazo de dez dias para responder e, em regra, segue-se a tomada de decisão imediata do juiz (artigo 107º CPTA).


VI.O CONTENCIOSO DA INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
No que concerne à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulada nos artigos 109º-111º CPTA, como salienta Mário Aroso de Almeida, esta inovatória consagração merece destaque uma vez que veio aperfeiçoar e de certa forma complementar a garantia da tutela jurisdicional efetiva[8], e isto porque aptando por estender o âmbito de aplicação deste processo à defesa de todos os direitos, liberdades e garantias não se cingindo aos de natureza pessoal, foi-se mais além das exigências constitucionais constantes do artigo 20º/5 CRP. Esta solução por uma proteção de âmbito mais alargado é justificada pela especial relação entre os direitos em causa e a dignidade da pessoa humana.[9]
Quanto à tramitação cumpre referir que este processo urgente assume uma importante especificidade designadamente pela contemplação de quatro possibilidades, graduadas de acordo com uma adequada intervenção atenta a intensidade da urgência, tendo subjacente um “modelo polivalente ou de geometria variável[10]podemos identificar:
MODELO NORMAL: regulado nos termos do artigo 11º0/1 2 2 CPTA; onde se inserem os processos desencadeados em situações de urgência normal.
MODELO MAIS LENTO QUE O NORMAL: por remissão do artigo 110º/3 CPTA, é o da ação administrativa especial dos artigso 78ºe seguintes CPTA com os prazos reduzidos a metade; onde se inserem os processos desencadeados em situações de urgência normal mas das quais resulta uma apreciação dotada de uma complexidade fora do normal.
MODELO MAIS RÁPIDO QUE O NORMA: por remissão do artigo 111º/1 CPTA, é o modelo regulado nos termos do artigo 110º/1 e 2 CPTA mas com a redução dos prazos constante no mesmo artigo; onde se inserem os processos dotados de uma especial urgência.
MODELO ULTRA-RÁPIDO: onde se inserem os processos desencadeados em situações de extrema urgência seguindo por isso termos informais mais simplificados que podem resumir-se à realização em 48h de uma audiência oral segundo a qual o juiz decide de imediato (artigo 111º/1 CPTA) ou passar pela audição do requerido por qualquer meio de comunicação (artigo 111º/2 CPTA)

 Mariana Lopes, aluna nº 20860

VII.BIBLIOGRAFIA

·         ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013;
·         ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012.



[1] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 408
[2] José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012, pp. 225. 
[3] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 144.
[4] Expressão utilizada por Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 408.
[5] José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012, pp. 231
[6] Neste sentido, José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012, pp. 231-232.
[7] José Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2012, pp. 240
[8] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 139.
[9] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 139 e 243.
[10] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, pp. 411.

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