quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias Condições de deferimento da intimação


Intimação para a Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias
Condições de deferimento da intimação

            Uma das novidades introduzidas pela reforma do contencioso administrativo foi a importância dada pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) à tutela principal urgente, ao autonomizar, no seu título IV, o regime dos principais processos urgentes do contencioso administrativo, repartido entre “Impugnações Urgentes” e “Intimações”.
            A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual urgente para a defesa de direitos fundamentais, que se caracteriza pela celeridade e pela prioridade, e que procura responder a situações de urgência em moldes diferentes dos que resultam de procedimentos cautelares, já que tramita de forma autónoma e decide uma causa definitivamente quanto ao seu mérito.
            Efectivamente, este meio processual trata-se de uma concretização do comando constitucional que consta do n.º 5, do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, ainda, no âmbito do contencioso administrativo português, uma forma de consagração de um meio processual eficaz a resolver situações de urgência, em que está em causa a lesão ou eminência de lesão de direitos, liberdades e garantias, e que requerem uma tutela de mérito definitiva, não compatível com decisões cautelares.


Exigência de Direito Interno e Internacional

            Enquanto direito fundamental, o direito de acesso aos tribunais tem vindo a alcançar um significado mais abrangente, o que implica que haja mais formas de se preverem mecanismos próprios de tutela das situações de urgência, para além dos procedimentos cautelares[i]. Isto verifica-se não só no plano de direito interno, principalmente depois da revisão constitucional de 1997, mas também no plano internacional.
            Decorre da alínea b), do artigo 9.º CRP que uma das tarefas fundamentais do Estado é encarregar-se da defesa e promoção dos direitos fundamentais. Isto implica uma postura activa, no sentido de os garantir e de os fazer observar por todos como elementos objectivos da sociedade[ii].
            De acordo com Jorge Reis Novais[iii], o dever de protecção se traduz numa obrigação abrangente de o Estado conformar a sua ordem jurídica de tal forma que nela (e através dela) os direitos fundamentais sejam garantidos e as liberdades neles sustentadas possam encontrar efectivação. Assim, e por definição, os direitos fundamentais têm de receber, num Estado de Direito, uma protecção jurisdicional, sob pena de não valerem inteiramente como direitos[iv]. Os direitos fundamentais consubstanciam-se em regras substantivas, tanto procedimentais, como processuais, de maneira que, a sua concretização não é possível sem que existam meios contenciosos adequados, para que se consiga assegurar a sua tutela plena e efectiva[v]. Esta matéria encontra-se regulada no artigo 20.º da CRP, que assegura o direito fundamental de acesso aos tribunais, conjugado com o artigo 202.º da CRP, que refere que só aos tribunais compete assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos. Contudo, é desde a revisão constitucional de 1997, que no n.º 4 do artigo 20.º da CRP é expressamente referido além do direito fundamental de acesso aos tribunais para protecção efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, também o direito a uma decisão em prazo razoável e ainda o direito a processos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade para a defesa dos direitos, liberdades e garantias (n.º 5 do artigo 20.º da CRP). É, assim, da própria Constituição que deriva a necessidade de se criarem meios processuais que resolvessem as situações de urgência em moldes diferentes daqueles que resultam dos procedimentos cautelares.
            Mas, não é somente do direito interno que resulta esta exigência. Também da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) resulta  que o direito de acesso aos tribunais se desdobra em outros direitos, designadamente, no direito a que uma censura seja resolvida num prazo razoável (artigos 13.º e 6.º, n.º 1 da CEDH). Já o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[vi] (TEDH) tem entendido que este direito, em conjugação com o direito ao recurso efectivo, impõe aos Estados a obrigação de preverem processos urgentes e medidas provisórias para quem recorre, em condições certas e especiais, às instâncias jurisdicionais internas. A interpretação de “prazo razoável” realizada pelo TEDH atende a três pressupostos: a complexidade do caso, o modo como as autoridades judiciárias conduzem o processo e o comportamento mais ou menos diligente do requerente[vii]. Contudo, esta jurisprudência tem vindo a evoluir e a jurisprudência de Estrasburgo autonomizou, a partir do primeiro pressuposto, um outro que atende ao assunto sob o qual incide o processo (tendo em conta a importância do caso, a natureza da causa e o significado que o processo pode ter para o requerente) e a urgência na prolação da decisão final.
            A jurisprudência do TEDH serve, assim, para demonstrar que, também fora da esfera nacional, existe uma preocupação profunda com a forma como os Estados tutelam as situações de urgência. Os Estados só cumprem a obrigação de julgar, em prazo razoável, casos levados a tribunal pelos seus cidadãos se, nos modelos processuais de cada Estado, obrigatoriamente existirem instrumentos que acelerem o processo, ou mesmo processos urgentes, próprios para proporcionar uma protecção adequada a certas situações[viii].


No Código

            A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias está prevista especificamente nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, no entanto, encontram-se dispersos pelo Código outros artigos com relevância para a caracterização daquele meio processual, como aqueles que se referem ao recurso das decisões proferidas em sede de intimação.
            Também fora do CPTA há outras disposições relevantes para a caracterização da nova intimação, como as que se encontram no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
            Trata-se de um meio processual incluído no Título IV do CPTA, no âmbito dos processos urgentes. Este Título, por sua vez, está dividido em dois capítulos:
                        i.         Um primeiro capítulo dedicado às impugnações urgentes, onde é tratado o contencioso eleitoral (artigos 97.º a 99.º do CPTA) e o contencioso pré-contratual (artigos 100.º a 103.º do CPTA).
                       ii.         Um segundo capítulo, dedicado às intimações, onde para além da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, se regula a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, nos artigos 104.º a 108.º do CPTA.
O CPTA prevê, desta forma, quatro tipos genéricos de situações em que reconhece existir a necessidade de obter, com urgência, uma decisão de fundo sobre mérito de causa, às quais correspondem quatro diferentes modelos de tramitação ou formas de processo especiais.
Efectivamente, estas formas de processo são qualificadas, no artigo 36.º, n.º 1 do CPTA, como formas de processo urgentes, para efeitos de lhes tornar aplicável o regime dos artigos 36.º, n.º 2, segundo o qual os processos urgentes correm em férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase do recurso jurisdicional, e os actos da secretaria são praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros e o artigo 147.º, nos termos do qual, de acordo com o seu n.º 1, nos processos urgentes, os recursos são interpostos no prazo de 15 dias e sobem imediatamente, no processo principal ou no apenso em que a decisão tenha sido proferida, quando o processo esteja findo no tribunal recorrido, ou sobem em separado, no caso contrário. Já segundo o seu n.º 2, os prazos a observar durante o recurso são reduzidos a metade e o julgamento pelo tribunal superior tem lugar, com prioridade sobre os demais processos, na sessão imediata à conclusão do processo para decisão.
O Título IV limita-se a prever e regular os principais processos urgentes do contencioso administrativo, não excluindo a existência de quaisquer outros que possam ser consagrados em legislação especial. A própria ressalva no início do artigo 36.º do CPTA demonstra isto mesmo. O legislador tem instituído, em diversos âmbitos[ix], processos especiais, com carácter urgente, concebidos para intimar a Administração à prática do acto legalmente devido. Segundo Mário Aroso de Almeida[x], tanto as intimações que o CPTA especificadamente prevê, como as intimações que se encontram previstas em lei avulsa, enquadram-se numa única categoria de processos especiais, todos eles caracterizados pela urgência, por serem processos urgentes de imposição, nisso se distinguindo dos processos atípicos, não urgentes de condenação da Administração, destinados a seguir, conforme os casos, a tramitação, sempre mais lenta, da acção administrativa comum ou da acção administrativa especial.


Âmbito de Aplicação

Como primeira nota, há que fazer referencia ao facto de este novo meio processual procedeu a um alargamento do âmbito de aplicação previsto no anteprojecto para a providência cautelar urgentíssima. Gomes Canotilho, já a propósito do n.º 5 do artigo 20.º da CRP, tinha alertado para o problema da extensão dos processos previstos neste preceito, uma vez que o texto constitucional apontava apenas para um reduzido âmbito – os direitos, liberdades e garantias pessoais. Assim, a lei deveria institucionalizar processos rápidos e prioritários para a defesa de direitos, liberdades e garantias de participação política e de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores[xi].
Assim, o CPTA alargou este âmbito a todos os direitos, liberdades e garantias.
Surge, assim, a questão de saber se, em face da cláusula aberta do artigo 17.º da CRP, a intimação poderá funcionar quando estiverem em causa direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos fundamentais.
A separação dos direitos fundamentais em dois Títulos não se apresenta como radical. Também há direitos reconduzíveis a direitos, liberdades e garantias no Título III da parte I, bem como em outras partes. Porque assim acontece e porque a direitos de estrutura análoga deve caber um regime idêntico e análogo, a Constituição tomou a opção no artigo 17.º de estatuir que o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplicaria aos direitos fundamentais de natureza análoga. Assim, entende que ambos comungam da mesma natureza que justifica uma protecção acrescida por parte do Estado.


Pressupostos Processuais

·      Relativos às partes
Não havendo no CPTA normas específicas quanto à legitimidade activa no âmbito do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, tem que se aplicar as regras gerais da legitimidade activa, que se encontram no n.º 1 do artigo 9.º do CPTA. Desta forma, parte legitima para requerer a intimação será “ todo aquele que alegar e provar sumariamente a ameaça de lesão (ou início de lesão) de um direito liberdade e garantia através de uma acção ou omissão, jurídica ou material, de entidades prossecutoras de funções materialmente administrativas”[xii]. Também se pode admitir a possibilidade de a intimação poder ser requerida singularmente ou em coligação, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 12.º do CPTA.
Já quanto à legitimidade passiva, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida contra a Administração (n.º 1, do artigo 109.º do CPTA) ou contra outras entidades que exerçam funções materialmente administrativas, como os concessionários (n.º 2, do artigo 109.º do CPTA). Neste caso, e salvo especial urgência, o particular só deverá ser intimado subsidiariamente em relação à Administração.  Vieira de Andrade defende que, em regra, deve-se exigir a solicitação prévia ao órgão administrativo competente da medida administrativa omitida, da mesma forma que acontece nos restantes processos de intimação e de condenação primária[xiii]. Dado que, também não existem regras especiais quanto à legitimidade passiva, aplicam-se as regras gerais que constam do artigo 10.º do CPTA. Contudo, em situações de maior complexidade, poderá haver lugar à identificação de contra-interessados. Nestes casos, terá de se recorrer ao n.º 3, do artigo 110.º do CPTA, para aplicação do disposto do artigo 83.º do CPTA.

·      Relativos ao Tribunal

Segundo a alínea a), do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF, cabe à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios que tenham por objecto a tutela dos direitos fundamentais. Já de acordo com o n.º 1, do artigo 44.º do ETAF, são os tribunais administrativos de círculo os competentes para tomar conhecimento dos pedidos de intimação em primeira instância.
Quanto à competência territorial, terá de se considerar os artigos 16.º e seguintes do CPTA e, especificamente, o n.º 5, do artigo 20.º do CPTA, segundo o qual os processos de intimação, que não sejam relativos a pedidos de intimação para a prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, devem ser instaurados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos.

·      Relativos ao Processo

Em relação às condições de deferimento da intimação, o artigo 109.º do CPTA refere duas condições para que a intimação para a protecção de direitos liberdades e garantias possa ser deferida: a subsidiariedade da intimação relativo ao decretamento provisório de uma providência cautelar e a indispensabilidade da intimação para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.

1.              A subsidiariedade da intimação relativo ao decretamento provisório de uma providência cautelar.

De acordo com o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias só poderá será accionada quando, no caso, não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar segundo o disposto no artigo 131.º do CPTA. Isto quer dizer, que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é subsidiária face aos procedimentos cautelares. Resta, porém, ver qual é a extensão da subsidiariedade definida nessa norma.
De facto, está aqui em causa o problema de se saber se a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias é subsidiária relativamente às providências cautelares de carácter genérico, de acordo com o artigo 131.º do CPTA, ou relativamente a qualquer providência cautelar específica de protecção sumária de direitos, liberdades e garantias, como, por exemplo, o habeas corpus.
De acordo com Carla Amado Gomes[xiv], “a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias só será admissível se o direito que, em concreto, se encontra ameaçado não puder ser tutelado com mais eficácia (leia-se: adequação e plenitude) por qualquer outra providência especificamente orientada para a sua defesa”.
Assim, se o legislador estabeleceu um nexo de subsidiariedade entre a intimação e o decretamento provisório de qualquer providência cautelar de natureza genérica, por maioria de razão também se deve entender que esteja em causa uma providência cautelar especificamente orientada para a defesa de certos direitos, liberdades e garantias[xv]. Providência essa que, tanto poderá caber na jurisdição administrativa, como em qualquer outra jurisdição (civil, criminal ou laboral).
O que permite caracterizar a subsidiariedade da intimação relativamente à providência é a capacidade ou incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente a questão. Desta forma, tanto nas situações de providências cautelares genéricas, como no caso de providências cautelares especificamente destinadas a acautelar certos direitos, a sentença não tem como efeito ditar definitivamente o direito, e, assim, nessa medida, ambos sofrem da mesma insuficiência para resolver, em termos de mérito, uma questão.
A subsidiariedade prevista no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA é, desta forma, mais ampla do que aquilo que a norma estipula, já que o recurso à intimação tem igualmente como pressuposto a inexistência de qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos, liberdades e garantias[xvi].

Relativamente ao n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, há ainda que referir o problema que passa por saber em que consiste a referida subsidiariedade, isto é, quando é que a intimação prefere ao decretamento provisório de uma providência cautelar, uma vez que, segundo este preceito, a intimação deverá ser usada sempre que o decretamento provisório de uma providência cautelar não seja possível ou suficiente para assegurar uma protecção eficaz dos direitos, liberdades e garantias em questão.
Esses dois critérios em relação ao decretamento provisório de uma providência cautelar constituem, efectivamente, o centro da análise para a aferição das situações em que se impõe o recurso à intimação. Esta análise, por sua vez, é que vai revelar quando é que a intimação se impõe frente ao decretamento provisório de uma medida cautelar, sabendo-se, contudo, que não se trata de uma questão de maior rapidez na concessão da providência[xvii].
Em primeiro lugar, contudo, há que fazer referência ao facto de que, embora o CPTA distinga no n.º 1 do art. 109.º duas condições alternativas em que o decretamento provisório de uma medida cautelar prefere relativamente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias[xviii], estas condições devem ser aferidas por contraposição às características próprias das medidas cautelares, ou seja, à provisoriedade e instrumentalidade. A maior parte da doutrina não tem distinguido as duas situações, analisa-as tendo em conta estas características das medidas cautelares[xix].
A subsidiariedade da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias encontra-se prevista (no artigo 109.º CPTA), por referência ao decretamento provisório das medidas cautelares. Assim, é necessário começar por referir o regime instituído  pelo artigo 131.º do CPTA. Esta norma institui um regime especialmente célere de decretamento, a título provisório, de providências cautelares destinadas a tutelar direitos, liberdades e garantias que “de outro modo não possam ser exercidas em tempo útil”, ou “quando entenda haver especial urgência”. Já segundo o seu n.º 3, o decretamento provisório deve ser concedido quando o tribunal dê razão à avaliação que o requerente faz a propósito da urgência, por reconhecer, “a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia invocado” ou “outra situação de especial urgência”.
Desta forma, entende-se, tendo em conta este regime, que o que se pretende é que, quando as circunstâncias o justifiquem, o tribunal conceda a providência cautelar imediatamente após a apresentação do pedido. Essa concessão destina-se a evitar o periculum in mora do próprio processo cautelar, evitando, assim, os danos que possam ocorrer na própria pendência do processo cautelar[xx].
Assim, trata-se de “antecipar, a título provisório, e apenas para dar resposta a uma situação de especial urgência durante a pendência do processo cautelar, a concessão de uma providência cautelar que pode ser decretada nos termos normais e que, por isso, cumprirá decidir, no momento próprio do processo cautelar se deve ser confirmada para valer durante a pendência do processo principal”[xxi]. Este decretamento provisório de uma providência cautelar ocorre sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida no processo principal, e até sem prejuízo da decisão definitiva que, a propósito da manutenção ou não da providência provisoriamente decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar.
No caso de decretamento provisório de uma providência cautelar não nos afastamos do domínio próprio dos procedimentos cautelares, ou seja, permanecemos no âmbito de situações que necessitam de uma decisão urgente, mas que se satisfazem com uma provisória, até que, em sede de um processo principal se decida sobre o fundo da questão e sem se pôr em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos particulares. Assim, mediante o referido decretamento provisório, o particular vê salvaguardada a sua posio em termos A. Parte  de naturez proviss particulares), ou seja,  questendumprirantamento, manutenç.º do CPTA. Parte  de naturezção em termos adequados.
Segundo Mário Aroso de Almeida, “estamos perante situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger o direito, liberdade e garantia, na medida em que é, para o efeito, suficiente o decretamento de uma mera providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada com a maior urgência, imediatamente após o momento em que seja solicitada”[xxii].
Por outro lado, pode acontecer que, em determinadas condições, tal decretamento provisório não seja possível ou suficiente para tutelar eficazmente os direitos dos particulares. Assim, por vezes, a solução para uma dada situação reclama um juízo definitivo, uma solução de mérito e não uma composição provisória e instrumental. Nestes casos, o decretamento provisório de uma medida cautelar não serve, já que, por sua via, apenas se obtêm composições provisórias e instrumentais dos litígios.
Desta forma, a impossibilidade e a insuficiência da medida cautelar urgentíssima provisória estão, assim, estreitamente ligadas com a questão de saber quando é que a solução dada para uma situação pode advir de um juízo provisório ou definitivo e quando é que uma situação reclama um juízo que incida sobre o fundo da causa ou que apenas assegure a utilidade de uma sentença.
As situações urgentes que reclamam uma decisão de fundo e uma composição definitiva e que não podem ser tuteladas mediante o decretamento provisório de uma providência cautelar são aquelas em que o factor “tempo” obriga à emissão de uma decisão que necessariamente interfere com o objecto de um eventual processo principal. A decisão proferida nesse processo não pode ter uma natureza provisória. No fundo, trata-se de casos de natureza improrrogável, que reivindicam uma composição jurisdicional que não pode ser adiada e que têm uma natureza que não se coaduna com a provisoriedade jurisdicional. Isto obriga o juiz a pronunciar-se de forma definitiva, no sentido de uma “solução fatal”, já que ela vai “matar” a utilidade posterior de todas e qualquer sentença de mérito que vier a ser emitida no âmbito de um processo principal que conheça sobre essa situação de modo mais profundo[xxiii]. Se o juiz para garantir a tutela jurisdicional efectiva, e em tempo útil, ao direito em causa, tem de se intrometer na questão subjacente à causa principal, tal pronúncia não pode ocorrer no âmbito de um processo, que sendo embora marcado pela urgência, não visa uma decisão definitiva, mas provisória e instrumental face a um processo principal que será interposto pelo particular. Para que possa intrometer-se na questão subjacente à causa principal, o juiz tem necessariamente de estar legitimado para o fazer. Assim, não pode, por via de um procedimento cautelar, esgotar o objecto do processo principal.
Se se pensar num sistema em que não existem processos urgentes principais, como a intimação aqui a ser analisada, o juiz cautelar fica confrontado com problema de escolher entre assegurar a tutela dos direitos do particular, mas ultrapassa os poderes de tutela cautelar que lhe são reconhecidos por lei, ou, ao invés, indefere a pretensão formulada e o particular fica irremediavelmente sem tutela, uma vez que quando o juiz do processo principal se pronunciar sobre ela, já será tarde demais, uma vez que o juiz da causa principal nunca chegará a tempo de ditar a justiça para a situação em causa.
Efectivamente, este problema do juiz assenta no factor tempo, em que o particular não pode esperar que o juiz de uma eventual causa se pronuncie sobre a situação requerida. Contudo, o decretamento de uma providência cautelar revela-se impossível e insuficiente para acautelar os direitos que precisam de tutela, face ao factor tempo.
O decretamento de uma providência cautelar revela-se impossível porque o juiz cautelar para se pronunciar terá necessariamente de ir ao fundo da questão e falta-lhe legitimidade para isso. A função do juiz cautelar é apenas assegurar a utilidade de uma sentença que se pronuncie em definitivo sobre a situação jurídica necessitada de tutela. Por isso, o procedimento cautelar é sempre instrumental relativamente a um ouro processo, o principal. Esta relação instrumentalidade existente entre a medida cautelar e o processo principal impede que o juiz possa conceder, através de uma medida cautelar positiva, aquilo que o recorrente só conseguirá obter através do processo principal.
Por outro lado, insuficiente porque a tutela do particular só é garantida mediante uma tutela que incida de forma definitiva sobre o fundo da questão, e não mediante um processo cautelar cuja decisão será provisória. A providência cautelar, pela sua natureza provisória, será sempre insuficiente para regular o litígio em causa eficazmente.
Caso o exercício do direito esteja sujeito a prazo (quando o requerente, ainda que possa voltar a exercer o direito posterior, não obtenha o mesmo resultado que no momento da apresentação do pedido) a tutela sumária prefere à cautelar. No fundo, o que soluciona a questão da opção entre ambas as modalidades é a avaliação da repetição de exercício útil do direito, equacionando os princípios da interferência mínima e da igualdade na reconstituição da situação actual hipotética[xxiv].
Assim, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias permite ao juiz decidir legitimamente as questões de fundo, de modo definitivo, nos casos em que as situações concretas de urgência o exigem efectivamente.


2.              A indispensabilidade da intimação

Relativamente à condição de indispensabilidade, compete ao requerente da intimação alegar e provar, ainda que sumariamente, que só a procedência do pedido de intimação lhe proporcionará a plenitude do exercício do seu direito.
Desta forma, o requerente da intimação não pode apenas alegar uma dificuldade de exercício de um direito, mas também tem que provar que tem uma absoluta e incontornável necessidade da intimação para assegurar a possibilidade de exercer o direito.
Poder-se-á, ainda, por a questão de se saber se a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias se pode desligar do interesse público, e da ponderação dos vários valores públicos e privados que poderão estar envolvidos no processo.
Este meio processual não pode servir para obrigar a Administração, que tem por missão prosseguir o interesse público, no respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos cidadãos, a agir com desprezo pelo interesse geral, em benefício de cidadãos isolados. Ou seja, a concessão da intimação não pode ser desligada de toda e qualquer ponderação de interesses e valores públicos e privados.
Apesar dos preceitos que regulam a intimação não preverem este critério, a decisão da intimação não deve ser tomada descontextualizadamente[xxv]. O requisito da indispensabilidade constitui uma alusão a essa obrigação de ponderação, traduzindo-se implicitamente no não sacrifício intolerável, nem de valores de interesse público, nem de direitos da mesma natureza de outras pessoas.
A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias tem como objectivo assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia, e não forçar a Administração a agir quando estão em causa outros valores ou outros interesses tão dignos de tutela quando os interesses do requerente.



[i] Fonseca, Isabel, Do Novo Contencioso Administrativo e do Direito à Justiça em Prazo Razoável, in Estudos em Comemoração do 10.º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, Almedina, 2004, pp. 339 e ss..
[ii] Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa, Coimbra Editora, 3ª Edição, 1993, pp. 92 e 93.
[iii] Novais, Jorge Reis, As Restrições aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Autorizados pela Constituição, Coimbra Editora, 2003, p. 89.
[iv] Miranda, Jorge, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra Editora, 3ª Edição, 2000, pp. 256 e ss..
[v] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo como Direito Constitucional Concretizado ou Ainda por Concretizar (?), Almedina, 1999, pp. 5 e ss..
[vi] A cuja jurisdição Portugal se submeteu ao ratificar a CEDH, mas que, entretanto, com base no Protocolo n.º 11, em vigor desde 1 de Novembro de 1999, se tornou imperativa para todos os Estados membros do Conselho da Europa.
[vii] Fonseca, Isabel Celeste M., Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo, Lex, 2004, pp. 55 e ss..
[viii] Fonseca, Isabel Celeste M., Dos Novos Processos ..., pp. 55 e ss..
[ix] Como é o caso da intimação para a prática de acto legalmente devido prevista, em matéria urbanística, previsto no artigo 112.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de Setembro.
[x] Almeida, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3.ª Edição, 2004, pp. 225 e ss..
[xi] Canotilho, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 6ª Edição, pp. 501 e 502.
[xii] Gomes, Carla Amado, Contexto, Pretexto, Contexto e Texto da Intimação para a Protecção de Direitos Liberdades e Garantias, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Almedina, V vol., 2002, p. 562.
[xiii] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Almedina, 12ª Edição, 2012, p. 241.
[xiv] Gomes, Carla Amado, Contexto, Pretexto..., p. 564.
[xv] Como por exemplo, o habeas corpus, a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, impugnação urgente de actos de exclusão ou emissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos ou listas eleitorais, a acção constitucional de defesa de direitos dos militantes dos partidos políticos.
[xvi] Fonseca, Isabel, Dos Novos Processos Urgentes..., pp. 78 e ss..
[xvii] O prazo previsto nos artigos 131.º/3 e 111.º/1 é o mesmo – 48 horas-, não se tratando, assim, de uma questão de rapidez na concessão da providência.
[xviii] Por um lado, as situações de impossibilidade do decretamento provisório de uma medida cautelar e, por outro, as situações de insuficiência desse mesmo decretamento provisório.
[xix] É o caso de José Carlos Vieira de Andrade, Mário Aroso de Almeida, Isabel Celeste Fonseca e Carla Amado Gomes.
[xx] O artigo 131.º/6 do CPTA estabelece que, após o decretamento provisório da providência, a decisão é notificada de imediato às autoridades que a devam cumprir, sendo dado às partes o prazo de cinco dias para se pronunciarem sobre a possibilidade de levantamento, manutenção ou alteração da providência, sendo, em seguida o processo concluso, por cinco dias, ao juiz ou relator, para proferir decisão confirmando ou alterando o decidido.
[xxi] Almeida, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo..., 1.ª Edição, pp. 267 e 268.
[xxii] Almeida, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo..., 1ª Edição, p. 268.
[xxiii] Fonseca, Isabel Celeste, Dos Novos Processos Urgentes..., p. 83.
[xxiv] Gomes, Carla Amado Gomes, Contexto, Pretexto..., p.566.
[xxv] Gomes, Carla Amado, Contexto, Pretexto..., p.568.



Leonor Rodrigues Serrasqueiro,

Aluna n.º 22094, da Subturma 4,
Turno do Dia, 4.º Ano



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