Intimação para a Protecção de
Direitos, Liberdades e Garantias
Condições de deferimento da
intimação
Uma das novidades introduzidas pela
reforma do contencioso administrativo foi a importância dada pelo Código de
Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) à tutela principal urgente, ao
autonomizar, no seu título IV, o regime dos principais processos urgentes do
contencioso administrativo, repartido entre “Impugnações Urgentes” e
“Intimações”.
A intimação para a protecção de
direitos, liberdades e garantias é um meio processual urgente para a defesa de
direitos fundamentais, que se caracteriza pela celeridade e pela prioridade, e
que procura responder a situações de urgência em moldes diferentes dos que
resultam de procedimentos cautelares, já que tramita de forma autónoma e decide
uma causa definitivamente quanto ao seu mérito.
Efectivamente, este meio processual
trata-se de uma concretização do comando constitucional que consta do n.º 5, do
artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, ainda, no âmbito
do contencioso administrativo português, uma forma de consagração de um meio
processual eficaz a resolver situações de urgência, em que está em causa a
lesão ou eminência de lesão de direitos, liberdades e garantias, e que requerem
uma tutela de mérito definitiva, não compatível com decisões cautelares.
Exigência de Direito Interno e
Internacional
Enquanto direito fundamental, o
direito de acesso aos tribunais tem vindo a alcançar um significado mais
abrangente, o que implica que haja mais formas de se preverem mecanismos
próprios de tutela das situações de urgência, para além dos procedimentos
cautelares[i].
Isto verifica-se não só no plano de direito interno, principalmente depois da
revisão constitucional de 1997, mas também no plano internacional.
Decorre da alínea b), do artigo 9.º
CRP que uma das tarefas fundamentais do Estado é encarregar-se da defesa e
promoção dos direitos fundamentais. Isto implica uma postura activa, no sentido
de os garantir e de os fazer observar por todos como elementos objectivos da
sociedade[ii].
De acordo com Jorge Reis Novais[iii],
o dever de protecção se traduz numa obrigação abrangente de o Estado conformar
a sua ordem jurídica de tal forma que nela (e através dela) os direitos
fundamentais sejam garantidos e as liberdades neles sustentadas possam
encontrar efectivação. Assim, e por definição, os direitos fundamentais têm de
receber, num Estado de Direito, uma protecção jurisdicional, sob pena de não
valerem inteiramente como direitos[iv].
Os direitos fundamentais consubstanciam-se em regras substantivas, tanto
procedimentais, como processuais, de maneira que, a sua concretização não é
possível sem que existam meios contenciosos adequados, para que se consiga
assegurar a sua tutela plena e efectiva[v].
Esta matéria encontra-se regulada no artigo 20.º da CRP, que assegura o direito
fundamental de acesso aos tribunais, conjugado com o artigo 202.º da CRP, que
refere que só aos tribunais compete assegurar a defesa dos direitos e
interesses legalmente protegidos pelos cidadãos. Contudo, é desde a revisão
constitucional de 1997, que no n.º 4 do artigo 20.º da CRP é expressamente
referido além do direito fundamental de acesso aos tribunais para protecção
efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, também o direito a uma
decisão em prazo razoável e ainda o direito a processos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade para a defesa dos direitos,
liberdades e garantias (n.º 5 do artigo 20.º da CRP). É, assim, da própria
Constituição que deriva a necessidade de se criarem meios processuais que
resolvessem as situações de urgência em moldes diferentes daqueles que resultam
dos procedimentos cautelares.
Mas, não é somente do direito
interno que resulta esta exigência. Também da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem (CEDH) resulta que o direito de
acesso aos tribunais se desdobra em outros direitos, designadamente, no direito
a que uma censura seja resolvida num prazo razoável (artigos 13.º e 6.º, n.º 1
da CEDH). Já o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[vi]
(TEDH) tem entendido que este direito, em conjugação com o direito ao recurso
efectivo, impõe aos Estados a obrigação de preverem processos urgentes e
medidas provisórias para quem recorre, em condições certas e especiais, às
instâncias jurisdicionais internas. A interpretação de “prazo razoável” realizada
pelo TEDH atende a três pressupostos: a complexidade do caso, o modo como as
autoridades judiciárias conduzem o processo e o comportamento mais ou menos
diligente do requerente[vii].
Contudo, esta jurisprudência tem vindo a evoluir e a jurisprudência de
Estrasburgo autonomizou, a partir do primeiro pressuposto, um outro que atende
ao assunto sob o qual incide o processo (tendo em conta a importância do caso,
a natureza da causa e o significado que o processo pode ter para o requerente)
e a urgência na prolação da decisão final.
A jurisprudência do TEDH serve,
assim, para demonstrar que, também fora da esfera nacional, existe uma
preocupação profunda com a forma como os Estados tutelam as situações de urgência.
Os Estados só cumprem a obrigação de julgar, em prazo razoável, casos levados a
tribunal pelos seus cidadãos se, nos modelos processuais de cada Estado,
obrigatoriamente existirem instrumentos que acelerem o processo, ou mesmo
processos urgentes, próprios para proporcionar uma protecção adequada a certas
situações[viii].
No Código
A intimação para a protecção de
direitos, liberdades e garantias está prevista especificamente nos artigos
109.º a 111.º do CPTA, no entanto, encontram-se dispersos pelo Código outros
artigos com relevância para a caracterização daquele meio processual, como
aqueles que se referem ao recurso das decisões proferidas em sede de intimação.
Também fora do CPTA há outras
disposições relevantes para a caracterização da nova intimação, como as que se
encontram no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Trata-se de um meio processual
incluído no Título IV do CPTA, no âmbito dos processos urgentes. Este Título,
por sua vez, está dividido em dois capítulos:
i.
Um
primeiro capítulo dedicado às impugnações urgentes, onde é tratado o
contencioso eleitoral (artigos 97.º a 99.º do CPTA) e o contencioso
pré-contratual (artigos 100.º a 103.º do CPTA).
ii.
Um
segundo capítulo, dedicado às intimações, onde para além da intimação para a
protecção de direitos, liberdades e garantias, se regula a intimação para a
prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, nos
artigos 104.º a 108.º do CPTA.
O
CPTA prevê, desta forma, quatro tipos genéricos de situações em que reconhece
existir a necessidade de obter, com urgência, uma decisão de fundo sobre mérito
de causa, às quais correspondem quatro diferentes modelos de tramitação ou
formas de processo especiais.
Efectivamente,
estas formas de processo são qualificadas, no artigo 36.º, n.º 1 do CPTA, como
formas de processo urgentes, para efeitos de lhes tornar aplicável o regime dos
artigos 36.º, n.º 2, segundo o qual os processos urgentes correm em férias, com
dispensa de vistos prévios, mesmo em fase do recurso jurisdicional, e os actos
da secretaria são praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer
outros e o artigo 147.º, nos termos do qual, de acordo com o seu n.º 1, nos
processos urgentes, os recursos são interpostos no prazo de 15 dias e sobem imediatamente,
no processo principal ou no apenso em que a decisão tenha sido proferida,
quando o processo esteja findo no tribunal recorrido, ou sobem em separado, no
caso contrário. Já segundo o seu n.º 2, os prazos a observar durante o recurso
são reduzidos a metade e o julgamento pelo tribunal superior tem lugar, com
prioridade sobre os demais processos, na sessão imediata à conclusão do
processo para decisão.
O
Título IV limita-se a prever e regular os principais processos urgentes do
contencioso administrativo, não excluindo a existência de quaisquer outros que
possam ser consagrados em legislação especial. A própria
ressalva no início do artigo 36.º do CPTA demonstra isto mesmo. O legislador
tem instituído, em diversos âmbitos[ix],
processos especiais, com carácter urgente, concebidos para intimar a
Administração à prática do acto legalmente devido. Segundo Mário Aroso de
Almeida[x],
tanto as intimações que o CPTA especificadamente prevê, como as intimações que
se encontram previstas em lei avulsa, enquadram-se numa única categoria de
processos especiais, todos eles caracterizados pela urgência, por serem
processos urgentes de imposição, nisso se distinguindo dos processos atípicos,
não urgentes de condenação da Administração, destinados a seguir, conforme os casos,
a tramitação, sempre mais lenta, da acção administrativa comum ou da acção
administrativa especial.
Âmbito de Aplicação
Como primeira nota, há que fazer referencia ao facto
de este novo meio processual procedeu a um alargamento do âmbito de aplicação previsto
no anteprojecto para a providência cautelar urgentíssima. Gomes Canotilho, já a
propósito do n.º 5 do artigo 20.º da CRP, tinha alertado para o problema da
extensão dos processos previstos neste preceito, uma vez que o texto
constitucional apontava apenas para um reduzido âmbito – os direitos,
liberdades e garantias pessoais. Assim, a lei deveria institucionalizar processos
rápidos e prioritários para a defesa de direitos, liberdades e garantias de
participação política e de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores[xi].
Assim,
o CPTA alargou este âmbito a todos os direitos, liberdades e garantias.
Surge,
assim, a questão de saber se, em face da cláusula aberta do artigo 17.º da CRP,
a intimação poderá funcionar quando estiverem em causa direitos fundamentais de
natureza análoga aos direitos fundamentais.
A
separação dos direitos fundamentais em dois Títulos não se apresenta como
radical. Também há direitos reconduzíveis a direitos, liberdades e garantias no
Título III da parte I, bem como em outras partes. Porque assim acontece e
porque a direitos de estrutura análoga deve caber um regime idêntico e análogo,
a Constituição tomou a opção no artigo 17.º de estatuir que o regime dos
direitos, liberdades e garantias se aplicaria aos direitos fundamentais de
natureza análoga. Assim, entende que ambos comungam da mesma natureza que
justifica uma protecção acrescida por parte do Estado.
Pressupostos
Processuais
·
Relativos às partes
Não
havendo no CPTA normas específicas quanto à legitimidade activa no âmbito do
processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, tem
que se aplicar as regras gerais da legitimidade activa, que se encontram no n.º
1 do artigo 9.º do CPTA. Desta forma, parte legitima para requerer a intimação
será “ todo aquele que alegar e provar sumariamente a ameaça de lesão (ou
início de lesão) de um direito liberdade e garantia através de uma acção ou
omissão, jurídica ou material, de entidades prossecutoras de funções
materialmente administrativas”[xii].
Também se pode admitir a possibilidade de a intimação poder ser requerida
singularmente ou em coligação, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo
12.º do CPTA.
Já
quanto à legitimidade passiva, a intimação para a protecção de direitos,
liberdades e garantias pode ser requerida contra a Administração (n.º 1, do
artigo 109.º do CPTA) ou contra outras entidades que exerçam funções
materialmente administrativas, como os concessionários (n.º 2, do artigo 109.º
do CPTA). Neste caso, e salvo especial urgência, o particular só deverá ser
intimado subsidiariamente em relação à Administração. Vieira de Andrade defende que, em regra,
deve-se exigir a solicitação prévia ao órgão administrativo competente da medida
administrativa omitida, da mesma forma que acontece nos restantes processos de
intimação e de condenação primária[xiii].
Dado que, também não existem regras especiais quanto à legitimidade passiva,
aplicam-se as regras gerais que constam do artigo 10.º do CPTA. Contudo, em
situações de maior complexidade, poderá haver lugar à identificação de
contra-interessados. Nestes casos, terá de se recorrer ao n.º 3, do artigo
110.º do CPTA, para aplicação do disposto do artigo 83.º do CPTA.
·
Relativos ao Tribunal
Segundo a alínea a),
do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF, cabe à jurisdição administrativa a apreciação
dos litígios que tenham por objecto a tutela dos direitos fundamentais. Já de
acordo com o n.º 1, do artigo 44.º do ETAF, são os tribunais administrativos de
círculo os competentes para tomar conhecimento dos pedidos de intimação em
primeira instância.
Quanto à competência
territorial, terá de se considerar os artigos 16.º e seguintes do CPTA e,
especificamente, o n.º 5, do artigo 20.º do CPTA, segundo o qual os processos
de intimação, que não sejam relativos a pedidos de intimação para a prestação
de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, devem ser
instaurados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a
omissão pretendidos.
·
Relativos ao Processo
Em
relação às condições de deferimento da intimação, o artigo 109.º do CPTA refere
duas condições para que a intimação para a protecção de direitos liberdades e
garantias possa ser deferida: a subsidiariedade da intimação relativo ao
decretamento provisório de uma providência cautelar e a indispensabilidade da
intimação para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e
garantia.
1.
A
subsidiariedade da intimação relativo ao decretamento provisório de uma providência
cautelar.
De acordo com o n.º 1
do artigo 109.º do CPTA, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e
garantias só poderá será accionada quando, no caso, não seja possível ou
suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar segundo o
disposto no artigo 131.º do CPTA. Isto quer dizer, que a intimação para a
protecção de direitos, liberdades e garantias é subsidiária face aos
procedimentos cautelares. Resta, porém, ver qual é a extensão da subsidiariedade
definida nessa norma.
De facto, está aqui
em causa o problema de se saber se a intimação para a protecção de direitos,
liberdades e garantias é subsidiária relativamente às providências cautelares
de carácter genérico, de acordo com o artigo 131.º do CPTA, ou relativamente a
qualquer providência cautelar específica de protecção sumária de direitos,
liberdades e garantias, como, por exemplo, o habeas corpus.
De acordo com Carla
Amado Gomes[xiv],
“a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias só será
admissível se o direito que, em concreto, se encontra ameaçado não puder ser
tutelado com mais eficácia (leia-se: adequação e plenitude) por qualquer outra
providência especificamente orientada para a sua defesa”.
Assim, se o legislador
estabeleceu um nexo de subsidiariedade entre a intimação e o decretamento
provisório de qualquer providência cautelar de natureza genérica, por maioria
de razão também se deve entender que esteja em causa uma providência cautelar
especificamente orientada para a defesa de certos direitos, liberdades e
garantias[xv].
Providência essa que, tanto poderá caber na jurisdição administrativa, como em
qualquer outra jurisdição (civil, criminal ou laboral).
O que permite
caracterizar a subsidiariedade da intimação relativamente à providência é a
capacidade ou incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente a
questão. Desta forma, tanto nas situações de providências cautelares genéricas,
como no caso de providências cautelares especificamente destinadas a acautelar
certos direitos, a sentença não tem como efeito ditar definitivamente o
direito, e, assim, nessa medida, ambos sofrem da mesma insuficiência para
resolver, em termos de mérito, uma questão.
A subsidiariedade
prevista no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA é, desta forma, mais ampla do que
aquilo que a norma estipula, já que o recurso à intimação tem igualmente como
pressuposto a inexistência de qualquer outro meio processual especial de defesa
de direitos, liberdades e garantias[xvi].
Relativamente ao n.º
1, do artigo 109.º do CPTA, há ainda que referir o problema que passa por saber
em que consiste a referida subsidiariedade, isto é, quando é que a intimação
prefere ao decretamento provisório de uma providência cautelar, uma vez que,
segundo este preceito, a intimação deverá ser usada sempre que o decretamento
provisório de uma providência cautelar não seja possível ou suficiente
para assegurar uma protecção eficaz dos direitos, liberdades e garantias em
questão.
Esses dois critérios
em relação ao decretamento provisório de uma providência cautelar constituem,
efectivamente, o centro da análise para a aferição das situações em que se
impõe o recurso à intimação. Esta análise, por sua vez, é que vai revelar
quando é que a intimação se impõe frente ao decretamento provisório de uma
medida cautelar, sabendo-se, contudo, que não se trata de uma questão de maior
rapidez na concessão da providência[xvii].
Em primeiro lugar,
contudo, há que fazer referência ao facto de que, embora o CPTA distinga no n.º
1 do art. 109.º duas condições alternativas em que o decretamento provisório de
uma medida cautelar prefere relativamente à intimação para a protecção de
direitos, liberdades e garantias[xviii],
estas condições devem ser aferidas por contraposição às características
próprias das medidas cautelares, ou seja, à provisoriedade e instrumentalidade.
A maior parte da doutrina não tem distinguido as duas situações, analisa-as
tendo em conta estas características das medidas cautelares[xix].
A subsidiariedade da
intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias encontra-se
prevista (no artigo 109.º CPTA), por referência ao decretamento provisório das
medidas cautelares. Assim, é necessário começar por referir o regime
instituído pelo artigo 131.º do CPTA.
Esta norma institui um regime especialmente célere de decretamento, a título
provisório, de providências cautelares destinadas a tutelar direitos,
liberdades e garantias que “de outro modo não possam ser exercidas em tempo
útil”, ou “quando entenda haver especial urgência”. Já segundo o seu n.º 3, o
decretamento provisório deve ser concedido quando o tribunal dê razão à
avaliação que o requerente faz a propósito da urgência, por reconhecer, “a
possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou
garantia invocado” ou “outra situação de especial urgência”.
Desta forma,
entende-se, tendo em conta este regime, que o que se pretende é que, quando as
circunstâncias o justifiquem, o tribunal conceda a providência cautelar
imediatamente após a apresentação do pedido. Essa concessão destina-se a evitar
o periculum in mora do próprio
processo cautelar, evitando, assim, os danos que possam ocorrer na própria
pendência do processo cautelar[xx].
Assim, trata-se de
“antecipar, a título provisório, e apenas para dar resposta a uma situação de
especial urgência durante a pendência do processo cautelar, a concessão de uma
providência cautelar que pode ser decretada nos termos normais e que, por isso,
cumprirá decidir, no momento próprio do processo cautelar se deve ser confirmada
para valer durante a pendência do processo principal”[xxi].
Este decretamento provisório de uma providência cautelar ocorre sem prejuízo da
decisão que venha a ser proferida no processo principal, e até sem prejuízo da
decisão definitiva que, a propósito da manutenção ou não da providência
provisoriamente decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar.
No caso de
decretamento provisório de uma providência cautelar não nos afastamos do
domínio próprio dos procedimentos cautelares, ou seja, permanecemos no âmbito
de situações que necessitam de uma decisão urgente, mas que se satisfazem com
uma provisória, até que, em sede de um processo principal se decida sobre o
fundo da questão e sem se pôr em causa o princípio da tutela jurisdicional
efectiva dos particulares. Assim, mediante o referido decretamento provisório,
o particular vê salvaguardada a sua posi ção em termos adequados.
Segundo Mário Aroso
de Almeida, “estamos perante situações em que a célere emissão de uma decisão
sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger o direito, liberdade
e garantia, na medida em que é, para o efeito, suficiente o decretamento de uma
mera providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada
com a maior urgência, imediatamente após o momento em que seja solicitada”[xxii].
Por outro lado, pode
acontecer que, em determinadas condições, tal decretamento provisório não seja
possível ou suficiente para tutelar eficazmente os direitos dos particulares.
Assim, por vezes, a solução para uma dada situação reclama um juízo definitivo,
uma solução de mérito e não uma composição provisória e instrumental. Nestes
casos, o decretamento provisório de uma medida cautelar não serve, já que, por
sua via, apenas se obtêm composições provisórias e instrumentais dos litígios.
Desta forma, a
impossibilidade e a insuficiência da medida cautelar urgentíssima provisória
estão, assim, estreitamente ligadas com a questão de saber quando é que a
solução dada para uma situação pode advir de um juízo provisório ou definitivo
e quando é que uma situação reclama um juízo que incida sobre o fundo da causa
ou que apenas assegure a utilidade de uma sentença.
As situações urgentes
que reclamam uma decisão de fundo e uma composição definitiva e que não podem
ser tuteladas mediante o decretamento provisório de uma providência cautelar
são aquelas em que o factor “tempo” obriga à emissão de uma decisão que
necessariamente interfere com o objecto de um eventual processo principal. A
decisão proferida nesse processo não pode ter uma natureza provisória. No
fundo, trata-se de casos de natureza improrrogável, que reivindicam uma
composição jurisdicional que não pode ser adiada e que têm uma natureza que não
se coaduna com a provisoriedade jurisdicional. Isto obriga o juiz a
pronunciar-se de forma definitiva, no sentido de uma “solução fatal”, já que
ela vai “matar” a utilidade posterior de todas e qualquer sentença de mérito
que vier a ser emitida no âmbito de um processo principal que conheça sobre
essa situação de modo mais profundo[xxiii].
Se o juiz para garantir a tutela jurisdicional efectiva, e em tempo útil, ao
direito em causa, tem de se intrometer na questão subjacente à causa principal,
tal pronúncia não pode ocorrer no âmbito de um processo, que sendo embora
marcado pela urgência, não visa uma decisão definitiva, mas provisória e
instrumental face a um processo principal que será interposto pelo particular. Para
que possa intrometer-se na questão subjacente à causa principal, o juiz tem
necessariamente de estar legitimado para o fazer. Assim, não pode, por via de
um procedimento cautelar, esgotar o objecto do processo principal.
Se se pensar num
sistema em que não existem processos urgentes principais, como a intimação aqui
a ser analisada, o juiz cautelar fica confrontado com problema de escolher
entre assegurar a tutela dos direitos do particular, mas ultrapassa os poderes
de tutela cautelar que lhe são reconhecidos por lei, ou, ao invés, indefere a
pretensão formulada e o particular fica irremediavelmente sem tutela, uma vez
que quando o juiz do processo principal se pronunciar sobre ela, já será tarde
demais, uma vez que o juiz da causa principal nunca chegará a tempo de ditar a
justiça para a situação em causa.
Efectivamente, este
problema do juiz assenta no factor tempo, em que o particular não pode esperar
que o juiz de uma eventual causa se pronuncie sobre a situação requerida.
Contudo, o decretamento de uma providência cautelar revela-se impossível e
insuficiente para acautelar os direitos que precisam de tutela, face ao factor
tempo.
O decretamento de uma
providência cautelar revela-se impossível porque o juiz cautelar para se
pronunciar terá necessariamente de ir ao fundo da questão e falta-lhe
legitimidade para isso. A função do juiz cautelar é apenas assegurar a
utilidade de uma sentença que se pronuncie em definitivo sobre a situação
jurídica necessitada de tutela. Por isso, o procedimento cautelar é sempre
instrumental relativamente a um ouro processo, o principal. Esta relação
instrumentalidade existente entre a medida cautelar e o processo principal
impede que o juiz possa conceder, através de uma medida cautelar positiva,
aquilo que o recorrente só conseguirá obter através do processo principal.
Por outro lado,
insuficiente porque a tutela do particular só é garantida mediante uma tutela
que incida de forma definitiva sobre o fundo da questão, e não mediante um
processo cautelar cuja decisão será provisória. A providência cautelar, pela
sua natureza provisória, será sempre insuficiente para regular o litígio em
causa eficazmente.
Caso o exercício do direito
esteja sujeito a prazo (quando o requerente, ainda que possa voltar a exercer o
direito posterior, não obtenha o mesmo resultado que no momento da apresentação
do pedido) a tutela sumária prefere à cautelar. No fundo, o que soluciona a
questão da opção entre ambas as modalidades é a avaliação da repetição de
exercício útil do direito, equacionando os princípios da interferência mínima e
da igualdade na reconstituição da situação actual hipotética[xxiv].
Assim, a intimação
para a protecção de direitos, liberdades e garantias permite ao juiz decidir
legitimamente as questões de fundo, de modo definitivo, nos casos em que as
situações concretas de urgência o exigem efectivamente.
2.
A
indispensabilidade da intimação
Relativamente à
condição de indispensabilidade, compete ao requerente da intimação alegar e
provar, ainda que sumariamente, que só a procedência do pedido de intimação lhe
proporcionará a plenitude do exercício do seu direito.
Desta forma, o
requerente da intimação não pode apenas alegar uma dificuldade de exercício de
um direito, mas também tem que provar que tem uma absoluta e incontornável necessidade
da intimação para assegurar a possibilidade de exercer o direito.
Poder-se-á, ainda,
por a questão de se saber se a intimação para a protecção de direitos,
liberdades e garantias se pode desligar do interesse público, e da ponderação
dos vários valores públicos e privados que poderão estar envolvidos no
processo.
Este meio processual
não pode servir para obrigar a Administração, que tem por missão prosseguir o
interesse público, no respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos
cidadãos, a agir com desprezo pelo interesse geral, em benefício de cidadãos
isolados. Ou seja, a concessão da intimação não pode ser desligada de toda e
qualquer ponderação de interesses e valores públicos e privados.
Apesar dos preceitos
que regulam a intimação não preverem este critério, a decisão da intimação não
deve ser tomada descontextualizadamente[xxv].
O requisito da indispensabilidade constitui uma alusão a essa obrigação de
ponderação, traduzindo-se implicitamente no não sacrifício intolerável, nem de
valores de interesse público, nem de direitos da mesma natureza de outras
pessoas.
A intimação para a
protecção de direitos, liberdades e garantias tem como objectivo assegurar o
exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia, e não forçar a
Administração a agir quando estão em causa outros valores ou outros interesses
tão dignos de tutela quando os interesses do requerente.
[i] Fonseca, Isabel, Do
Novo Contencioso Administrativo e do Direito à Justiça em Prazo Razoável,
in Estudos em Comemoração do 10.º
Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, Almedina,
2004, pp. 339 e ss..
[ii] Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa,
Coimbra Editora, 3ª Edição, 1993, pp. 92 e 93.
[iii] Novais, Jorge Reis, As Restrições aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Autorizados
pela Constituição, Coimbra Editora, 2003, p. 89.
[iv] Miranda,
Jorge, Manual de Direito Constitucional,
tomo IV, Coimbra Editora, 3ª Edição, 2000, pp. 256 e ss..
[v] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo como Direito Constitucional Concretizado
ou Ainda por Concretizar (?), Almedina, 1999, pp. 5 e ss..
[vi] A cuja jurisdição Portugal se submeteu ao ratificar a
CEDH, mas que, entretanto, com base no Protocolo n.º 11, em vigor desde 1 de
Novembro de 1999, se tornou imperativa para todos os Estados membros do
Conselho da Europa.
[vii] Fonseca, Isabel Celeste M., Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo, Lex,
2004, pp. 55 e ss..
[ix] Como é o caso da intimação para a prática de acto
legalmente devido prevista, em matéria urbanística, previsto no artigo 112.º do
Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
555/99, de 16 de Dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9
de Setembro.
[x] Almeida, Mário Aroso de, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina,
3.ª Edição, 2004, pp. 225 e ss..
[xi] Canotilho, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 6ª
Edição, pp. 501 e 502.
[xii] Gomes, Carla Amado, Contexto, Pretexto, Contexto e Texto da Intimação para a Protecção de
Direitos Liberdades e Garantias, in Estudos
em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Almedina, V vol.,
2002, p. 562.
[xiii] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Almedina, 12ª Edição, 2012, p. 241.
[xv] Como por exemplo, o habeas corpus, a intimação para a prestação de informações,
consulta de processos ou passagem de certidões, impugnação urgente de actos de
exclusão ou emissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos ou listas
eleitorais, a acção constitucional de defesa de direitos dos militantes dos
partidos políticos.
[xvii] O prazo previsto nos artigos 131.º/3 e 111.º/1 é o
mesmo – 48 horas-, não se tratando, assim, de uma questão de rapidez na
concessão da providência.
[xviii] Por um lado, as situações de impossibilidade do
decretamento provisório de uma medida cautelar e, por outro, as situações de
insuficiência desse mesmo decretamento provisório.
[xix] É o caso de José Carlos Vieira de Andrade, Mário Aroso
de Almeida, Isabel Celeste Fonseca e Carla Amado Gomes.
[xx] O artigo 131.º/6 do CPTA estabelece que, após o
decretamento provisório da providência, a decisão é notificada de imediato às
autoridades que a devam cumprir, sendo dado às partes o prazo de cinco dias
para se pronunciarem sobre a possibilidade de levantamento, manutenção ou
alteração da providência, sendo, em seguida o processo concluso, por cinco
dias, ao juiz ou relator, para proferir decisão confirmando ou alterando o
decidido.
Leonor Rodrigues Serrasqueiro,
Aluna n.º 22094, da Subturma 4,
Turno do Dia, 4.º Ano
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