I
– Aspectos introdutórios
Incluído no nosso sistema de
Contencioso Administrativo, além das acções não urgentes como a acção
administrativa especial e a acção administrativa comum, verifica-se ainda a existência
de processos urgentes (art.º 36.º do CPTA). Estes processos urgentes
caracterizam-se pela maior celeridade de tramitação e decisão (em tese) por
parte dos tribunais, com regras específicas para os prazos e a sua contagem,
devido à sensibilidade e importância das matérias que abordam e tutelam.
As providências cautelares são um
dos processos urgentes previstos no CPTA, decorrem da influência da União
Europeia no progresso do Contencioso Administrativo e do princípio da tutela jurisdicional
efectiva (art.º 268.º da CRP), estes meios específicos de obtenção de um certo
meio de tutela de direitos e interesses caracterizam-se pela atribuição de uma
decisão conservatória ou antecipatória da sua posição, enquanto não há uma
decisão absoluta numa acção principal.
Nas providências cautelares
verifica-se que a sua urgência, tal como em todos os outros, reporta-se à
prioridade nos serviços do tribunal e pelo facto de ter prazos mais curtos e de
estes correram também durante os períodos de férias judiciais.
II
– Caracterização
As características fundamentais das
providências cautelares podem-se subsumir a três características, com base
nestas temos uma visão genérica do seu funcionamento.
1. Instrumentalidade
– relativamente a esta característica pode-se dizer que existe uma relação
umbilical entre a providência cautelar e a acção principal, na medida em que funcionam
como uma antecipação da provável decisão de mérito final, e ainda mais pelos critérios
de legitimidade nos quais tem legitimidade para um providência cautelar quem
tiver legitimidade para a acção principal. Decorre disto que a própria “vida”
da providência depende da acção principal, pois este tem que ser efectivamente
intentada (nos casos em que a providência é requerida antes), (art.º 113.º
CPTA);
2. Provisoriedade
– como se refere no ponto anterior, a vigência de uma providência cautelar
depende da acção principal ser intentada, caso isto não se verifique a
providência caduca (art.º 123.º CPTA). Esta característica deriva da pendência
da acção principal, já que o seu propósito é fornecer um certo nível de tutela
até ao momento em que haja uma efectiva decisão de mérito final, a sua própria
razão de existir é momentânea. Outro elemento importante acerca desta característica
é o facto de as providências cautelares depois de serem decretadas, por não
serem definitivas, podem ser alteradas ou até revogadas na pendência da acção
principal (art.º 124.º CPTA);
3. Sumariedade
– retira-se da natureza destes processos que o vector pelo qual se regem é o
tempo e a possibilidade de ter uma rápida decisão sobre uma matéria, assim
sendo a sumariedade reconduz-se ao facto de o tribunal fazer uma avaliação não
final do processo (mesmo a prova é sumária), é mais leve que na acção
principal. É necessário demonstrar um fundado receio de um prejuízo ou um facto
consumado lesivo, é algo mais superficial (art.º 118.º e 120.º CPTA).
III
– Regime
Neste ponto é importante referir que
existem dois tipos de providências cautelares, as de tipo antecipatório e as de
tipo conservatório. As de tipo antecipatório pretendem uma regulação provisória
de uma realidade que não existe, estão dependentes de uma prestação terceira
para a satisfação do interesse do requerente. Esta prestação pode ou não ser um
acto administrativo, pode ser um mero comportamento. O que se verifica nestes
casos é uma antecipação do provável resultado favorável da acção principal,
desta forma mitigam-se as consequências da demora da decisão principal. Quanto
às de tipo conservatório o requerente pretende manter a realidade que existe,
manter o status quo, deseja a manutenção
ou conservação de um direito em perigo, de forma a evitar uma lesão futura.
Ainda quanto ao regime importante
salientar os requisitos necessários para o decretamento de uma providência
cautelar, são no fundo o que permite chegar a uma decisão fundamentada, para
este propósito serve o artigo 120.º CPTA.
1. Periculum in mora
– no fundo é uma prova da perigosidade para os interesses que se queiram
proteger na acção principal da actuação da administração, ou seja, o risco de
produção de prejuízos de difícil reparação bem como um fundado receio de
situações de facto consumado (art.º 120.º/1 b) e c) CPTA). Este receio tem que
se provado pelo requerente, é sobre este que recai o ónus. De realçar que no
art.º 120.º/1 a) CPTA, este requisito não é necessário. Devem ser utlizados
apenas critérios objectivos e concretos para a análise da pretensão, em função
da utilidade da sentença;
2. Fumus boni iuris
- este requisito exige a existência de uma aparência de bom direito, ou seja, o
juiz deve proceder a um juízo perfunctório da pretensão na acção principal e
conseguir daí inferir da probabilidade de procedência dessa acção, que a
sentença seja favorável. Neste ponto importa realçar a diferença relativamente
às categorias de providências cautelares, ou seja, este critério é visto de
forma diferente numa providência antecipatória e numa conservatória. Ora numa
providência cautelar antecipatória (art.º 120.º/ b) CPTA) o juiz tem que ficar
efectivamente convencido da possível procedência da acção principal, logo, uma
verdadeira aparência de bom direito; já quanto a uma providência cautelar
conservatória este requisito é mais leviano, na medida em que apenas se exige
que não seja manifesta a improcedência da acção principal, tem um carácter
negativo, é um “fumus non malus iuris”;
3. Ponderação
de interesses – este requisito é típico em todas as matérias de Direito
Público, é uma exigência de proporcionalidade, de um equilíbrio entre os
interesses que se opõe em juízo. Importa neste ponto o princípio do interesse
público e o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos, é fundamental um equilíbrio entre ambos. Este
requisito tem uma grande importância, pois ainda que os outros dois se
verifiquem, este basta para a não decretação de uma providência cautelar. Tem
que haver necessidade e adequação naquilo que é concedido, tendo em conta os prejuízos
e lesões possíveis que decorrem da atribuição ou não desta tutela (art.º 120.º/2
CPTA).
IV
– Conclusão
Como tentei demonstrar as
providências cautelares visam proceder a uma tutela primária que, embora mais
fraca que aquela que decorre de uma decisão plena de mérito, é fundamental na
realidade portuguesa do Contencioso Administrativo. A essencialidade desta
figura não é só em Portugal, pois é um direito dos cidadãos de ter uma tutela
jurisdicional efectiva, mas o seu especial interesse no nosso país decorre da
morosidade dos tribunais em decidir e solucionar os processos que têm. Também
devido à importância da Administração na sociedade, em especial na economia, as
providências cautelares são o primeiro meio de tutela jurisdicional da pessoa e
oferecem quase como uma premonição da decisão final. Desta forma considero que
as providências cautelares não são efectivamente a sobremesa antes do prato
principal, mas são sim as entradas enquanto se espera (quase) infindavelmente
pelo prato principal.
Tiago Marques, aluno nº 22113
Bibliografia:
ALMEIDA,
Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra
Reimpressão, 2013.
SILVA,
Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise,
Almedina, Coimbra, 2ª Ed., 2009.
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