quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Providências cautelares – sobremesa antes do prato principal?



I – Aspectos introdutórios

            Incluído no nosso sistema de Contencioso Administrativo, além das acções não urgentes como a acção administrativa especial e a acção administrativa comum, verifica-se ainda a existência de processos urgentes (art.º 36.º do CPTA). Estes processos urgentes caracterizam-se pela maior celeridade de tramitação e decisão (em tese) por parte dos tribunais, com regras específicas para os prazos e a sua contagem, devido à sensibilidade e importância das matérias que abordam e tutelam.
            As providências cautelares são um dos processos urgentes previstos no CPTA, decorrem da influência da União Europeia no progresso do Contencioso Administrativo e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art.º 268.º da CRP), estes meios específicos de obtenção de um certo meio de tutela de direitos e interesses caracterizam-se pela atribuição de uma decisão conservatória ou antecipatória da sua posição, enquanto não há uma decisão absoluta numa acção principal.
            Nas providências cautelares verifica-se que a sua urgência, tal como em todos os outros, reporta-se à prioridade nos serviços do tribunal e pelo facto de ter prazos mais curtos e de estes correram também durante os períodos de férias judiciais.

II – Caracterização 

            As características fundamentais das providências cautelares podem-se subsumir a três características, com base nestas temos uma visão genérica do seu funcionamento.

1.      Instrumentalidade – relativamente a esta característica pode-se dizer que existe uma relação umbilical entre a providência cautelar e a acção principal, na medida em que funcionam como uma antecipação da provável decisão de mérito final, e ainda mais pelos critérios de legitimidade nos quais tem legitimidade para um providência cautelar quem tiver legitimidade para a acção principal. Decorre disto que a própria “vida” da providência depende da acção principal, pois este tem que ser efectivamente intentada (nos casos em que a providência é requerida antes), (art.º 113.º CPTA);
2.      Provisoriedade – como se refere no ponto anterior, a vigência de uma providência cautelar depende da acção principal ser intentada, caso isto não se verifique a providência caduca (art.º 123.º CPTA). Esta característica deriva da pendência da acção principal, já que o seu propósito é fornecer um certo nível de tutela até ao momento em que haja uma efectiva decisão de mérito final, a sua própria razão de existir é momentânea. Outro elemento importante acerca desta característica é o facto de as providências cautelares depois de serem decretadas, por não serem definitivas, podem ser alteradas ou até revogadas na pendência da acção principal (art.º 124.º CPTA);
3.      Sumariedade – retira-se da natureza destes processos que o vector pelo qual se regem é o tempo e a possibilidade de ter uma rápida decisão sobre uma matéria, assim sendo a sumariedade reconduz-se ao facto de o tribunal fazer uma avaliação não final do processo (mesmo a prova é sumária), é mais leve que na acção principal. É necessário demonstrar um fundado receio de um prejuízo ou um facto consumado lesivo, é algo mais superficial (art.º 118.º e 120.º CPTA).

III – Regime 

            Neste ponto é importante referir que existem dois tipos de providências cautelares, as de tipo antecipatório e as de tipo conservatório. As de tipo antecipatório pretendem uma regulação provisória de uma realidade que não existe, estão dependentes de uma prestação terceira para a satisfação do interesse do requerente. Esta prestação pode ou não ser um acto administrativo, pode ser um mero comportamento. O que se verifica nestes casos é uma antecipação do provável resultado favorável da acção principal, desta forma mitigam-se as consequências da demora da decisão principal. Quanto às de tipo conservatório o requerente pretende manter a realidade que existe, manter o status quo, deseja a manutenção ou conservação de um direito em perigo, de forma a evitar uma lesão futura.
            Ainda quanto ao regime importante salientar os requisitos necessários para o decretamento de uma providência cautelar, são no fundo o que permite chegar a uma decisão fundamentada, para este propósito serve o artigo 120.º CPTA.

1.      Periculum in mora – no fundo é uma prova da perigosidade para os interesses que se queiram proteger na acção principal da actuação da administração, ou seja, o risco de produção de prejuízos de difícil reparação bem como um fundado receio de situações de facto consumado (art.º 120.º/1 b) e c) CPTA). Este receio tem que se provado pelo requerente, é sobre este que recai o ónus. De realçar que no art.º 120.º/1 a) CPTA, este requisito não é necessário. Devem ser utlizados apenas critérios objectivos e concretos para a análise da pretensão, em função da utilidade da sentença;
2.      Fumus boni iuris - este requisito exige a existência de uma aparência de bom direito, ou seja, o juiz deve proceder a um juízo perfunctório da pretensão na acção principal e conseguir daí inferir da probabilidade de procedência dessa acção, que a sentença seja favorável. Neste ponto importa realçar a diferença relativamente às categorias de providências cautelares, ou seja, este critério é visto de forma diferente numa providência antecipatória e numa conservatória. Ora numa providência cautelar antecipatória (art.º 120.º/ b) CPTA) o juiz tem que ficar efectivamente convencido da possível procedência da acção principal, logo, uma verdadeira aparência de bom direito; já quanto a uma providência cautelar conservatória este requisito é mais leviano, na medida em que apenas se exige que não seja manifesta a improcedência da acção principal, tem um carácter negativo, é um “fumus non malus iuris”;
3.      Ponderação de interesses – este requisito é típico em todas as matérias de Direito Público, é uma exigência de proporcionalidade, de um equilíbrio entre os interesses que se opõe em juízo. Importa neste ponto o princípio do interesse público e o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, é fundamental um equilíbrio entre ambos. Este requisito tem uma grande importância, pois ainda que os outros dois se verifiquem, este basta para a não decretação de uma providência cautelar. Tem que haver necessidade e adequação naquilo que é concedido, tendo em conta os prejuízos e lesões possíveis que decorrem da atribuição ou não desta tutela (art.º 120.º/2 CPTA).

IV – Conclusão 

            Como tentei demonstrar as providências cautelares visam proceder a uma tutela primária que, embora mais fraca que aquela que decorre de uma decisão plena de mérito, é fundamental na realidade portuguesa do Contencioso Administrativo. A essencialidade desta figura não é só em Portugal, pois é um direito dos cidadãos de ter uma tutela jurisdicional efectiva, mas o seu especial interesse no nosso país decorre da morosidade dos tribunais em decidir e solucionar os processos que têm. Também devido à importância da Administração na sociedade, em especial na economia, as providências cautelares são o primeiro meio de tutela jurisdicional da pessoa e oferecem quase como uma premonição da decisão final. Desta forma considero que as providências cautelares não são efectivamente a sobremesa antes do prato principal, mas são sim as entradas enquanto se espera (quase) infindavelmente pelo prato principal.


    Tiago Marques, aluno nº 22113       
           
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra Reimpressão, 2013.
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, Coimbra, 2ª Ed., 2009.

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