segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A Acção Especial de Condenação à Prática do Acto Administrativo Devido


A secção II do CPTA tem a epígrafe de condenação à prática do acto administrativo devido, que se insere sob a forma de acção especial. Este tipo de acções vem no sentido dos direitos conferidos aos particulares no artigo 268º/4 da CRP: assim, para além da possibilidade de impugnação de um acto da Administração, os particulares têm também o direito de apelar a um tribunal administrativo para que este condene a Administração a praticar um acto que seja legalmente devido.
            Este poder dos Tribunais Administrativos é relativamente recente: no modelo francês de contencioso administrativo, quando ainda influenciado pelo absolutismo, a Administração estava acima de qualquer tipo de condenação à prática de actos. Só com a evolução do Estado de Direito se passou a considerar que os Tribunais Administrativos, sendo plenos tribunais, deviam gozar de plena jurisdição. Assim, não só os Tribunais Administrativos podem condenar a Administração à prática de determinados actos dentro de um prazo estabelecido, mas podem igualmente estabelecer uma sanção pecuniária compulsória para desencorajar o atraso no cumprimento da sentença. Há, portanto, um poder efectivo de controlo sobre a actuação na Administração, cujas dimensões iremos ver a seguir.
           Primeiro que tudo, a acção especial de condenação à prática do acto administrativo devido distingue-se da acção comum enunciado no artigo 37º/2, e): Nesta alínea estão em causa situações em que, por decorrerem directamente de normas jurídico-administrativas ou de um acto já praticado pela Administração, esta tem o dever de adoptar determinadas condutas perante particulares, sejam uma prestação de facto ou a entrega de uma quantia ou de uma coisa. Ou seja, nestas situações o particular já é titular de um direito a uma prestação, e cabe aos tribunais administrativos condenar a Administração a prestá-la – o conteúdo do acto já está definido.
            Pelo contrário, o objecto do pedido de condenação à prática do acto devido prende-se com a pretensão do autor, como o artigo 66º/2 CPT estatui, independentemente dos concretos fundamentos em que se possa ter baseado o acto de indeferimento eventualmente proferido. O autor faz, assim, valer a sua posição subjectiva de conteúdo pretensivo, pedindo o seu reconhecimento pelo Tribunal Administrativo, que se pronuncia nos termos do artigo 71º CPTA. Para que a acção seja procedente, tem de existir:
         -Um acto devido, ou seja que a Administração ilegalmente omitiu ou recusou.
         -Um acto administrativo legalmente pré-determinado, ou de conteúdo discricionário. Relembro aqui que os actos discricionários são aqueles em que a Administração exerce um poder de escolha, sempre de acordo com parâmetros definidos pelo legislador. Nesta última hipótese o tribunal deve seguir a previsão do artigo 71º/2 CPTA, ou seja, nas situações em que se consiga identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal deve determinar o conteúdo do acto a praticar pela Administração (situações de redução da discricionariedade a zero); nas demais situações, o tribunal apenas pode “explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”.
Deste modo, nas situações em que o tribunal chegue à conclusão de que a Administração se encontra legalmente vinculada e que o interessado tem efectivamente direito ao acto peticionado, a sentença proferida deve condená-la a emitir o acto devido, isto é, a condenação tem o efeito semelhante ao que resultaria de um poder de substituição do tribunal, pois que o ente administrativo fica obrigado a praticar o acto ilegalmente recusado ou omitido, com o conteúdo determinado pela sentença. Em contraposição, no âmbito de uma actuação em que a lei atribua poderes discricionários à Administração, o controlo judicial incide apenas sobre os aspectos vinculados da actuação administrativa. No mais, ou seja, quanto ao exercício discricionário inerente ao acto administrativo praticado, o juiz somente pode determinar um eventual vício de que o mesmo padeça e reenviar a decisão à Administração, para que ela re-exerça o seu poder, atendendo ou não a pretensão material do interessado. É uma situação em que tem de se navegar na fronteira entre “administrar” – que está afastado dos tribunais – e “julgar” – que se prende com a verificação da conformidade da actuação das Administração com as regras e os princípios de direito a que estes estão vinculados.



Beatriz Pereira, nº22030

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