sexta-feira, 12 de dezembro de 2014


Dos processos executivos


     Decorrente do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 2.º CPTA), é o novo carácter do processo executivo no contencioso administrativo. Novo carácter na medida em que a anterior lei que regulava o processo administrativo, a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA), concebia o processo executivo como um meio acessório, ao contrário do que faz o CPTA, que o concebe enquanto um meio autónomo.
     Ao contrário dos processos declarativos, por meio dos quais o autor pretende a declaração do Direito e, no âmbito dos quais, o tribunal se pronuncia proclamando a solução que o ordenamento prevê para determinado caso concreto, nos processos executivos está em causa a pretensão dirigida a obter do tribunal a adopção de providências destinadas a uma efectiva concretização daquilo que foi declarado no processo declarativo.
     O processo executivo dirige-se, portanto, a obter a execução do Direito. Esta é uma descrição bem sugestiva por parte de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, na qual está bem percetível a natureza de um processo executivo.
   No âmbito de uma ação executiva, o exequente tem uma pretensão que dirige ao tribunal, pretensão essa que se baseia na existência de um título executivo. Título executivo este que pode consistir numa sentença, ou em qualquer outro documento que possua força de título executivo para os efeitos de uma execução, força essa atribuída pela lei substantiva.
     Os processos executivos estão regulados no CPTA nos artigos 157.º a 179.º, sendo de realçar que o regime previsto no Código apenas se aplica às execuções promovidas contra as entidades públicas, estando as execuções que se dirigem contra particulares sujeitas ao que dispõe a lei processual civil, apesar de correrem termos nos tribunais administrativos (cfr. n.º 1 e n.º 2 do artigo 157.º).
     Neste ponto cumpre proceder a um esclarecimento de marcada importância.
     Uma parte da doutrina (na qual se incluem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, RUI CHANCERELLE DE MACHETE e VIEIRA DE ANDRADE) pronuncia-se no sentido de que a referência que se faz no n.º 1 do artigo 157.º a entidades públicas terá de compreender igualmente, além das pessoas coletivas de direito público, outras entidades, nomeadamente entidades privadas que disponham de prerrogativas de poder público.
     Como se referiu já, um processo executivo resulta da existência de um título executivo, que se pode basear, como já referido, numa sentença. Estão aqui em causa as sentenças emanadas dos próprios tribunais administrativos (cfr. n.º1 e n.º 2 do artigo 157.º). Igualmente, tal título pode resultar de atos administrativos inimpugnáveis de que resultem direitos para particulares a que a Administração não dê a devida execução e, neste caso, um interessado, um terceiro, pode lançar mão de uma ação executiva (n.º 3 do artigo 157.º), bem como com base em qualquer outro título executivo que pode ser acionado contra a Administração (cfr. o mesmo n.º 3), estando agora em causa os documentos que, para além das sentenças, o artigo 703.º do CPC qualifica, em geral, como títulos executivos.
     O n.º 4 do artigo 157.º vem densificar um pouco o preceituado no seu n.º 3, ao referir que tais situações podem consistir em pretensões dirigidas ao tribunal com o intuito de obter sentenças que produzam os efeitos de alvará ilegalmente recusado ou omitido. Este é um preceito meramente exemplificativo, que avança com uma situação típica, podendo ser possível enunciar outros exemplos, como o exemplo de escola de um ato administrativo que ordenou uma demolição de uma construção ilegal, mas em que tal ato não foi objeto de execução material. Assim, sendo que o ato tem um conteúdo desfavorável para o destinatário, admite-se que terceiros (titulares de interesses legalmente protegidos) promovam a execução material do ato por meio de uma ação executiva.
     Os artigos 158.º, 159.º e 160.º referem-se à obrigatoriedade das decisões proferidas pelos tribunais administrativos. Essas decisões prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas, prevalência que se manifesta pelo facto de a lei cominar com a nulidade qualquer ato administrativo que vá contra o conteúdo de uma decisão judicial, fazendo mesmo incorrer em responsabilidade civil, criminal e disciplinar o autor de tal ato (cfr. n.º 1 e n.º 2 do artigo 158.º).
     O n.º 1 do artigo 160.º dispõe que tal obrigatoriedade se impõe a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pelo tribunal, mas refira-se que os recursos jurisdicionais têm, em regra, efeito suspensivo na contagem do prazo (n.º 1 do artigo 143.º).
  O artigo 159.º refere-se às sanções aplicáveis, perante a inexecução por parte da Administração. No entanto, tais sanções não serão aplicadas se, como refere o preceito, houver acordo do interessado ou declaração judicial, em que seja considerada justificada a inexecução, por causa legítima.
    O CPTA institui três formas de processos executivos, que se diferenciam entre si em função do respetivo fim. São elas:

1 – Processo de execução para prestação de factos ou de coisas (artigo 162.º a 169.º);

2 – Processo de execução para pagamento de quantia certa (artigo 170.º a 172.º);

3 – Processo de execução de sentenças de anulação de atos administrativos (artigo 173.º a 179.º).

  Assim, de seguida será feito o estudo de alguns dos mais essenciais aspetos relativamente às três formas de processo.


1 – Processo de execução para prestação de factos ou de coisas


     Esta forma de processo é apta a obter a execução de prestações de facto por parte da Administração, tanto de contéudo positivo como de conteúdo negativo, bem como a realização por parte da mesma de operações materiais, assim como de atos jurídicos (nomeadamente, atos administrativos e regulamentos).
     Aqui há que proceder a um esclarecimento, pois o CPTA faz a diferenciação no regime processual a aplicar consoante estejamos perante prestações de facto infungível ou prestações de facto fungível. Ou seja, quando não esteja em causa a prática de ato administrativo, mas apenas de uma operação material, estamos perante uma prestação de facto fungível e, assim sendo, tal operação pode ser levada a cabo por terceiros que não a entidade obrigada.
     Expliquemos.
    Ao atentar-mos no n.º 3 e no n.º 4 do artigo 167.º, constata-se que os tribunais administrativos podem mesmo requerer a colaboração de outras entidades administrativas para a execução, que não a entidade obrigada a tal! Em consonância com o que se acaba de enunciar está o n.º 5 do mesmo artigo, no qual se dispõe que, estando em causa prestações de facto fungível, o tribunal pode determinar a realização dessa prestação por parte de outrem.
     Mas há que elucidar que a fungibilidade não se esgota quando estão em jogo operações materiais. Ela vai mais longe na medida em que, tal como dispõe o n.º 6 do artigo 167.º, o tribunal se pode substituir à entidade obrigada estando em causa a prática de ato administrativo legalmente devido de conteúdo vinculado, em que o tribunal emite sentença que produza os efeitos do ato ilegalmente omitido.
     Quando esteja em causa um uma prestação de facto infungível, o artigo 168.º institui que em tais casos o tribunal deverá fixar um prazo dentro do qual a Administração deverá realizar a prestação, sob pena da fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso que, para além do prazo estabelecido, se possa possa vir a verificar na execução da sentença, nos casos em que dentro do prazo para a Administração deduzir oposição, não dê execução à sentença nem deduza oposição, ou esta seja julgada improcedente (n.º 1 do artigo 168.º e n.º 1 do artigo 169.º). Isto processa-se desta forma pois quando estamos diante de uma prestação de facto de carácter infungível, não é possível a exigência dirigida a outra entidade que não a obrigada, para que proceda à concretização da situação (à concretização do Direito). Nestes casos o CPTA institui a medida coactiva de sanção pecuniária compulsória.
     Já fizemos referência às causas legítimas de inexecução por parte da Administração. Mas, agora em sede de processo para execução de prestação de factos ou de coisas, vejamos o que dispõe o CPTA.
      Chegados a este ponto, sabe-se já que a Administração tem um dever de proceder à execução das sentenças dos tribunais administrativos. No entanto estará isenta de tal dever se se verificar a ocorrência de causas legítimas de inexecução (n.º 1 do artigo 162.º). Sobre estas rege o artigo 163.º, no qual se refere que apenas constituirão legítimas causas de inexecução a impossibilidade absoluta de cumprimento ou, se da execução da sentença resultar um grave prejuízo para o interesse público. Impõe-se referir aqui que tais causas legítimas apenas se poderão traduzir em circunstâncias supervenientes, ou seja, ocorridas após a prolação da sentença no âmbito do processo declarativo, ou que a Administração não estivesse em condições de invocar no decorrer desse processo (n.º 3 do artigo 163.º), mas tais causas apenas poderão ser invocadas dentro dos três meses do trânsito em julgado da sentença que condenou a Administração à prestação de facto ou de coisa (n.º 1 do artigo 162.º, ex vi do n.º 3 do artigo 163.º).
     Quando se julgue procedente a oposição, por parte da entidade obrigada à execução, fundada em causa legítima de inexecução, o tribunal ordena tanto a notificação da Administração (ou de entidade que disponha de prerrogativas de poder público em relação à qual se aplica o regime das execuções contante do CPTA, como referido supra, por concretização doutrinária), como do exequente para que no prazo de vinte dias acordem num montante de indemnização devida (podendo ser tal prazo prorrogado se for previsível que o acordo se concretize em momento próximo), pelo facto de acorrência de causa legítima de inexecução (n.º 1 do artigo 166.º). O titular do direito conferido pela sentença não pode, claro está, ficar, sem mais, “despido” de qualquer direito perante a existência de uma dessas causas. Se a Administração não proceder ao pagamente da quantia então fixada, há então uma conversão do processo para execução de prestação de factos ou de coisas em processo de execução para pagamento de quantia certa (n.º 3 do artigo 166.º).


2 – Processo de execução para pagamento de quantia certa


    Aqui está em causa um processo executivo pelo qual o exequante pretende o pagamento de quantias em dinheiro.
    Resulta do n.º 1 do artigo 170.º que, quando prazo diferente não resulte da própria sentença, a Administração deverá proceder ao cumprimento de uma obrigação pecuniária no prazo de trinta dias, de forma espontânea.
    Como se viu, em sede de execução para prestação de factos ou de coisas podem ocorrer circunstâncias que se traduzam em legítimas causas de inexecução. No entanto, a entidade obrigada em sede da forma processual agora em apreço não pode lançar mão da ocorrência dessas causas. Isto porque a lei assume desde logo, e bem, que o pagamento de quantias em dinheiro não é absolutamente impossível e que nunca poderá resultar num grave prejuízo para o interesse público. Basta atentar nos preceitos do CPTA dedicados a esta forma de processo executivo. Com efeito, o artigo 171.º institui a possibilidade de oposição por parte da entidade obrigada à execução da sentença que a condenou no pagamento de determinada quantia. Mas repare-se bem:  tal oposição só pode, no entanto, basear-se na invocação de facto superveniente mas, note-se, modificativo ou extintivo da obrigação pecuniária! E não na invocação de impossibilidade absoluta de pagamento como, por exemplo, seria decorrente da inexistência de verbas que permitissem o pagamento. Nem sequer é invocável a ocorrência de graves prejuízos para o interesse público.
     Quanto à inexistência de verbas atente-se, contudo, no n.º 2 do artigo 171.º: apesar de tal circunstância não poder constituir fundamento da oposição, pode ainda assim ser invocada como causa de exclusão da ilicitude da inexecução espontânea, para os efeitos do artigo 159.º, não deixando a falta de verbas, portanto, de ter relevância face ao regime do CPTA.
     Na execução para pagamento de quantias (certas), o CPTA prevê dois tipos específicos de solicitações que o exequente pode dirigir aos tribunais administrativos. Por um lado, pode pedir que seja feita a compensação do seu crédito com dívidas que tenha para com a  pessoa colectiva ou com o ministério em causa (alínea a) do n.º 2 do artigo 170.º). Por outro, pode solicitar o pagamento, que será efetuado por conta da dotação orçamental que esteja inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (alínea b) do n.º 2 do artigo 170.º).


3 – Processo para execução de sentenças de anulação de atos administrativos


   A generalidade da doutrina adopta o entendimento de que o CPTA estruturou o processo para execução de sentenças de anulação de atos administrativos em duas partes distintas: a primeira é relativa ao dever que impende sobre a Administração de executar de forma voluntária as sentenças de anulação (artigos 173.º a 175.º); e a segunda, relativa à execução forçada propriamente dita, perante a falta de uma execução voluntária (artigos 176.º a 179.º).
    As disposições da referida primeira parte não consubstanciam efectivas regras processuais, mas sim regras de carácter material, com natureza substantiva.
    Aqui cumpre chamar a atenção para um aspecto de marcada relevância. Consiste este no facto de o n.º 3 do artigo 47.º fazer a ressalva de que caso o autor no processo declarativo não faça uso da cumulação de pedidos que lhe é admitida fazer pelo CPTA (n.º 2 do artigo 47.º), ainda assim não se preclude a possibilidade de acionar as eventuais pretensões que poderia ter acionado por efeito da cumulação de pedidos, em momento ulterior, nomeadamente num processo de execução de sentença de anulação do ato que haja impugnado.
     Antes de avançar, note-se o seguinte. Grande parte da doutrina chama a atenção para o facto de que o regime constante do capítulo relativo à execução de sentenças de anulação, apesar de se referir, lá está, apenas à anulação, não afasta do seu âmbito de aplicação os casos que se dirijam à execução de sentenças de nulidade ou mesmo de inexistência de atos administrativos. Este é um esclarecimento que, nesta sede, se impunha fazer.
     Tal como já foi referido, os artigos 173.º a 175.º consagram o dever de a Administração proceder voluntariamente à efectiva execução de um qualquer ato seu que haja sido anulado e a forma como tal dever se concretiza.
     Com efeito, o n.º 1 do artigo 173.º dispõe sobre os deveres em que pode ficar constituída a Administração perante a situação de uma sentença de anulação que haja sido proferida. Esses deveres são, no essencial: a) um dever de reconstituição da situação que existiria se o ato administrativo ilegal não tivesse sido praticado; b) cumprir, ainda que tardiamente, os deveres dos quais julgou estar desonerada aquando da vigência do ato ilegal anulado; c) eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente praticadas.
     Se, no prazo de três meses (n.º 1 do artigo 175.º; prazo que se aplica na falta de causa legítima de inexecução), a Administração não extrair as devidas consequências da sentença de anulação que foi proferida pelo tribunal, então o interessado pode dirigir-se ao tribunal, no prazo de seis meses (n.º 1 e n.º 2 do artigo 176.º), pedindo a condenação da Administração a esse cumprimento. Neste caso, seguem-se as regras constantes dos artigos 176.º e seguintes, pois desses artigos constam, como já referido, as regras da execução forçada.


     No presente trabalho pretendeu-se proceder a uma análise, ainda que sucinta, do regime processual que o CPTA estabelece relativamente aos processos executivos que, como se sabe, não foram objecto de estudo na disciplina de Contencioso Administrativo.
     Pretendeu-se, assim, apenas realçar os aspetos mais marcantes e característicos do processo executivo.



Bibliografia


Almeida, Mário Aroso de - Manual de Processo Administrativo, 4ª Reimpressão da edição de Novembro de 2010, Almedina, 2014.

Júnior, Edil Batista - A tutela executiva no regime jurídico do código de processo nos tribunais administrativos, Relatório de Doutoramento para a cadeira de Direito Administrativo, apresentado na Faculdade de Direito de Lisboa, sob a orientação do Professor Doutor Fausto de Quadros, 2006.

Machete, Rui Chancerelle de - Execução de sentenças administrativas, Caderno de Justiça Administrativa n.º 34.



Tiago Baptista, subturma 4
aluno n.º 22176

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