Dos processos executivos
Decorrente do princípio da tutela
jurisdicional efetiva (artigo 2.º CPTA), é o novo carácter do processo executivo
no contencioso administrativo. Novo carácter na medida em que a anterior lei
que regulava o processo administrativo, a Lei de Processo dos Tribunais
Administrativos (LPTA), concebia o processo executivo como um meio acessório,
ao contrário do que faz o CPTA, que o concebe enquanto um meio autónomo.
Ao contrário dos processos declarativos,
por meio dos quais o autor pretende a declaração do Direito e, no âmbito dos
quais, o tribunal se pronuncia proclamando a solução que o ordenamento prevê
para determinado caso concreto, nos processos executivos está em causa a
pretensão dirigida a obter do tribunal a adopção de providências destinadas a
uma efectiva concretização daquilo que foi declarado no processo declarativo.
O
processo executivo dirige-se, portanto, a obter a execução do Direito.
Esta é uma descrição bem sugestiva por parte de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, na qual
está bem percetível a natureza de um processo executivo.
No âmbito de uma ação executiva, o
exequente tem uma pretensão que dirige ao tribunal, pretensão essa que se
baseia na existência de um título executivo. Título executivo este que pode
consistir numa sentença, ou em qualquer outro documento que possua força de
título executivo para os efeitos de uma execução, força essa atribuída pela lei
substantiva.
Os processos executivos estão regulados
no CPTA nos artigos 157.º a 179.º, sendo de realçar que o regime previsto no
Código apenas se aplica às execuções promovidas contra as entidades públicas,
estando as execuções que se dirigem contra particulares sujeitas ao que dispõe
a lei processual civil, apesar de correrem termos nos tribunais administrativos
(cfr. n.º 1 e n.º 2 do artigo 157.º).
Neste ponto cumpre proceder a um
esclarecimento de marcada importância.
Uma parte da doutrina (na qual se
incluem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, RUI CHANCERELLE DE MACHETE e VIEIRA DE ANDRADE)
pronuncia-se no sentido de que a referência que se faz no n.º 1 do artigo 157.º
a entidades públicas terá de
compreender igualmente, além das pessoas coletivas de direito público, outras
entidades, nomeadamente entidades privadas que disponham de prerrogativas de
poder público.
Como se referiu já, um processo
executivo resulta da existência de um título executivo, que se pode basear,
como já referido, numa sentença. Estão aqui em causa as sentenças emanadas dos
próprios tribunais administrativos (cfr. n.º1 e n.º 2 do artigo 157.º).
Igualmente, tal título pode resultar de atos administrativos inimpugnáveis de
que resultem direitos para particulares a que a Administração não dê a devida
execução e, neste caso, um interessado, um terceiro, pode lançar mão de uma
ação executiva (n.º 3 do artigo 157.º), bem como com base em qualquer outro
título executivo que pode ser acionado contra a Administração (cfr. o mesmo n.º
3), estando agora em causa os documentos que, para além das sentenças, o artigo 703.º do CPC qualifica, em geral, como títulos executivos.
O n.º 4 do artigo 157.º vem densificar
um pouco o preceituado no seu n.º 3, ao referir que tais situações podem
consistir em pretensões dirigidas ao tribunal com o intuito de obter sentenças
que produzam os efeitos de alvará ilegalmente recusado ou omitido. Este é um
preceito meramente exemplificativo, que avança com uma situação típica, podendo
ser possível enunciar outros exemplos, como o exemplo de escola de um ato
administrativo que ordenou uma demolição de uma construção ilegal, mas em que
tal ato não foi objeto de execução material. Assim, sendo que o ato tem um
conteúdo desfavorável para o destinatário, admite-se que terceiros (titulares
de interesses legalmente protegidos) promovam a execução material do ato por
meio de uma ação executiva.
Os artigos 158.º, 159.º e 160.º
referem-se à obrigatoriedade das decisões proferidas pelos tribunais
administrativos. Essas decisões prevalecem sobre as de quaisquer autoridades
administrativas, prevalência que se manifesta pelo facto de a lei cominar com a
nulidade qualquer ato administrativo que vá contra o conteúdo de uma decisão
judicial, fazendo mesmo incorrer em responsabilidade civil, criminal e
disciplinar o autor de tal ato (cfr. n.º 1 e n.º 2 do artigo 158.º).
O n.º 1 do artigo 160.º dispõe que tal
obrigatoriedade se impõe a partir do trânsito em julgado da decisão proferida
pelo tribunal, mas refira-se que os recursos jurisdicionais têm, em regra,
efeito suspensivo na contagem do prazo (n.º 1 do artigo 143.º).
O artigo 159.º refere-se às sanções
aplicáveis, perante a inexecução por parte da Administração. No entanto, tais
sanções não serão aplicadas se, como refere o preceito, houver acordo do
interessado ou declaração judicial, em que seja considerada justificada a
inexecução, por causa legítima.
O CPTA institui três formas de processos
executivos, que se diferenciam entre si em função do respetivo fim. São elas:
1 – Processo de execução para prestação
de factos ou de coisas (artigo 162.º a 169.º);
2 – Processo de execução para pagamento
de quantia certa (artigo 170.º a 172.º);
3 – Processo de execução de sentenças de
anulação de atos administrativos (artigo 173.º a 179.º).
Assim, de seguida será feito o estudo de
alguns dos mais essenciais aspetos relativamente às três formas de processo.
1 – Processo de execução para prestação
de factos ou de coisas
Esta forma de processo é apta a obter a
execução de prestações de facto por parte da Administração, tanto de contéudo
positivo como de conteúdo negativo, bem como a realização por parte da mesma de
operações materiais, assim como de atos jurídicos (nomeadamente, atos
administrativos e regulamentos).
Aqui há que proceder a um
esclarecimento, pois o CPTA faz a diferenciação no regime processual a aplicar consoante
estejamos perante prestações de facto infungível ou prestações de facto
fungível. Ou seja, quando não esteja em causa a prática de ato administrativo,
mas apenas de uma operação material, estamos perante uma prestação de facto
fungível e, assim sendo, tal operação pode ser levada a cabo por terceiros que
não a entidade obrigada.
Expliquemos.
Ao atentar-mos no n.º 3 e no n.º 4 do
artigo 167.º, constata-se que os tribunais administrativos podem mesmo requerer
a colaboração de outras entidades administrativas para a execução, que não a
entidade obrigada a tal! Em consonância com o que se acaba de enunciar está o
n.º 5 do mesmo artigo, no qual se dispõe que, estando em causa prestações de
facto fungível, o tribunal pode determinar a realização dessa prestação por
parte de outrem.
Mas há que elucidar que a fungibilidade
não se esgota quando estão em jogo operações materiais. Ela vai mais longe na
medida em que, tal como dispõe o n.º 6 do artigo 167.º, o tribunal se pode
substituir à entidade obrigada estando em causa a prática de ato administrativo
legalmente devido de conteúdo vinculado, em que o tribunal emite sentença que
produza os efeitos do ato ilegalmente omitido.
Quando esteja em causa um uma prestação
de facto infungível, o artigo 168.º institui que em tais casos o tribunal
deverá fixar um prazo dentro do qual a Administração deverá realizar a
prestação, sob pena da fixação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de
atraso que, para além do prazo estabelecido, se possa possa vir a verificar na execução
da sentença, nos casos em que dentro do prazo para a Administração deduzir
oposição, não dê execução à sentença nem deduza oposição, ou esta seja julgada
improcedente (n.º 1 do artigo 168.º e n.º 1 do artigo 169.º). Isto processa-se
desta forma pois quando estamos diante de uma prestação de facto de carácter
infungível, não é possível a exigência dirigida a outra entidade que não a
obrigada, para que proceda à concretização da situação (à concretização do
Direito). Nestes casos o CPTA institui a medida coactiva de sanção pecuniária
compulsória.
Já fizemos referência às causas
legítimas de inexecução por parte da Administração. Mas, agora em sede de
processo para execução de prestação de factos ou de coisas, vejamos o que
dispõe o CPTA.
Chegados a este ponto, sabe-se já que a
Administração tem um dever de proceder à execução das sentenças dos tribunais
administrativos. No entanto estará isenta de tal dever se se verificar a
ocorrência de causas legítimas de inexecução (n.º 1 do artigo 162.º). Sobre
estas rege o artigo 163.º, no qual se refere que apenas constituirão legítimas
causas de inexecução a impossibilidade absoluta de cumprimento ou, se da
execução da sentença resultar um grave prejuízo para o interesse público. Impõe-se
referir aqui que tais causas legítimas apenas se poderão traduzir em
circunstâncias supervenientes, ou seja, ocorridas após a prolação da sentença
no âmbito do processo declarativo, ou que a Administração não estivesse em
condições de invocar no decorrer desse processo (n.º 3 do artigo 163.º), mas
tais causas apenas poderão ser invocadas dentro dos três meses do trânsito em
julgado da sentença que condenou a Administração à prestação de facto ou de
coisa (n.º 1 do artigo 162.º, ex vi
do n.º 3 do artigo 163.º).
Quando se julgue procedente a oposição,
por parte da entidade obrigada à execução, fundada em causa legítima de
inexecução, o tribunal ordena tanto a notificação da Administração (ou de
entidade que disponha de prerrogativas de poder público em relação à qual se
aplica o regime das execuções contante do CPTA, como referido supra, por
concretização doutrinária), como do exequente para que no prazo de vinte dias
acordem num montante de indemnização devida (podendo ser tal prazo prorrogado
se for previsível que o acordo se concretize em momento próximo), pelo facto de
acorrência de causa legítima de inexecução (n.º 1 do artigo 166.º). O titular
do direito conferido pela sentença não pode, claro está, ficar, sem mais, “despido”
de qualquer direito perante a existência de uma dessas causas. Se a
Administração não proceder ao pagamente da quantia então fixada, há então uma
conversão do processo para execução de prestação de factos ou de coisas em
processo de execução para pagamento de quantia certa (n.º 3 do artigo 166.º).
2 – Processo de execução para pagamento
de quantia certa
Aqui está em causa um processo executivo
pelo qual o exequante pretende o pagamento de quantias em dinheiro.
Resulta do n.º 1 do artigo 170.º que,
quando prazo diferente não resulte da própria sentença, a Administração deverá
proceder ao cumprimento de uma obrigação pecuniária no prazo de trinta dias, de
forma espontânea.
Como se viu, em sede de execução para
prestação de factos ou de coisas podem ocorrer circunstâncias que se traduzam
em legítimas causas de inexecução. No entanto, a entidade obrigada em sede da
forma processual agora em apreço não pode lançar mão da ocorrência dessas
causas. Isto porque a lei assume desde logo, e bem, que o pagamento de quantias
em dinheiro não é absolutamente impossível e que nunca poderá resultar num
grave prejuízo para o interesse público. Basta atentar nos preceitos do CPTA
dedicados a esta forma de processo executivo. Com efeito, o artigo 171.º
institui a possibilidade de oposição por parte da entidade obrigada à execução
da sentença que a condenou no pagamento de determinada quantia. Mas repare-se
bem: tal oposição só pode, no entanto,
basear-se na invocação de facto superveniente mas, note-se, modificativo ou
extintivo da obrigação pecuniária! E não na invocação de impossibilidade
absoluta de pagamento como, por exemplo, seria decorrente da inexistência de
verbas que permitissem o pagamento. Nem sequer é invocável a ocorrência de
graves prejuízos para o interesse público.
Quanto à inexistência de verbas
atente-se, contudo, no n.º 2 do artigo 171.º: apesar de tal circunstância não
poder constituir fundamento da oposição, pode ainda assim ser invocada como
causa de exclusão da ilicitude da inexecução espontânea, para os efeitos do
artigo 159.º, não deixando a falta de verbas, portanto, de ter
relevância face ao regime do CPTA.
Na execução para pagamento de quantias
(certas), o CPTA prevê dois tipos específicos de solicitações que o exequente
pode dirigir aos tribunais administrativos. Por um lado, pode pedir que seja
feita a compensação do seu crédito com dívidas que tenha para com a pessoa colectiva ou com o ministério em causa
(alínea a) do n.º 2 do artigo 170.º). Por outro, pode solicitar o pagamento,
que será efetuado por conta da dotação orçamental que esteja inscrita à ordem
do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (alínea b) do n.º
2 do artigo 170.º).
3 – Processo para execução de sentenças
de anulação de atos administrativos
A generalidade da doutrina adopta o
entendimento de que o CPTA estruturou o processo para execução de sentenças de
anulação de atos administrativos em duas partes distintas: a primeira é
relativa ao dever que impende sobre a Administração de executar de forma
voluntária as sentenças de anulação (artigos 173.º a 175.º); e a segunda,
relativa à execução forçada propriamente dita, perante a falta de uma execução
voluntária (artigos 176.º a 179.º).
As disposições da referida primeira
parte não consubstanciam efectivas regras processuais, mas sim regras de
carácter material, com natureza substantiva.
Aqui cumpre chamar a atenção para um
aspecto de marcada relevância. Consiste este no facto de o n.º 3 do artigo 47.º
fazer a ressalva de que caso o autor no processo declarativo não faça uso da
cumulação de pedidos que lhe é admitida fazer pelo CPTA (n.º 2 do artigo 47.º),
ainda assim não se preclude a possibilidade de acionar as eventuais pretensões
que poderia ter acionado por efeito da cumulação de pedidos, em momento
ulterior, nomeadamente num processo de execução de sentença de anulação do ato
que haja impugnado.
Antes de avançar, note-se o seguinte. Grande
parte da doutrina chama a atenção para o facto de que o regime constante do
capítulo relativo à execução de sentenças de anulação, apesar de se referir, lá
está, apenas à anulação, não afasta do seu âmbito de aplicação os casos que se
dirijam à execução de sentenças de nulidade ou mesmo de inexistência de atos
administrativos. Este é um esclarecimento que, nesta sede, se impunha fazer.
Tal como já foi referido, os artigos
173.º a 175.º consagram o dever de a Administração proceder voluntariamente à
efectiva execução de um qualquer ato seu que haja sido anulado e a forma como
tal dever se concretiza.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 173.º
dispõe sobre os deveres em que pode ficar constituída a Administração perante a
situação de uma sentença de anulação que haja sido proferida. Esses deveres
são, no essencial: a) um dever de
reconstituição da situação que existiria se o ato administrativo ilegal não
tivesse sido praticado; b) cumprir,
ainda que tardiamente, os deveres dos quais julgou estar desonerada aquando da
vigência do ato ilegal anulado; c) eventual
substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente
praticadas.
Se, no prazo de três meses (n.º 1 do
artigo 175.º; prazo que se aplica na falta de causa legítima de inexecução), a
Administração não extrair as devidas consequências da sentença de anulação que
foi proferida pelo tribunal, então o interessado pode dirigir-se ao tribunal, no
prazo de seis meses (n.º 1 e n.º 2 do artigo 176.º), pedindo a condenação da
Administração a esse cumprimento. Neste caso, seguem-se as regras constantes
dos artigos 176.º e seguintes, pois desses artigos constam, como já referido, as
regras da execução forçada.
No presente trabalho pretendeu-se
proceder a uma análise, ainda que sucinta, do regime processual que o CPTA
estabelece relativamente aos processos executivos que, como se sabe, não foram
objecto de estudo na disciplina de Contencioso Administrativo.
Pretendeu-se, assim, apenas realçar os
aspetos mais marcantes e característicos do processo executivo.
Bibliografia
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Machete, Rui Chancerelle de - Execução de sentenças administrativas, Caderno de Justiça Administrativa n.º 34.
Tiago Baptista, subturma 4
aluno n.º 22176
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