A
Administração do Estado Pós-Social, período que atravessamos atualmente, é
marcada pela característica da multilateralidade das relações. As decisões administrativas
não afetam apenas relações bilaterais mas tendem tipicamente a afetar um grande
número de sujeitos, sendo a atuação da Administração marcada por uma
multipolaridade de partes nas relações que constitui. Dada esta realidade, há necessidade de se alargar
a proteção dos privados, recorrendo-se a um conceito mais amplo de direito
subjetivo, que tem por base os direitos fundamentais. (1)
O legislador da reforma teve em
atenção esta nova conjetura e criou a figura dos contra-interessados como
sujeitos processuais, sendo eles também intervenientes das relações jurídicas
multilaterais. Esta parte processual está consagrada no artigo 57.º do CPTA.
Anteriormente à reforma de 2004 do Contencioso
Administrativo, era defensável que os contra-interessados
pudessem intervir constituindo instrumento
pelo qual se obtinha um reforço da postura de defesa de manutenção do ato
recorrido, compondo-se o contra interessado numa espécie de auxiliar ou substituto
processual da Administração, como defendido por Daniele Corletto. Esta ideia é hoje
rejeitada e criticada pelo professor Paulo Otero, pois a intervenção dos contra
interessados não tem como fim auxiliar a Administração na defesa da legalidade
ou do interesse público, mas sim defender a sua posição jurídica material em
face da ação em litígio, não se está aqui perante nenhum mecanismo de substituição
processual. (2)
A figura dos contra-interessados é
invocada aquando de uma situação de litisconsórcio necessário passivo
(subjacente a uma relação multilateral controvertida) na ação administrativa
especial. Para o professor Vasco Pereira da Silva, a denominação desta figura
leva a equívocos, sendo que estes sujeitos deveriam denominar-se “co
-interessados” por terem interesses que coincidem com os interesses da
Administração, ou pelo menos, podem estes ser afetados diretamente na sua
consistência jurídica com a procedência da ação. Para o professor e atualmente,
os contra-interessados não são terceiros mas sim um sujeito autónomo de uma
relação multipolar, sendo parte no processo e gozando dos respetivos poderes e
deveres (artigos 83º e art.91º/nº4
CPTA). Cabe ao tribunal considerar todos os interesses em causa,
sendo imperioso encontrar um ”justo equilíbrio” entre a proteção conjunta e a
proteção individual das posições subjetivas de vantagem dos particulares.(3)
A legitimidade dos contra
interessados encontra-se estabelecida no art.10º/1 do CPTA. O critério de
determinação da parte passiva é o da relação material controvertida, bastando
haver entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor. Realizando
uma análise à luz da Constituição podemos constatar que a participação dos
contra interessados remete para os princípios do direito de acesso à
justiça e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, como se verifica pela
conjugação dos artigos 20.º e 268.º, nº 5 da CRP.
Desta forma, nos processos de impugnação,
os sujeitos das relações multilaterais que correspondam aos contra-interessados
são chamados a intervir no processo obrigatoriamente, sob pena de ilegitimidade
passiva que conduz recusa da
petição inicial à luz do disposto no artigo 80º/nº1 b) do CPTA. Só assim se faz coincidir a relação processual com a substantiva com a relação
material controvertida, como explica Vasco Pereira da Silva.
São de referir também razões de economia
processual e de segurança jurídica que levam à imposição de intervenção dos contra-interessados.
De facto, se com uma sentença não se obtiver a resolução efetiva do litígio,
mediante a intervenção de todos os interessados, incentiva-se a
multiplicidade de sentenças, que podem levar a decisões contraditórias sobre a
mesma situação material. Garante-se assim a eficácia subjetiva do julgado.
(1) - Pereira da Silva, Vasco – O Contencioso no Divã da
Psicanálise, Almedina, 2ª Edição
(2)
- Otero, Paulo – Os Contra-Interessados
em Contencioso Administrativo: fundamento, função e determinação do universo em
recurso contencioso de acto final de procedimento concursal – Estudos em homenagem
ao Professor Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2001
(3) - Pereira da Silva, Vasco – O Contencioso no Divã da
Psicanálise, Almedina, 2ª Edição
Joana Gato,
número 22134
Joana Gato,
número 22134
Bibliografia:
Pereira da Silva, Vasco –
O Contencioso no Divã da Psicanálise, Almedina, 2ª Edição
Aroso de Almeida, Mário –
Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2001
Otero, Paulo – Os
Contra-Interessados em Contencioso Administrativo: fundamento, função e
determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento
concursal – Estudos em homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares, Coimbra
Editora, 2001
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