quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Uma Expressão Processual da Multilateralidade da Atividade Administrativa – Os Contra-Interessados

A Administração do Estado Pós-Social, período que atravessamos atualmente, é marcada pela característica da multilateralidade das relações. As decisões administrativas não afetam apenas relações bilaterais mas tendem tipicamente a afetar um grande número de sujeitos, sendo a atuação da Administração marcada por uma multipolaridade de partes nas relações que constitui. Dada esta realidade, há necessidade de se alargar a proteção dos privados, recorrendo-se a um conceito mais amplo de direito subjetivo, que tem por base os direitos fundamentais. (1)
            O legislador da reforma teve em atenção esta nova conjetura e criou a figura dos contra-interessados como sujeitos processuais, sendo eles também intervenientes das relações jurídicas multilaterais. Esta parte processual está consagrada no artigo 57.º do CPTA.
 Anteriormente à reforma de 2004 do Contencioso Administrativo, era defensável que os contra-interessados pudessem intervir constituindo instrumento pelo qual se obtinha um reforço da postura de defesa de manutenção do ato recorrido, compondo-se o contra interessado numa espécie de auxiliar ou substituto processual da Administração, como defendido por Daniele Corletto. Esta ideia é hoje rejeitada e criticada pelo professor Paulo Otero, pois a intervenção dos contra interessados não tem como fim auxiliar a Administração na defesa da legalidade ou do interesse público, mas sim defender a sua posição jurídica material em face da ação em litígio, não se está aqui perante nenhum mecanismo de substituição processual. (2)
            A figura dos contra-interessados é invocada aquando de uma situação de litisconsórcio necessário passivo (subjacente a uma relação multilateral controvertida) na ação administrativa especial. Para o professor Vasco Pereira da Silva, a denominação desta figura leva a equívocos, sendo que estes sujeitos deveriam denominar-se “co -interessados” por terem interesses que coincidem com os interesses da Administração, ou pelo menos, podem estes ser afetados diretamente na sua consistência jurídica com a procedência da ação. Para o professor e atualmente, os contra-interessados não são terceiros mas sim um sujeito autónomo de uma relação multipolar, sendo parte no processo e gozando dos respetivos poderes e deveres (artigos 83º e art.91º/nº4 CPTA). Cabe ao tribunal considerar todos os interesses em causa, sendo imperioso encontrar um ”justo equilíbrio” entre a proteção conjunta e a proteção individual das posições subjetivas de vantagem dos particulares.(3)
            A legitimidade dos contra interessados encontra-se estabelecida no art.10º/1 do CPTA. O critério de determinação da parte passiva é o da relação material controvertida, bastando haver entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor. Realizando uma análise à luz da Constituição podemos constatar que a participação dos contra interessados remete para os princípios do direito de acesso à justiça e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, como se verifica pela conjugação dos artigos 20.º e 268.º, nº 5 da CRP. 
Desta forma, nos processos de impugnação, os sujeitos das relações multilaterais que correspondam aos contra-interessados são chamados a intervir no processo obrigatoriamente, sob pena de ilegitimidade passiva que conduz recusa da petição inicial à luz do disposto no artigo 80º/nº1 b) do CPTA. Só assim se faz coincidir a relação processual com a substantiva com a relação material controvertida, como explica Vasco Pereira da Silva.
São de referir também razões de economia processual e de segurança jurídica que levam à imposição de intervenção dos contra-interessados. De facto, se com uma sentença não se obtiver a resolução efetiva do litígio, mediante a intervenção de todos os interessados, incentiva-se a multiplicidade de sentenças, que podem levar a decisões contraditórias sobre a mesma situação material. Garante-se assim a eficácia subjetiva do julgado.
           
            (1) - Pereira da Silva, Vasco – O Contencioso no Divã da Psicanálise, Almedina, 2ª Edição

(2) - Otero, Paulo – Os Contra-Interessados em Contencioso Administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal – Estudos em homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2001
            (3) - Pereira da Silva, Vasco – O Contencioso no Divã da Psicanálise, Almedina, 2ª Edição

Joana Gato, 
número 22134

Bibliografia:
Pereira da Silva, Vasco – O Contencioso no Divã da Psicanálise, Almedina, 2ª Edição
Aroso de Almeida, Mário – Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2001

Otero, Paulo – Os Contra-Interessados em Contencioso Administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal – Estudos em homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2001

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