quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O alargamento da jurisdição dos Tribunais Arbitrais




·         Introdução:

            Perante um litígio entre a Administração e particulares recorre-se, normalmente, à via jurisdicional para solucionar o mesmo. No entanto, existe um meio alternativo para a resolução desse litígio: a possibilidade de recorrer aos Tribunais arbitrais.
            A relação da arbitragem com o Contencioso Administrativo encontra-se directamente estabelecida no Art. 180º e seguintes do CPTA. O referido artigo elenca diversas situações em que pode ser constituído um tribunal arbitral.
            De acordo com o Art 1º/5 da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante, LAV), “o Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado”. Deste modo, sempre que se trate de direitos disponíveis, as partes podem optar por celebrar uma convenção de natureza contratual através da qual acordam atribuir a questão em juízo a um árbitro imparcial cuja decisão será reconhecida pela lei como caso julgado. É importante referir que, muitas vezes, o árbitro pode ser escolhido pelas partes (arbitragem ad hoc, que se contrapõe à arbitragem institucionalizada em que o árbitro é uma entidade definida por lei), sendo, portanto, especializado na questão.

            A arbitragem proporciona maior celeridade aos processos e, como tal, na decorrência de exigências europeias de proporcionar meios de recurso eficazes e céleres decisões de forma a assegurar a garantia da tutela jurisdicional efectiva, esta é já uma via jurisdicional natural para a resolução de litígios emergentes da relação jurídico-contratual no âmbito dos Contratos Públicos, estando consagrada no respectivo código (CCP): é o caso, por exemplo, dos Arts. 311º/1, al. b), relativa à modificação objecctiva dos contratos; 330º, al. c), 332º/1, al. e) e 332º/3, quanto à extinção do contrato; e 373º/5 relativo ao preço e prazo de execução dos trabalhos a mais.

            Um dos problemas que pode ser suscitado no recurso à arbitragem é a possibilidade de afastar o interesse público na resolução de conflitos: “na arbitragem assiste-se a uma privatização institucional da decisão”2. Intrinsecamente ligado a esta questão está a possibilidade de se suscitar outros dois problemas: (1) um relativo à separação de poderes, na medida em que, nalgumas disposições, parece haver uma confusão de poderes administrativos com os poderes dos árbitros; (2) a (in)suficiência de conhecimentos técnicos dos árbitros na resolução de litígios emergentes da relações jurídico-administrativas.
            Todas estas questões serão abordadas de seguida, aquando da exposição do tema.


·         Desenvolvimento da arbitrabilidade dos litígios no âmbito da jurisdição administrativa

            Por influência de questões históricas que marcaram fortemente a Administração Pública, a questão da arbitragem colocava-se numa perspectiva “monopolizante” da actividade administrativa: entendia-se que cabia aos Tribunais administrativos o controlo da conformidade dos actos da Administração com a lei, não podendo esta ser resolvida com recurso a tribunais arbitrais. Este entendimento era adoptado pela maioria da doutrina na medida em que se propugnava a ideia de que a jurisdição administrativa era detentora do monopólio contencioso sobre actos administrativos, sendo da competência exclusiva dos tribunais administrativos as matérias de actos unilaterais e autoritários da Administração, não podendo portanto ser substituída pela via arbitral1.

            A previsão legal da arbitrabilidade de questões jurídico-administrativas foi primeiramente consagrada no ETAF de 1984. A matéria encontrava-se regulada no Art 2º/2, que circunscrevia a possibilidade de recorrer aos tribunais arbitrais no âmbito de litígios administrativos, apenas quanto aos domínios do contencioso dos contratos públicos e da responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública. A circunscrição a estas matérias advém de que nestas não estão envolvidos poderes de autoridade da Administração.

            A reforma de 2002 trouxe novidades nesta matéria ao admitir a arbitragem em matéria de actos destacáveis relativos à execução dos contratos e de actos administrativos que pudessem ser revogados sem fundamentos na sua invalidade.

            Actualmente prevê-se o alargamento da jurisdição arbitral com a nova redacção do Art 180º do CPTA. De acordo com o entendimento de Domingos Soares Farinho “é operada uma ampliação objectiva da arbitrabilidade administrativa”.
            A grande inovação no âmbito da arbitragem no contencioso administrativo prende-se com a possibilidade de submeter a um tribunal arbitral o julgamento de questões relativas à validade de actos administrativos.


·         As alterações trazidas pelo Anteprojecto de Revisão do CPTA

            O Anteprojecto de Revisão do CPTA prevê, maioritariamente, a introdução de aspectos substantivos. Formalmente prevê-se a inclusão de um novo preceito, o Art. 186º-A, relativo à publicidade das decisões arbitrais. No que concerne ao direito substantivo, prevê-se as seguintes novidades:

(1) Extensão do catálogo das matérias arbitráveis previsto no Art. 180º/1:
            Das várias alíneas elencadas no referido artigo, é a alínea c), relativa a questões de validade dos actos administrativos, que suscita maior controvérsia.       Tradicionalmente, antes da reforma de 2002, devido a posições doutrinais coerentes com Marcello Caetano, entendia-se que a Administração não se podia comprometer com uma decisão decretada por tribunais arbitrais, excluindo o legislador da arbitragem questões relativas a actos administrativos, começando por admitir somente as matérias relativas a contratos e de responsabilidade. No entanto, a decisão arbitral também é um acto jurisdicional e, como tal, o legislador vem, agora, limitar a apreciação e julgamento arbitrais de atos administrativos às questões respeitantes “a actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade”.
            Tal formulação parece suscitar uma confusão dos poderes administrativos com os poderes dos árbitros mas, apesar de a norma referir como critério de arbitrabilidade a possibilidade de revogação de um acto sem fundamento na sua invalidade, naturalmente que os árbitros se vão pronunciar sobre a validade ou invalidade desses actos e não sobre o mérito dos mesmos. No entanto, a pronúncia sobre a validade ou invalidade ficará limitada aos casos em que essa invalidade ataque actos que pudessem ser revogados também por mérito pois, ainda persiste o entendimento de que os árbitros não oferecem as mesmas garantias de conhecimento e de aplicação da lei que oferecem os juízes administrativos.
            Suzana Tavares da Silva afirma que ainda persiste a falta de especialização quando se trata da arbitragem em matérias de Direito Administrativo porque não existe, em matéria administrativa, uma disposição equivalente ao Art 4º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária que obrigue todos os tribunais arbitrais que vinculam as entidades administrativas a funcionar no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), significando que muitas das arbitragens continuarão a ser feitas ad hoc; nem se exige que todas as decisões arbitrais sejam publicadas no site oficial da CAAD. Esta autora defende que cabe ao legislador impor que todas as arbitragens administrativas sejam vinculadas a um centro de arbitragem, aprovando legislação sobre o funcionamento dessas entidades e os requisitos para a selecção dos árbitros para as listas, aumentando o número de arbitragens institucionalizadas e melhorando, consequentemente, o regime jurídico.
            Porém, este entendimento discriminatório é suscetível de ser ultrapassado: tal como os juízes administrativos, os árbitros decidem com recurso à lei e, tal como defende Sérvulo Correia, dever-se-ia prever a possibilidade de recurso caso a parte vencida entenda ter havido má aplicação do direito.
           
(2) Qualificação da fonte do direito potestativo de celebração do compromisso arbitral   No Anteprojecto substitui-se a referência à lei ordinária (que se entende como remissão para a LAV), por uma remissão para lei especial. Propugna-se, portanto, uma alteração ao modo como se processa a celebração do compromisso arbitral, sendo que na arbitragem administrativa, surge como um direito potestativo dos particulares. Na verdade, a recorrência à arbitragem é potestivamente determinada pelo particular e, a partir do exercício desse direito potestativo, a Administração ficará vinculada à decisão arbitral.
            A remissão para lei especial justifica-se na medida em que, dada a natureza da arbitragem administrativa devem ser acauteladas especificidades de regime no âmbito dos litígios jurídico-administrativos.

(3) Possibilidade de impugnação das decisões arbitrais
            Esta possibilidade estava prevista no antigo Art, 186º do CPTA que foi revogado. Agora, esta possibilidade será explicitamente prevista na nova redacção do Art. 186º. Se antes de ser revogado, o Art 186º tratava tanto da anulação como do recurso da decisão arbitral, agora reporta-se apenas à anulação. Isto significa que apenas poderá ser pedida a anulação da decisão arbitral nos termos do Art. 46º da LAV.

(4) Catálogo das matérias arbitráveis previsto nas alíneas do Art. 187º/1
            Ao contrário do que vinha sendo entendido, o catálogo de matérias administrativas susceptíveis de serem arbitráveis passará a ser meramente exemplificativo. Esta previsão aberta contrasta com o catálogo fechado do Art. 180º/1, parecendo indicar uma preferência pela arbitragem institucionalizada em detrimento da ad hoc pois, todas as matérias administrativas que não constem expressamente no Art 187º mas que possam ser arbitráveis podem sê-lo através de centros de arbitragem.

            A par destas novidades substantivas, os autores do Anteprojecto propõem, como já anteriormente referido, um novo artigo 186º-A respeitante à publicidade de decisões arbitrais cujo objectivo é facilitar o acesso e o escrutínio das decisões arbitrais. Deste modo exige-se que as “decisões proferidas por tribunais arbitrais transitadas em julgado são obrigatoriamente publicadas por via informática, em base de dados organizada pelo Ministério da Justiça”.

·         Conclusão:

            Atendendo ao Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pretende-se alargar o âmbito da arbitrabilidade administrativa.
            Apesar de alguns autores defenderem que a arbitragem não é um meio adequado para o controlo dos actos discricionários da Administração por estes estarem num domínio indisponível em que a própria administração não pode, por via da arbitragem, encarregar terceiros de a substituírem na determinação da melhor decisão (por exemplo, Suzana Tavares da Silva), perfilho da opinião de Domingos Soares Farinho. Este autor admitir a extensão da arbitrabilidade administrativa às questões de validade de todos os actos administrativos (e não apenas aos actos administrativos que apenas possam ser revogados por mérito) pois, os árbitros desempenham também a função jurisdicional, aplicando a lei nos exactos termos em que o faria um juiz administrativo





- Referências bibliográficas:
1 JOÃO CAUPERS, “A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares”, Cadernos de Justiça Administrativa nº13/18
2SUZANA TAVARES DA SILVA, “O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”


- Bibliografia:
·         ALMEIDA, Mário Aroso de, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”
·         SILVA, Suzana Tavares da, “O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”
·         FARINHO, Domingos Soares, “O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”
·         CAUPERS, João, “A arbitragem nos nos litígios entre a administração pública e os particulares”, Cadernos de Justiça Administrativa nº13/18




Rita Alves Proença
22025


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