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Introdução:
Perante
um litígio entre a Administração e particulares recorre-se, normalmente, à via
jurisdicional para solucionar o mesmo. No entanto, existe um meio alternativo
para a resolução desse litígio: a possibilidade de recorrer aos Tribunais
arbitrais.
A
relação da arbitragem com o Contencioso Administrativo encontra-se directamente
estabelecida no Art. 180º e seguintes do CPTA. O referido artigo elenca
diversas situações em que pode ser constituído um tribunal arbitral.
De
acordo com o Art 1º/5 da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante, LAV), “o Estado
e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de
arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais
convenções tiverem por objecto litígios de direito privado”. Deste modo, sempre
que se trate de direitos disponíveis, as partes podem optar por celebrar uma convenção
de natureza contratual através da qual acordam atribuir a questão em juízo a um
árbitro imparcial cuja decisão será reconhecida pela lei como caso julgado. É importante
referir que, muitas vezes, o árbitro pode ser escolhido pelas partes
(arbitragem ad hoc, que se contrapõe à
arbitragem institucionalizada em que o árbitro é uma entidade definida por lei),
sendo, portanto, especializado na questão.
A
arbitragem proporciona maior celeridade aos processos e, como tal, na decorrência
de exigências europeias de proporcionar meios de recurso eficazes e céleres decisões
de forma a assegurar a garantia da tutela jurisdicional efectiva, esta é já uma
via jurisdicional natural para a resolução de litígios emergentes da relação jurídico-contratual
no âmbito dos Contratos Públicos, estando consagrada no respectivo código
(CCP): é o caso, por exemplo, dos Arts. 311º/1, al. b), relativa à modificação objecctiva
dos contratos; 330º, al. c), 332º/1, al. e) e 332º/3, quanto à extinção do
contrato; e 373º/5 relativo ao preço e prazo de execução dos trabalhos a mais.
Um
dos problemas que pode ser suscitado no recurso à arbitragem é a possibilidade
de afastar o interesse público na resolução de conflitos: “na arbitragem
assiste-se a uma privatização institucional da decisão”2.
Intrinsecamente ligado a esta questão está a possibilidade de se suscitar outros
dois problemas: (1) um relativo à separação de poderes, na medida em que,
nalgumas disposições, parece haver uma confusão de poderes administrativos com
os poderes dos árbitros; (2) a (in)suficiência de conhecimentos técnicos dos árbitros
na resolução de litígios emergentes da relações jurídico-administrativas.
Todas
estas questões serão abordadas de seguida, aquando da exposição do tema.
·
Desenvolvimento da
arbitrabilidade dos litígios no âmbito da jurisdição administrativa
Por
influência de questões históricas que marcaram fortemente a Administração
Pública, a questão da arbitragem colocava-se numa perspectiva “monopolizante”
da actividade administrativa: entendia-se que cabia aos Tribunais
administrativos o controlo da conformidade dos actos da Administração com a lei,
não podendo esta ser resolvida com recurso a tribunais arbitrais. Este
entendimento era adoptado pela maioria da doutrina na medida em que se
propugnava a ideia de que a jurisdição administrativa era detentora do monopólio
contencioso sobre actos administrativos, sendo da competência exclusiva dos
tribunais administrativos as matérias de actos unilaterais e autoritários da
Administração, não podendo portanto ser substituída pela via arbitral1.
A
previsão legal da arbitrabilidade de questões jurídico-administrativas foi
primeiramente consagrada no ETAF de 1984. A matéria encontrava-se regulada no
Art 2º/2, que circunscrevia a possibilidade de recorrer aos tribunais arbitrais
no âmbito de litígios administrativos, apenas quanto aos domínios do
contencioso dos contratos públicos e da responsabilidade civil por prejuízos
decorrentes de actos de gestão pública. A circunscrição a estas matérias advém de
que nestas não estão envolvidos poderes de autoridade da Administração.
A
reforma de 2002 trouxe novidades nesta matéria ao admitir a arbitragem em
matéria de actos destacáveis relativos à execução dos contratos e de actos
administrativos que pudessem ser revogados sem fundamentos na sua invalidade.
Actualmente
prevê-se o alargamento da jurisdição arbitral com a nova redacção do Art 180º
do CPTA. De acordo com o entendimento de Domingos
Soares Farinho “é operada uma ampliação objectiva da arbitrabilidade
administrativa”.
A
grande inovação no âmbito da arbitragem no contencioso administrativo prende-se
com a possibilidade de submeter a um tribunal arbitral o julgamento de questões
relativas à validade de actos administrativos.
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As alterações trazidas
pelo Anteprojecto de Revisão do CPTA
O
Anteprojecto de Revisão do CPTA prevê, maioritariamente, a introdução de
aspectos substantivos. Formalmente prevê-se a inclusão de um novo preceito, o
Art. 186º-A, relativo à publicidade das decisões arbitrais. No que concerne ao
direito substantivo, prevê-se as seguintes novidades:
(1) Extensão do catálogo das
matérias arbitráveis previsto no Art. 180º/1:
Das
várias alíneas elencadas no referido artigo, é a alínea c), relativa a questões
de validade dos actos administrativos, que suscita maior controvérsia. Tradicionalmente, antes da reforma de
2002, devido a posições doutrinais coerentes com Marcello Caetano, entendia-se que a Administração não se podia
comprometer com uma decisão decretada por tribunais arbitrais, excluindo o
legislador da arbitragem questões relativas a actos administrativos, começando
por admitir somente as matérias relativas a contratos e de responsabilidade. No
entanto, a decisão arbitral também é um acto jurisdicional e, como tal, o
legislador vem, agora, limitar a apreciação e julgamento arbitrais de atos
administrativos às questões respeitantes “a actos administrativos que possam
ser revogados sem fundamento na sua invalidade”.
Tal
formulação parece suscitar uma confusão dos poderes administrativos com os
poderes dos árbitros mas, apesar de a norma referir como critério de
arbitrabilidade a possibilidade de revogação de um acto sem fundamento na sua
invalidade, naturalmente que os árbitros se vão pronunciar sobre a validade ou
invalidade desses actos e não sobre o mérito dos mesmos. No entanto, a
pronúncia sobre a validade ou invalidade ficará limitada aos casos em que essa
invalidade ataque actos que pudessem ser revogados também por mérito pois, ainda
persiste o entendimento de que os árbitros não oferecem as mesmas garantias de
conhecimento e de aplicação da lei que oferecem os juízes administrativos.
Suzana Tavares da Silva afirma que ainda persiste
a falta de especialização quando se trata da arbitragem em matérias de Direito Administrativo
porque não existe, em matéria administrativa, uma disposição equivalente ao Art
4º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária que obrigue todos
os tribunais arbitrais que vinculam as entidades administrativas a funcionar no
Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), significando que muitas das
arbitragens continuarão a ser feitas ad
hoc; nem se exige que todas as decisões arbitrais sejam publicadas no site
oficial da CAAD. Esta autora defende que cabe ao legislador impor que todas as
arbitragens administrativas sejam vinculadas a um centro de arbitragem,
aprovando legislação sobre o funcionamento dessas entidades e os requisitos
para a selecção dos árbitros para as listas, aumentando o número de arbitragens
institucionalizadas e melhorando, consequentemente, o regime jurídico.
Porém,
este entendimento discriminatório é suscetível de ser ultrapassado: tal como os
juízes administrativos, os árbitros decidem com recurso à lei e, tal como
defende Sérvulo Correia, dever-se-ia
prever a possibilidade de recurso caso a parte vencida entenda ter havido má
aplicação do direito.
(2) Qualificação da fonte do direito
potestativo de celebração do compromisso arbitral No Anteprojecto substitui-se a referência à lei ordinária (que se
entende como remissão para a LAV), por uma remissão para lei especial.
Propugna-se, portanto, uma alteração ao modo como se processa a celebração do
compromisso arbitral, sendo que na arbitragem administrativa, surge como um
direito potestativo dos particulares. Na verdade, a recorrência à arbitragem é
potestivamente determinada pelo particular e, a partir do exercício desse
direito potestativo, a Administração ficará vinculada à decisão arbitral.
A
remissão para lei especial justifica-se na medida em que, dada a natureza da
arbitragem administrativa devem ser acauteladas especificidades de regime no
âmbito dos litígios jurídico-administrativos.
(3) Possibilidade de impugnação das
decisões arbitrais
Esta
possibilidade estava prevista no antigo Art, 186º do CPTA que foi revogado.
Agora, esta possibilidade será explicitamente prevista na nova redacção do Art.
186º. Se antes de ser revogado, o Art 186º tratava tanto da anulação como do
recurso da decisão arbitral, agora reporta-se apenas à anulação. Isto significa
que apenas poderá ser pedida a anulação da decisão arbitral nos termos do Art.
46º da LAV.
(4) Catálogo das matérias arbitráveis
previsto nas alíneas do Art. 187º/1
Ao
contrário do que vinha sendo entendido, o catálogo de matérias administrativas susceptíveis
de serem arbitráveis passará a ser meramente exemplificativo. Esta previsão
aberta contrasta com o catálogo fechado do Art. 180º/1, parecendo indicar uma preferência
pela arbitragem institucionalizada em detrimento da ad hoc pois, todas as matérias administrativas que não constem
expressamente no Art 187º mas que possam ser arbitráveis podem sê-lo através de
centros de arbitragem.
A
par destas novidades substantivas, os autores do Anteprojecto propõem, como já
anteriormente referido, um novo artigo 186º-A respeitante à publicidade de
decisões arbitrais cujo objectivo é facilitar o acesso e o escrutínio das
decisões arbitrais. Deste modo exige-se que as “decisões proferidas por
tribunais arbitrais transitadas em julgado são obrigatoriamente publicadas por
via informática, em base de dados organizada pelo Ministério da Justiça”.
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Conclusão:
Atendendo
ao Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,
pretende-se alargar o âmbito da arbitrabilidade administrativa.
Apesar
de alguns autores defenderem que a arbitragem não é um meio adequado para o
controlo dos actos discricionários da Administração por estes estarem num domínio
indisponível em que a própria administração não pode, por via da arbitragem,
encarregar terceiros de a substituírem na determinação da melhor decisão (por
exemplo, Suzana Tavares da Silva),
perfilho da opinião de Domingos Soares
Farinho. Este autor admitir a extensão da arbitrabilidade administrativa às
questões de validade de todos os actos administrativos (e não apenas aos actos
administrativos que apenas possam ser revogados por mérito) pois, os árbitros
desempenham também a função jurisdicional, aplicando a lei nos exactos termos
em que o faria um juiz administrativo
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Referências bibliográficas:
1
JOÃO CAUPERS, “A arbitragem
nos litígios entre a administração pública e os particulares”, Cadernos de
Justiça Administrativa nº13/18
2SUZANA TAVARES DA SILVA, “O
Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e
do estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”
-
Bibliografia:
·
ALMEIDA,
Mário Aroso de, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”
·
SILVA,
Suzana Tavares da, “O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos e do estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
em Debate”
·
FARINHO,
Domingos Soares, “O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos e do estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em
Debate”
·
CAUPERS,
João, “A arbitragem nos nos litígios entre a administração pública e os
particulares”, Cadernos de Justiça Administrativa nº13/18
Rita Alves Proença
22025
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