quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A acção popular

                                                   


O tema em questão tem como finalidade o conhecimento em maior pormenor da figura da acção popular dando em especial atenção à que está presente no artigo 9.º n.º 2 do CPTA.

Abordando em síntese a origem histórica da acção popular, o Professor Paulo Otero opta por reter 6 ideias das quais faremos um apanhado geral:
(i) tem origem no Direito romano.
(ii) aparece em Portugal pela primeira vez através da Carta Constitucional de 1826 no art. 124.º
(iii) surge pela primeira vez em legislação Administrativa através do Código Administrativo  de 1842, numa espécie acção popular de natureza correctiva, controlando jurisdicionalmente a legalidade de certos actos da Administração.
(iv) consagra-se a acção popular de natureza supletiva através do Código Administrativo de 1878, tendo como objectivo o suprimento das omissões dos órgãos públicos locais na defesa de bens e direitos da Administração.
(v) com a Constituição de 1976 há um significativo alargamento das modalidades de acção popular.
(vi) surge a lei 83/95 que vem desenvolver legislativamente a acção popular.

 Estando incorporada dentro do artigo 9.º do CPTA referente à legitimidade activa, podemos afirmar que a acção popular, também denominada legitimidade para defesa de interesses difusos, é um fenómeno de extensão de legitimidade processual a quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à apreciação do tribunal. Para Paulo Otero trata-se de uma acção judicial distinguindo-se de todas as restantes modalidades de acções pela "amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura." Visa ainda tutelar situações jurídicas materiais que são insusceptíveis de uma apropriação individual, sendo que o actor popular age no interesse geral da comunidade a que pertence.

Assim, e transcrevendo o número da alínea em questão, "independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais." Com esta transcrição conseguimos ver a abrangência não só de quem pode demandar mas também sobre o que pode demandar.

No seu manual de processo administrativo o Professor Aroso de Almeida opta por direcionar  o tema propriamente dito na expressão do art 9.º n.º2 do CPTA "nos termos previstos na lei" e ainda quanto ao gozo dos cidadãos dos seus direitos civis e políticos aludindo à lei 83/95 referente só direito de participação procedimental e de acção popular e ainda ao artigo 52.º n.º 3 ca CRP. Continuando nesta linha de pensamento afirma o Professor que a expressão "nos termos previstos na lei" nos remete para a lei 83/95 e que tal remissão tem um duplo alcance sendo que "por um lado, no plano da legitimidade, tem o alcance de conferir legitimidade activa para defesa de interesses difusos a todos os cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, às associações e fundações defensoras dos interesses em causa, desde que preencham os requisitos mencionados no artigo 3.º da lei n 83/95, e às autarquias locais! em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição.  Por outro lado , no plano do regime processual, na medida em que o legislador entende que os processos intentados nestas circunstâncias apresentam, pois, especificidades que justificam a introdução de adaptações ao modelo de tramitação normal, que constam dos artigos 13.º e seguintes da lei n 83/95 e se consubstanciam num conjunto de soluções especiais nos domínios da admissão da petição inicial (art. 13.º), da representação processual ( art. 14º), da citação dos titulares dos interesses em causa (art. 15.º), da instrução (art. 17.º) , da eficácia dos recursos jurisdicionais (art. 18.º) e dos efeitos do caso julgado (art. 19.º)" verificando-se um estabelecimento de um regime processual próprio. Desta forma podemos assumir que em primeiro lugar não é exigido, para qualquer cidadão, um elemento de conexão de uma qualquer situação de apropriação individual do interesses difuso lesado para o uso da acção popular, sendo que no caso das associações e fundações terá de haver bens ou interesses cuja defesa se inclua expressamente no âmbito das suas atribuições ou dos seus objectivos estatutários respeitando os princípios da territorialidade e especialidade; em segundo lugar existe, tal como atrás demonstrado um regime processual próprio para alguns casos.

Cumpre também analisar muito sucintamente a acção popular presente na Constituição da República portuguesa. Podemos em primeiro lugar afirmar que em termos de legitimidade activa, a CRP consagra dois modelos de acção popular: uma primeira que se trata de acção popular individual, já que pode ser desencadeado em termos pessoais e uma segunda, que se trata de acção popular colectiva já que algumas associações também podem desencadear a acção popular; em segundo lugar a CRP faz uma enumeração de alguns bens tutelados pela acção popular sendo eles a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente, a preservação do património cultural e a defesa dos bens de entidades públicas territoriais. Quanto ao objecto da acção popular, e sem excluir a intervenção do legislador, indica cinco modalidades de acção popular sendo elas a acção popular preventiva; a acção popular destrutiva; a acção popular repressiva; a acção popular indemnizatória e a acção popular supletiva.

Cumpre agora fazer uma análise ao CPTA anotado de Rodrigo Esteves de Oliveira e Mário Esteves de Oliveira. Começa por ser referido que o art. 9.º n.º2 se refere a uma legitimidade impessoal ou social para propor e intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de certos bens e valores constitucionalmente protegidos.
É instituído assim no CPTA, e nas palavras dos autores, "a tutela judicial dos interesses difusos, em relação a certos bens ou valores legal ou constitucionalmente protegidos, numa vertente claramente objectivista do nosso sistema de justiça administrativa, permitindo-se que certas pessoas e organizações, independentemente de qualquer lesão específica da sua esfera jurídica, assumam a defesa ou representação judicial dos interesses gerais da colectividade no legal e regular desempenho da actividade administrativa, quando estejam em causa esses bens e valores constitucionalmente protegidos." Contudo é necessário referir que o 9.º n.º2 não contém a disciplina da legitimidade social ou impessoal, sendo por isso que o legislador advertiu que a cláusula geral do 9.º n.º2 é para fazer valor nos termos previstos na lei, entre outras, a lei 83/95, de 31 de Agosto.
O seu raio de acção esgota-se no âmbito do pressuposto da legitimidade processual activa. Desta forma é possível saber, no que toca aos processos administrativos principais e cautelares, que quando se trata de um bem constitucionalmente protegido qualquer pessoa o pode defender através da acção popular.
O CPTA anotado coloca a interrogação se se bastará a presença de um bem ou valor constitucionalmente protegido para efeitos da legitimação popular ou se é necessário qualquer coisa mais:  por exemplo pode o cidadão de Viana do Castelo instaurar uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé destinado a evitar a construção de uma ponte ambientalmente pouco sã em Castro Marim, sem apresentar qualquer ligação mais ou menos duradoura ou relevante para esse local. Parece-nos que a primeira hipótese é mais viável.

Por último é necessário realçar a apreciação geral feita pelo Professor vasco Pereira da Silva. Afirma o Professor que num Estado de Direito para além da protecção dos direitos dos particulares é também necessário a protecção do interesse público desempenhando, o Contencioso Administrativo, uma função objectiva em que para além de resultar indirectamente da acção para defesa dos direitos, é realizada, de forma imediata, pela intervenção do actor público e do actor popular. Assim, para além dos sujeitos privados que lutam pelos interesses próprios é necessário "considerar como sujeitos processuais o actor público e o actor popular, que actuam para a defesa da legalidade e do interesse público, realizando de forma directa a função objectiva, ainda que no quadro de um processo organizado estruturalmente em termos subjectivos.”


Bibliografia:

-Paulo Otero, A acção popular: configuração e valor no actual Direito português. Revista da ordem dos advogados ano 59, 1999.
-Mario Aroso de Almeida, Sobre a legitimidade popular no Contencioso Administrativo português. Caderno de Justiça Administrativa: Homenagem ao Professor Doutor António Cândido de Oliveira.
-Vasco Pereira da Silva, O Contencioso  Administrativo no divã da psicanálise.
Mario Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo.




  Gonçalo Grilo, n.º20869. Subturma 4











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