quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Processo de Massa urgente – um novo tipo processual urgente


Uma das novidades mais significativas que o Anteprojeto para revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (ACPTA) apresenta é a previsão de um novo tipo processual urgente, denominado “procedimento de massa” e que vem regulado nos artigos 36º, nº 1, alínea b), 97º e 99º do ACPTA.

Sucintamente, este processo de massa urgente é desencadeado por um pedido apresentado por um interessado insatisfeito que se refira a um concurso pessoal , de recrutamento para a Administração Pública ou de realização de provas em que os concorrentes ou os participantes tenham sido em número superior a vinte. Uma vez intentada essa primeira ação, os restantes interessados são avisados da sua propositura  através de publicação de um anúncio e, caso pretendam apresentar pretensões relativas ao procedimento administrativo que a originou, devem coligar-se com o autor, assim participando no processo já em curso. Os demais interessados passam, pois, a estar obrigados a reagir por via do processo administrativo já promovido, não o podendo fazer por meio de um processo autónomo (artigos 99º, nº 1, 97º nº 5 e nº4, 99 nº 4 do ACPTA).

Através deste novo meio processual pretende-se a adaptação do contencioso administrativo ao fenómeno da litigância de massa, a criação de decisões judiciais mais céleres com a atribuição do regime de urgência e também através da imposição de coligação processual, no âmbito da mesma questão material, evitando assim decisões divergentes e múltiplos recursos o que simultaneamente garante um graus mais elevado de tratamento igual a situações iguais.

O processo de massa urgente do (ACPTA) é distinto do mecanismo dos processos em massa regulado no artigo 48º do Código de processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Podemos dizer que o regime do  artigo 48º do CPTA se configura num mecanismo de agilização processual onde o seu nº 1 permite que seja aplicado a realidades processuais já existentes, facultando ,no entanto,nos termos do nº5 à parte que viu o seu processo ser suspenso se não ficar satisfeita com a decisão proferida para o processo(s) selecionados pode requerer a continuação do seu próprio processo “tentando a sua sorte” no processo que a própria intentou. Ao invés o regime do processo de massa urgente dos artigos 97° e 99º do ACPTA corresponde a um novo tipo processual urgente ,destinado a tramitar um conjunto de pretensões processuais referentes às situações previstas no artigo 99º, nº1, alíneas a) a c) do ACPTA, as quais seguirão necessariamente esta via quando se pretenda reagir contenciosamente no quadro de uma dessas situações.
Em resumo , o mecanismo dos processos em massa do artigo 48º do CPTA não é um tipo de processo específico, mas um instituto processual destinado a ser aplicado a tipos de processos já existentes. Por sua vez, o processo de massa urgente previsto nos artigos 97º e 99º do ACPTA é um meio processual autónomo.
Outro traço diferenciador destes dois regimes é o relativo à citação dos interessados. No caso do artigo 82° do CPTA, caso o contrainteressado não se pronuncie no prazo estabelecido, tal não o impede de apresentar uma ação judicial autónoma. Ele poderá fazê-lo desde que naturalmente , os prazos de propositura da ação em causa sejam cumpridos. Ao contrário, no caso do processo de massa urgente dos artigos 97º e 99º do ACPTA, os demais interessados nos procedimentos administrativos envolvidos perdem a possibilidade de apresentar uma ação judicial autónoma se não intervierem no processo em curso.

A nível de regime, os pressupostos de aplicação do processo de massa urgente encontram-se regulados nos artigos 99 nº1 e 97 nº 2 do ACPTA. Fundamentalmente, torna-se necessário que se verifiquem dois pressupostos. Por um lado, estar em causa uma ação de recrutamento ou a realização de uma prova na Administração Pública, artigo 99º nº 1 alíneas a) a c) do ACPTA. Por outro lado, o pedido deve reportar-se à impugnação de um ato ou à condenação da Administração  Pública à prática de atos devidos, artigo 97° nº 2 do ACPTA. Relativamente a este último pressuposto autores como JOÃO TIAGO SILVEIRA e DORA LUCAS NETO defendem que embora estarmos perante um contencioso de atos, não faz sentido o legislador ter excluído a impugnação dos documentos conformadores do concurso ou de quaisquer outras normas concursais , pois nos procedimentos de massa as ilegalidades podem surgir, desde logo, no aviso de abertura do concurso, ao publicitar uma vontade que pode estar já viciada. Assim como, por exemplo, o critério e seleção das matérias publicitadas no aviso/convocatória para prestação de provas ou exames. Por isso defendem os autores referenciados, ser de admitir a cumulação de pedidos, nos termos gerais. Por outro lado, já divergem no que diz respeito à admissibilidade de cumulação de pedidos indemnizatórios, por um lado JOÃO TIAGO SILVEIRA defende a sua admissibilidade pois a procedência da ação indemnizatória depende da análise da validade do ato, já DORA LUCAS NETO defende não ser de admitir a cumulação de pedidos indemnizatórios, pois a complexidade que essa decisão acarreta, de determinação da indemnização devida a cada um dos intervenientes, afetaria a celeridade da decisão que se pretende com este processo de urgente.

Uma vez proposta ação urgente deste tipo, os restantes interessados no procedimento administrativo em causa terão de intervir neste processo, caso pretendam reagir judicialmente, artigos 97º nº4 e  99º nºs 3 e 4 do ACPTA. Se não o fizerem perdem a possibilidade de lançar mão de uma ação administrativa relativamente ao ato impugnado ou para o efeito de pedir a condenação à prática dos atos em causa. Ou seja, devem reagir no processo onde foi proposta a ação em primeiro lugar, sob pena de perderem a oportunidade de fazer valer em juízo a sua posição jurídica. Esta solução permite reagir contra a litigância de massa, ao mesmo tempo que prevê mecanismos que tutelam o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva dos interessados, artigo 97º nº5 do ACPTA, uma vez que é dado a conhecer aos interessados, de antemão, qual o meio utilizado para terem conhecimento das vicissitudes essenciais das quais depende o seu direito e que, após a publicação do ato que poderá ser impugnado é de esperar que possa ser publicado anúncio  relativo à propositura de um processo urgente deste tipo, do qual dependerá a sua possibilidade de reação judicial.

Sentido oposto ao da tutela jurisdicional efetiva parece ser o disposto no artigo 97º Nº3 do ACPTA, pois impede-se que, caso não se tenha reagido contra o ato de homologação da lista de classificação final dos concorrentes num concurso de pessoal, seja possível reagir contenciosamente contra o contrato celebrado com o concorrente vencedor com fundamento em invalidades procedimentais ocorridas no procedimento para produção do ato. Igualmente, se não houver reação contra a afixação do resultado de uma prova escrita enquanto ato externo de avaliação intermédia no decurso de um procedimento administrativo, parece que deixará de existir a possibilidade de reagir contra o resultado final desse procedimento de seleção com fundamento nas invalidades procedimentais ocorridas antes da prova escrita. Parece nesta sede de retomar a crítica de VASCO PEREIRA DA SILVA (1) à “definitividade horizontal” dos atos procedimentais, e a sua contrariedade com o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva pois “o alargamento do universo dos actos recorríveis, intencionado pelo legislador constituinte (artigo 268.º,n.º4), não pode significar a diminuição das hipóteses de recurso contencioso por parte do particular, nomeadamente, através de preclusão da possibilidade de impugnar a decisão administrativa final. A nova formulação do direito fundamental (...) constitui um plus e não um minus relativamente à tradicional garantia de recurso contra os atos definitivos e executórios, pelo que o recurso contra actos de procedimento de carácter lesivo deve acrescer ao (e não substituir o) tradicional direito de recurso contra decisões finais”. É também de notar que face ao elevado número de atos com eficácia externa que podem ser emitidos no decurso de um procedimento administrativo, os interessados, poderão ser obrigados, por cautela processual, a ter de impugnar sistematicamente cada um dos atos antes de proferida a decisão final do procedimento, com evidentes acréscimos de custos, tempo e aumento da congestão processual.

Uma breve nota final relativamente à tramitação processual do processo de massa urgente.

A propositura da ação deve ser efetuada no prazo de um mês, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (artigo 99º, nº2 do ACPTA), só não será assim nos casos dos artigos 99º,nº2 e 20º,nº1 do ACPTA.

O modelo dos articulados deve seguir o disposto numa portaria a emitir pelo Ministro da Justiça (artigo 99º, nº 3 do ACPTA).

Proposta a ação o juiz determina a publicação de anúncio da propositura da ação, para que os interessados se possam coligar na ação proposta, no prazo de dez dias (artigo 97º, nº 5 do ACPTA). Como já referido, após publicação do anúncio, os restantes interessados devem apresentar a sua pretensão no processo já intentado pelo autor inicial, assim promovendo a respetiva coligação processual, sob pena de não poderem reagir por via de um processo autónomo (artigo 97º, nºs 4 e 5 do ACPTA).

Uma vez apresentada a peça processual com os argumentos de facto e de direito que demonstram a pretensão do interessado no prazo estabelecido, produz-se a coligação processual que lhe confere o estatuto de parte no processo (artigo 97º,nº5 do ACPTA).
Pode contudo acontecer os interessados apresentarem várias ações diferentes antes de o tribunal ter promovido  a publicação do anúncio de que o primeiro processo havia dado entrada. Para esse efeito o artigo 99º, nº4 do ACPTA estabelece que os processos sejam obrigatoriamente apensados ao que foi intentado em primeiro lugar.

Finalmente o processo de massa urgente segue uma tramitação urgente caracterizados pelas regras especiais do artigo 99º,nºs 5 e 6 do ACPTA e pelas regras gerais dos processos urgentes.

(1)   VASCO PEREIRA DA SILVA “Em Busca do Acto Aministrativo Perdido”, cit., p. 702

Bibliografia

Aroso, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010

Neto, Dora Lucas, “A urgência no Anteprojeto de revisão do CPTA sob o prisma do novo contencioso dos procedimentos de massa”, em O Anteprojeto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, aafdl, 2014

Silva, Vasco Pereira da
-        Em busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1999
-        O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise,2ª ed. Almedina, Coimbra, 2009

 Silveira, João Tiago, “O processo de massa urgente na revisão do CPTA”, em O Anteprojeto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, aafdl, 2014

Ricardo Estrela,
nº18374, 
Subturma 4


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