“Condenação à abstenção de
comportamentos”
Breve análise artigo 37º nº2 c) do CPTA
(este artigo segue a grafia anterior ao novo acordo ortográfico)
O artigo 37º nº2 c) do CPTA introduz uma permissão de
os particulares pedirem a condenação da Administração à “não emissão de um acto
administrativo”.
O mesmo
preceito prevê a “condenação à adopção de comportamentos”, o que me obriga a
tentar explicar esse tipo de acção administrativa comum.
Este
pedido enquadra-se num tipo de acção impositiva, que se dirige à obtenção da
condenação da Administração. Neste caso, pressupõe-se a existência de actuações
concretas de direito público que não constituam um acto administrativo impugnável,
entendendo-se conceito de comportamento em sentido amplo, de forma a englobar,
tanto os comportamentos propriamente ditos, como as operações materiais e,
também, simples actos jurídicos.
A não
impugnação de um acto administrativo, não impede a uma posterior dedução de um
pedido condenatório enquadrável na acção. Isto quando esteja em causa a tutela
de direitos ou interesses jurídicos afectados pelo desenvolvimento da situação
jurídica constituída por esse acto.
Não
devemos, assim, confundir a “condenação à adopção de comportamentos” com a
figura da “condenação à prática de acto administrativo devido”. Através do
37º/2/c exige-se a realização da actuação material na qual se consubstancia a
prestação que se considera devida e não a emissão de um acto administrativo, do
qual dependa o reconhecimento do direito de eventuais prestações.
Voltando à análise principal;
Esta
permissão constitui uma novidade no nosso regime administrativo. No antigo
contencioso administrativo, existia um monopólio da reacção judicial contra
actos administrativos ou actuações da Administração. A defesa dos interesses
dos cidadãos dependia, assim, da prática de um acto ou actuação que fosse prévio(a)
e lesivo(a).
Com a reforma do Contencioso Administrativo, passou a estar prevista uma acção principal que tutele os interesses dos cidadãos antes da actuação administrativa potencialmente lesiva.
Com a reforma do Contencioso Administrativo, passou a estar prevista uma acção principal que tutele os interesses dos cidadãos antes da actuação administrativa potencialmente lesiva.
Passa,
assim, a existir a possibilidade de uma tutela preventiva (e não repressiva),
como subtipo da acção administrativa comum: a acção preventiva de abstenção (como
no direito alemão, ordem jurídica de onde esta norma foi importada, tendo sido
consagrado, no entanto, uma norma mais abrangente que o modelo orignal).
Sobre este
tema (alargamento destas acções a actos administrativos), diz VASCO PEREIRA DA
SILVA que o meio processual adequado seria o da acção administrativa especial, iure condendo, e não de iure condito (perspectiva seguida pelo
legislador), que, na perspectiva do autor, constitui uma contrariedade com o critério
de delimitação utilizado pelo CPTA para distinguir as acções administrativas.
A acção
prevista no art. 37º nº2 c), desempenha, portanto, uma função de efectivação do
respeito pela legalidade administrativa ao admitir um pedido preventivo de
tutela dirigido à emissão de sentenças de condenação à omissão de perturbações
ilegais ou à imposição de deveres de abstenção.
Sobre a admissibilidade do pedido de
“condenação à abstenção de comportamentos”
A lei não
estabelece requisitos de admissibilidade do pedido de abstenção de um
comportamento. Uma vez que este pedido está inserido no âmbito da acção
administrativa comum, será aplicável o regime no processo civil, no geral, a
esta acção, aplicados ex vi artigo 1º CPTA.
A não existência
de requisitos de admissibilidade deve-se à necessidade de ter em conta a
natureza particular dos valores em causa e a especial ponderação que é exigida,
já que é necessário efectuar juízos de ponderação entre vários interesses
públicos, interesses privados e tutela de terceiros contra-interessados. Como
esta condenação envolve uma avaliação da legalidade da actuação da
Administração ainda antes da prática de um acto, deverão ser adoptadas algumas cautelas.
Se assim não fosse, poderíamos considerar que o juiz poderia intrometer-se na
actividade administrativa, o que poderia dar azo, também, à paralisação da
Administração. Logo, a legitimidade activa e passiva terá uma aplicação
adaptativa efectuada por interpretação das regras constantes nos arts. 9º e 10º
tendo em conta os princípios que regem a atribuição de legitimidade na acção
administrativa especial.
A doutrina mais conservadora, como a de VIEIRA DE ANDRADE, propõe uma interpretação restrictiva do preceito por considerar que a norma constitui uma “disfuncionalidade num sistema de administração executiva”, que “pode interferir no exercício normal da função administrativa”, sugerindo que apenas seja aplicado em situações em que a Administração estivesse formalmente proibida, por lei, de praticar um acto administrativo com o conteúdo em causa.
A doutrina mais conservadora, como a de VIEIRA DE ANDRADE, propõe uma interpretação restrictiva do preceito por considerar que a norma constitui uma “disfuncionalidade num sistema de administração executiva”, que “pode interferir no exercício normal da função administrativa”, sugerindo que apenas seja aplicado em situações em que a Administração estivesse formalmente proibida, por lei, de praticar um acto administrativo com o conteúdo em causa.
O que é um “comportamento” para o
artigo 37 nº2/c)?
Para uma
melhor interpretação da norma é, no meu entender, necessário tentar compreender
o que cabe dentro do termo “comportamentos”. Este problema interpretativo tem
levantado problemas em relação ao objecto da acção de condenação.
Começando pela interpretação da letra da lei; esta faz referência, para além da abstenção, à adopção de comportamentos, como foi acima referido. Aqui, não poderemos integrar os actos administrativos pois, caso contrário, cairíamos no âmbito da acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido. Assim, nestes pedidos só poderão ter como objecto a condenação de actuações da Administração que não sejam actos administrativos. Repito, assim, o que disse em cima ao reafirmar que devemos ler “comportamento” em sentido amplo, em que caberão diversas formas de actuação administrativas para além do acto administrativo.
O objecto desta acção terá que ser sempre a violação de um direito por uma iminente (ou até pela continuação) de uma actuação administrativa. Terá assim, o autor, que alegar que a simples verificação daquela prática provocará danos na sua esfera jurídica.
Visto isto, importa agora perceber que se um “comportamento” deve ser interpretado como abrangendo meras actuações administrativas para a acção impositiva deve, então, ter também esse significado em relação à acção inibitória.
Esta acção de condenação engloba, ao que parece, dois casos. Por um lado, as situações em que a lesão da esfera do particular ainda não foi afectada, mas é possível que seja. Por outro, as situações em que já está a ocorrer a lesão da esfera do particular. Em qualquer um dos casos, o lesado pede ao tribunal que condene a Administração a se abster de continuar o comportamento lesivo, seja ele qual for. Porém, a letra da lei permite concluir que é admissível a utilização da acção de condenação à abstenção de actos administrativos futuros lesivos.
Começando pela interpretação da letra da lei; esta faz referência, para além da abstenção, à adopção de comportamentos, como foi acima referido. Aqui, não poderemos integrar os actos administrativos pois, caso contrário, cairíamos no âmbito da acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido. Assim, nestes pedidos só poderão ter como objecto a condenação de actuações da Administração que não sejam actos administrativos. Repito, assim, o que disse em cima ao reafirmar que devemos ler “comportamento” em sentido amplo, em que caberão diversas formas de actuação administrativas para além do acto administrativo.
O objecto desta acção terá que ser sempre a violação de um direito por uma iminente (ou até pela continuação) de uma actuação administrativa. Terá assim, o autor, que alegar que a simples verificação daquela prática provocará danos na sua esfera jurídica.
Visto isto, importa agora perceber que se um “comportamento” deve ser interpretado como abrangendo meras actuações administrativas para a acção impositiva deve, então, ter também esse significado em relação à acção inibitória.
Esta acção de condenação engloba, ao que parece, dois casos. Por um lado, as situações em que a lesão da esfera do particular ainda não foi afectada, mas é possível que seja. Por outro, as situações em que já está a ocorrer a lesão da esfera do particular. Em qualquer um dos casos, o lesado pede ao tribunal que condene a Administração a se abster de continuar o comportamento lesivo, seja ele qual for. Porém, a letra da lei permite concluir que é admissível a utilização da acção de condenação à abstenção de actos administrativos futuros lesivos.
No entanto,
da conjugação na mesma alínea da possibilidade de condenar a Administração,
quer na adopção, que na abstenção de um comportamento, surge alguma dificuldade
interpretativa. Enquanto que, no primeiro caso, esta acção não poderá englobar
a prática de um acto administrativo, no caso da acção de condenação à abstenção
de um comportamento é exactamente a condenação à não emissão de um acto
administrativo. Apesar da estranheza que a solução legal apresenta, já que
necessariamente dá ao mesmo conceito dois preenchimentos diferentes, esta tem
de ser a solução interpretativa. A acção de condenação à abstenção da prática
de um acto administrativo implica um juízo de legalidade. Este meio processual
é uma nítida forma de concretização do princípio da efectiva tutela
jurisdicional. Existem diversos exemplos de como uma simples actuação a posteriori, através da impugnação de
actos, pode não ser suficiente para remover completamente os danos, daí a
grande utilidade da acção inibitória.
Esta acção
pode ser, também, relevante no caso da Administração manifestar a intenção de
praticar um acto administrativo, mas protele a concretização desse propósito sem
dar seguimento ao procedimento e nos casos em que o regime jurídico aplicável
combine o desrespeito por um acto administrativo com o crime de desobediência.
Acto lesivo como pressuposto
Apesar de a
lei não prever expressamente os pressupostos de admissibilidade, pode ser
retirado, da sua letra, um pressuposto quando está em causa a não emissão de um
acto. Assim, o acto só pode ser objecto de apreciação preventiva de legalidade
se for “provável”. O requisito da probabilidade também deve ser tido em conta porque
a necessidade de tutela jurisdicional só se pode considerar relevante, dando
origem a uma pronúncia pelo tribunal, nesse caso. Não é necessário que o acto
seja certo, mas também não poderá ser uma mera eventualidade, terá de ser provável.
A probabilidade da Administração estar relacionada com a demonstração de que
vai, através de um qualquer meio, adoptar esse comportamento ou que pondera
fazê-lo com alguma certeza. Isto poderá acontecer através de uma “promessa” da
Administração de como irá adoptar uma determinada conduta. A promessa
Administrativa é o acto através da qual a Administração se vincula a praticar
determinado acto no futuro, podendo assim, os particulares, esperar que de
facto isso irá acontecer.
E se não preencher os pressupostos
processuais?
Não se
preenchendo os pressupostos processuais teremos que recorrer ao seu regime
substantivo, uma vez que estamos perante uma acção administrativa comum. Quer
isto dizer que será necessário verificar as consequências do não preenchimento
dos pressupostos processuais face ao preceituado no Código de Processo Civil. A
inexistência de um pressuposto processual corresponde a uma excepção dilatória
(276º nº2 CPC). A frustração do preenchimento deste pressuposto implica a
absolvição do réu da instância (276º nº2; 278 nº 1 e) CPC).
No entanto,
é necessário fazer uma ressalva a este preceito. Como o estabelecimento do
pressuposto do interesse processual visa a protecção da contra-parte e a
economia processual, sempre que seja possível ao tribunal concluir pela
improcedência da acção, pronunciando-se também sobre a matéria, deve fazê-lo em
vez de absolver o réu da instância. Esta ressalva deverá aplicar-se à acção de
condenação.
Sobre a tempestividade
Não está
estabelecido nenhum prazo para a interposição da acção, mas parece se
necessário que, pelo menos, o acto ainda não tenha sido praticado. Assim, os
limites temporais dependem do caso concreto. Se estivermos perante um caso de
condenação à abstenção de mera actuação administrativa já iniciada, parece
natural que esta já tenha começado a ser executada, e ainda não tenha
terminado. Por outro lado, no caso de uma condenação à abstenção de mera
actuação administrativa iminente, é necessário que haja já um risco razoável de
existência e que ainda não tenha iniciado. No entanto, no caso de condenação à
abstenção da prática de um acto administrativo, surgem algumas dúvidas. O
problema será a determinação do momento a partir da qual se pode pedir a
condenação à abstenção. A lei dá-nos o requisito da probabilidade. Assim sendo,
a acção é teoricamente admissível a partir do início do procedimento
administrativo e ao longo do decurso do mesmo. Contudo, a interposição da acção
tem de ser prévia ao momento da emissão de um acto, porque, decorrido esse
período, deveremos recorrer à acção administrativa especial.
Há tutela cautelar?
A reposta é sim,
a acção de condenação à abstenção de comportamentos possibilita o recurso à
tutela cautelar. Em primeiro lugar o art. 112 nº1 está preenchido, e porque é
um dos exemplos previsto no art 112º nº 2 f), na maioria dos casos, quando não
seja concedida a providência cautelar, o acto será praticado antes da
existência de uma sentença sobre a causa passado a julgado. A tutela cautelar é
essencial para paralisar a actuação da Administração, evitando a continuação de
lesão. Como não se trata de uma acção urgente, a sua instauração não tem
qualquer tipo de efeito inibitório. O facto de o efeito útil destas acções
depender, na maioria dos casos, da tutela cautelar, não levantam problemas por
si só. Existem casos de acções de impugnação de actos administrativos em que a
utilidade prática da sentença também depende da existência de medidas
cautelares.
António Pinto Xavier, Nº22242
Bibliografia
- VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (lições),
2011, 11ª Edição
- VASCO PEREIRA DA SILVA, “ O Contencioso Administrativo no
Divã da Psicanálise”, 2ª Edição
- M. TEIXEIRA DE SOUSA, O interesse processual na acção
declarativa
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo,
2010
- RUI TAVARES LACEIRO, A Condenação à Abstenção de
Comportamentos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos
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