quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

“Condenação à abstenção de comportamentos”
 Breve análise artigo 37º nº2 c) do CPTA

(este artigo segue a grafia anterior ao novo acordo ortográfico)


                O artigo 37º nº2 c) do CPTA introduz uma permissão de os particulares pedirem a condenação da Administração à “não emissão de um acto administrativo”.
O mesmo preceito prevê a “condenação à adopção de comportamentos”, o que me obriga a tentar explicar esse tipo de acção administrativa comum.
                Este pedido enquadra-se num tipo de acção impositiva, que se dirige à obtenção da condenação da Administração. Neste caso, pressupõe-se a existência de actuações concretas de direito público que não constituam um acto administrativo impugnável, entendendo-se conceito de comportamento em sentido amplo, de forma a englobar, tanto os comportamentos propriamente ditos, como as operações materiais e, também, simples actos jurídicos.
A não impugnação de um acto administrativo, não impede a uma posterior dedução de um pedido condenatório enquadrável na acção. Isto quando esteja em causa a tutela de direitos ou interesses jurídicos afectados pelo desenvolvimento da situação jurídica constituída por esse acto.
Não devemos, assim, confundir a “condenação à adopção de comportamentos” com a figura da “condenação à prática de acto administrativo devido”. Através do 37º/2/c exige-se a realização da actuação material na qual se consubstancia a prestação que se considera devida e não a emissão de um acto administrativo, do qual dependa o reconhecimento do direito de eventuais prestações.
                                                       
Voltando à análise principal;


Esta permissão constitui uma novidade no nosso regime administrativo. No antigo contencioso administrativo, existia um monopólio da reacção judicial contra actos administrativos ou actuações da Administração. A defesa dos interesses dos cidadãos dependia, assim, da prática de um acto ou actuação que fosse prévio(a) e lesivo(a).
Com a reforma do Contencioso Administrativo, passou a estar prevista uma acção principal que tutele os interesses dos cidadãos antes da actuação administrativa potencialmente lesiva.
Passa, assim, a existir a possibilidade de uma tutela preventiva (e não repressiva), como subtipo da acção administrativa comum: a acção preventiva de abstenção (como no direito alemão, ordem jurídica de onde esta norma foi importada, tendo sido consagrado, no entanto, uma norma mais abrangente que o modelo orignal).
Sobre este tema (alargamento destas acções a actos administrativos), diz VASCO PEREIRA DA SILVA que o meio processual adequado seria o da acção administrativa especial, iure condendo, e não de iure condito (perspectiva seguida pelo legislador), que, na perspectiva do autor, constitui uma contrariedade com o critério de delimitação utilizado pelo CPTA para distinguir as acções administrativas.
A acção prevista no art. 37º nº2 c), desempenha, portanto, uma função de efectivação do respeito pela legalidade administrativa ao admitir um pedido preventivo de tutela dirigido à emissão de sentenças de condenação à omissão de perturbações ilegais ou à imposição de deveres de abstenção.

Sobre a admissibilidade do pedido de “condenação à abstenção de comportamentos”


A lei não estabelece requisitos de admissibilidade do pedido de abstenção de um comportamento. Uma vez que este pedido está inserido no âmbito da acção administrativa comum, será aplicável o regime no processo civil, no geral, a esta acção, aplicados ex vi artigo 1º CPTA.
A não existência de requisitos de admissibilidade deve-se à necessidade de ter em conta a natureza particular dos valores em causa e a especial ponderação que é exigida, já que é necessário efectuar juízos de ponderação entre vários interesses públicos, interesses privados e tutela de terceiros contra-interessados. Como esta condenação envolve uma avaliação da legalidade da actuação da Administração ainda antes da prática de um acto, deverão ser adoptadas algumas cautelas. Se assim não fosse, poderíamos considerar que o juiz poderia intrometer-se na actividade administrativa, o que poderia dar azo, também, à paralisação da Administração. Logo, a legitimidade activa e passiva terá uma aplicação adaptativa efectuada por interpretação das regras constantes nos arts. 9º e 10º tendo em conta os princípios que regem a atribuição de legitimidade na acção administrativa especial.
                A doutrina mais conservadora, como a de VIEIRA DE ANDRADE, propõe uma interpretação restrictiva do preceito por considerar que a norma constitui uma “disfuncionalidade num sistema de administração executiva”, que “pode interferir no exercício normal da função administrativa”, sugerindo que apenas seja aplicado em situações em que a Administração estivesse formalmente proibida, por lei, de praticar um acto administrativo com o conteúdo em causa.

O que é um “comportamento” para o artigo 37 nº2/c)?


Para uma melhor interpretação da norma é, no meu entender, necessário tentar compreender o que cabe dentro do termo “comportamentos”. Este problema interpretativo tem levantado problemas em relação ao objecto da acção de condenação.
Começando pela interpretação da letra da lei; esta faz referência, para além da abstenção, à adopção de comportamentos, como foi acima referido. Aqui, não poderemos integrar os actos administrativos pois, caso contrário, cairíamos no âmbito da acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido. Assim, nestes pedidos só poderão ter como objecto a condenação de actuações da Administração que não sejam actos administrativos. Repito, assim, o que disse em cima ao reafirmar que devemos ler “comportamento” em sentido amplo, em que caberão diversas formas de actuação administrativas para além do acto administrativo.
                O objecto desta acção terá que ser sempre a violação de um direito por uma iminente (ou até pela continuação) de uma actuação administrativa. Terá assim, o autor, que alegar que a simples verificação daquela prática provocará danos na sua esfera jurídica.
                Visto isto, importa agora perceber que se um “comportamento” deve ser interpretado como abrangendo meras actuações administrativas para a acção impositiva deve, então, ter também esse significado em relação à acção inibitória.
                Esta acção de condenação engloba, ao que parece, dois casos. Por um lado, as situações em que a lesão da esfera do particular ainda não foi afectada, mas é possível que seja. Por outro, as situações em que já está a ocorrer a lesão da esfera do particular. Em qualquer um dos casos, o lesado pede ao tribunal que condene a Administração a se abster de continuar o comportamento lesivo, seja ele qual for. Porém, a letra da lei permite concluir que é admissível a utilização da acção de condenação à abstenção de actos administrativos futuros lesivos.
No entanto, da conjugação na mesma alínea da possibilidade de condenar a Administração, quer na adopção, que na abstenção de um comportamento, surge alguma dificuldade interpretativa. Enquanto que, no primeiro caso, esta acção não poderá englobar a prática de um acto administrativo, no caso da acção de condenação à abstenção de um comportamento é exactamente a condenação à não emissão de um acto administrativo. Apesar da estranheza que a solução legal apresenta, já que necessariamente dá ao mesmo conceito dois preenchimentos diferentes, esta tem de ser a solução interpretativa. A acção de condenação à abstenção da prática de um acto administrativo implica um juízo de legalidade. Este meio processual é uma nítida forma de concretização do princípio da efectiva tutela jurisdicional. Existem diversos exemplos de como uma simples actuação a posteriori, através da impugnação de actos, pode não ser suficiente para remover completamente os danos, daí a grande utilidade da acção inibitória.
Esta acção pode ser, também, relevante no caso da Administração manifestar a intenção de praticar um acto administrativo, mas protele a concretização desse propósito sem dar seguimento ao procedimento e nos casos em que o regime jurídico aplicável combine o desrespeito por um acto administrativo com o crime de desobediência.

Acto lesivo como pressuposto


Apesar de a lei não prever expressamente os pressupostos de admissibilidade, pode ser retirado, da sua letra, um pressuposto quando está em causa a não emissão de um acto. Assim, o acto só pode ser objecto de apreciação preventiva de legalidade se for “provável”. O requisito da probabilidade também deve ser tido em conta porque a necessidade de tutela jurisdicional só se pode considerar relevante, dando origem a uma pronúncia pelo tribunal, nesse caso. Não é necessário que o acto seja certo, mas também não poderá ser uma mera eventualidade, terá de ser provável. A probabilidade da Administração estar relacionada com a demonstração de que vai, através de um qualquer meio, adoptar esse comportamento ou que pondera fazê-lo com alguma certeza. Isto poderá acontecer através de uma “promessa” da Administração de como irá adoptar uma determinada conduta. A promessa Administrativa é o acto através da qual a Administração se vincula a praticar determinado acto no futuro, podendo assim, os particulares, esperar que de facto isso irá acontecer.

E se não preencher os pressupostos processuais?


Não se preenchendo os pressupostos processuais teremos que recorrer ao seu regime substantivo, uma vez que estamos perante uma acção administrativa comum. Quer isto dizer que será necessário verificar as consequências do não preenchimento dos pressupostos processuais face ao preceituado no Código de Processo Civil. A inexistência de um pressuposto processual corresponde a uma excepção dilatória (276º nº2 CPC). A frustração do preenchimento deste pressuposto implica a absolvição do réu da instância (276º nº2; 278 nº 1 e) CPC).
No entanto, é necessário fazer uma ressalva a este preceito. Como o estabelecimento do pressuposto do interesse processual visa a protecção da contra-parte e a economia processual, sempre que seja possível ao tribunal concluir pela improcedência da acção, pronunciando-se também sobre a matéria, deve fazê-lo em vez de absolver o réu da instância. Esta ressalva deverá aplicar-se à acção de condenação.

Sobre a tempestividade


Não está estabelecido nenhum prazo para a interposição da acção, mas parece se necessário que, pelo menos, o acto ainda não tenha sido praticado. Assim, os limites temporais dependem do caso concreto. Se estivermos perante um caso de condenação à abstenção de mera actuação administrativa já iniciada, parece natural que esta já tenha começado a ser executada, e ainda não tenha terminado. Por outro lado, no caso de uma condenação à abstenção de mera actuação administrativa iminente, é necessário que haja já um risco razoável de existência e que ainda não tenha iniciado. No entanto, no caso de condenação à abstenção da prática de um acto administrativo, surgem algumas dúvidas. O problema será a determinação do momento a partir da qual se pode pedir a condenação à abstenção. A lei dá-nos o requisito da probabilidade. Assim sendo, a acção é teoricamente admissível a partir do início do procedimento administrativo e ao longo do decurso do mesmo. Contudo, a interposição da acção tem de ser prévia ao momento da emissão de um acto, porque, decorrido esse período, deveremos recorrer à acção administrativa especial.

Há tutela cautelar?


A reposta é sim, a acção de condenação à abstenção de comportamentos possibilita o recurso à tutela cautelar. Em primeiro lugar o art. 112 nº1 está preenchido, e porque é um dos exemplos previsto no art 112º nº 2 f), na maioria dos casos, quando não seja concedida a providência cautelar, o acto será praticado antes da existência de uma sentença sobre a causa passado a julgado. A tutela cautelar é essencial para paralisar a actuação da Administração, evitando a continuação de lesão. Como não se trata de uma acção urgente, a sua instauração não tem qualquer tipo de efeito inibitório. O facto de o efeito útil destas acções depender, na maioria dos casos, da tutela cautelar, não levantam problemas por si só. Existem casos de acções de impugnação de actos administrativos em que a utilidade prática da sentença também depende da existência de medidas cautelares.


António Pinto Xavier, Nº22242



Bibliografia

- VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (lições), 2011, 11ª Edição
- VASCO PEREIRA DA SILVA, “ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2ª Edição
- M. TEIXEIRA DE SOUSA, O interesse processual na acção declarativa
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010

- RUI TAVARES LACEIRO, A Condenação à Abstenção de Comportamentos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos

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