quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Processo de Massa urgente – um novo tipo processual urgente


Uma das novidades mais significativas que o Anteprojeto para revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (ACPTA) apresenta é a previsão de um novo tipo processual urgente, denominado “procedimento de massa” e que vem regulado nos artigos 36º, nº 1, alínea b), 97º e 99º do ACPTA.

Sucintamente, este processo de massa urgente é desencadeado por um pedido apresentado por um interessado insatisfeito que se refira a um concurso pessoal , de recrutamento para a Administração Pública ou de realização de provas em que os concorrentes ou os participantes tenham sido em número superior a vinte. Uma vez intentada essa primeira ação, os restantes interessados são avisados da sua propositura  através de publicação de um anúncio e, caso pretendam apresentar pretensões relativas ao procedimento administrativo que a originou, devem coligar-se com o autor, assim participando no processo já em curso. Os demais interessados passam, pois, a estar obrigados a reagir por via do processo administrativo já promovido, não o podendo fazer por meio de um processo autónomo (artigos 99º, nº 1, 97º nº 5 e nº4, 99 nº 4 do ACPTA).

Através deste novo meio processual pretende-se a adaptação do contencioso administrativo ao fenómeno da litigância de massa, a criação de decisões judiciais mais céleres com a atribuição do regime de urgência e também através da imposição de coligação processual, no âmbito da mesma questão material, evitando assim decisões divergentes e múltiplos recursos o que simultaneamente garante um graus mais elevado de tratamento igual a situações iguais.

O processo de massa urgente do (ACPTA) é distinto do mecanismo dos processos em massa regulado no artigo 48º do Código de processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Podemos dizer que o regime do  artigo 48º do CPTA se configura num mecanismo de agilização processual onde o seu nº 1 permite que seja aplicado a realidades processuais já existentes, facultando ,no entanto,nos termos do nº5 à parte que viu o seu processo ser suspenso se não ficar satisfeita com a decisão proferida para o processo(s) selecionados pode requerer a continuação do seu próprio processo “tentando a sua sorte” no processo que a própria intentou. Ao invés o regime do processo de massa urgente dos artigos 97° e 99º do ACPTA corresponde a um novo tipo processual urgente ,destinado a tramitar um conjunto de pretensões processuais referentes às situações previstas no artigo 99º, nº1, alíneas a) a c) do ACPTA, as quais seguirão necessariamente esta via quando se pretenda reagir contenciosamente no quadro de uma dessas situações.
Em resumo , o mecanismo dos processos em massa do artigo 48º do CPTA não é um tipo de processo específico, mas um instituto processual destinado a ser aplicado a tipos de processos já existentes. Por sua vez, o processo de massa urgente previsto nos artigos 97º e 99º do ACPTA é um meio processual autónomo.
Outro traço diferenciador destes dois regimes é o relativo à citação dos interessados. No caso do artigo 82° do CPTA, caso o contrainteressado não se pronuncie no prazo estabelecido, tal não o impede de apresentar uma ação judicial autónoma. Ele poderá fazê-lo desde que naturalmente , os prazos de propositura da ação em causa sejam cumpridos. Ao contrário, no caso do processo de massa urgente dos artigos 97º e 99º do ACPTA, os demais interessados nos procedimentos administrativos envolvidos perdem a possibilidade de apresentar uma ação judicial autónoma se não intervierem no processo em curso.

A nível de regime, os pressupostos de aplicação do processo de massa urgente encontram-se regulados nos artigos 99 nº1 e 97 nº 2 do ACPTA. Fundamentalmente, torna-se necessário que se verifiquem dois pressupostos. Por um lado, estar em causa uma ação de recrutamento ou a realização de uma prova na Administração Pública, artigo 99º nº 1 alíneas a) a c) do ACPTA. Por outro lado, o pedido deve reportar-se à impugnação de um ato ou à condenação da Administração  Pública à prática de atos devidos, artigo 97° nº 2 do ACPTA. Relativamente a este último pressuposto autores como JOÃO TIAGO SILVEIRA e DORA LUCAS NETO defendem que embora estarmos perante um contencioso de atos, não faz sentido o legislador ter excluído a impugnação dos documentos conformadores do concurso ou de quaisquer outras normas concursais , pois nos procedimentos de massa as ilegalidades podem surgir, desde logo, no aviso de abertura do concurso, ao publicitar uma vontade que pode estar já viciada. Assim como, por exemplo, o critério e seleção das matérias publicitadas no aviso/convocatória para prestação de provas ou exames. Por isso defendem os autores referenciados, ser de admitir a cumulação de pedidos, nos termos gerais. Por outro lado, já divergem no que diz respeito à admissibilidade de cumulação de pedidos indemnizatórios, por um lado JOÃO TIAGO SILVEIRA defende a sua admissibilidade pois a procedência da ação indemnizatória depende da análise da validade do ato, já DORA LUCAS NETO defende não ser de admitir a cumulação de pedidos indemnizatórios, pois a complexidade que essa decisão acarreta, de determinação da indemnização devida a cada um dos intervenientes, afetaria a celeridade da decisão que se pretende com este processo de urgente.

Uma vez proposta ação urgente deste tipo, os restantes interessados no procedimento administrativo em causa terão de intervir neste processo, caso pretendam reagir judicialmente, artigos 97º nº4 e  99º nºs 3 e 4 do ACPTA. Se não o fizerem perdem a possibilidade de lançar mão de uma ação administrativa relativamente ao ato impugnado ou para o efeito de pedir a condenação à prática dos atos em causa. Ou seja, devem reagir no processo onde foi proposta a ação em primeiro lugar, sob pena de perderem a oportunidade de fazer valer em juízo a sua posição jurídica. Esta solução permite reagir contra a litigância de massa, ao mesmo tempo que prevê mecanismos que tutelam o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva dos interessados, artigo 97º nº5 do ACPTA, uma vez que é dado a conhecer aos interessados, de antemão, qual o meio utilizado para terem conhecimento das vicissitudes essenciais das quais depende o seu direito e que, após a publicação do ato que poderá ser impugnado é de esperar que possa ser publicado anúncio  relativo à propositura de um processo urgente deste tipo, do qual dependerá a sua possibilidade de reação judicial.

Sentido oposto ao da tutela jurisdicional efetiva parece ser o disposto no artigo 97º Nº3 do ACPTA, pois impede-se que, caso não se tenha reagido contra o ato de homologação da lista de classificação final dos concorrentes num concurso de pessoal, seja possível reagir contenciosamente contra o contrato celebrado com o concorrente vencedor com fundamento em invalidades procedimentais ocorridas no procedimento para produção do ato. Igualmente, se não houver reação contra a afixação do resultado de uma prova escrita enquanto ato externo de avaliação intermédia no decurso de um procedimento administrativo, parece que deixará de existir a possibilidade de reagir contra o resultado final desse procedimento de seleção com fundamento nas invalidades procedimentais ocorridas antes da prova escrita. Parece nesta sede de retomar a crítica de VASCO PEREIRA DA SILVA (1) à “definitividade horizontal” dos atos procedimentais, e a sua contrariedade com o Princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva pois “o alargamento do universo dos actos recorríveis, intencionado pelo legislador constituinte (artigo 268.º,n.º4), não pode significar a diminuição das hipóteses de recurso contencioso por parte do particular, nomeadamente, através de preclusão da possibilidade de impugnar a decisão administrativa final. A nova formulação do direito fundamental (...) constitui um plus e não um minus relativamente à tradicional garantia de recurso contra os atos definitivos e executórios, pelo que o recurso contra actos de procedimento de carácter lesivo deve acrescer ao (e não substituir o) tradicional direito de recurso contra decisões finais”. É também de notar que face ao elevado número de atos com eficácia externa que podem ser emitidos no decurso de um procedimento administrativo, os interessados, poderão ser obrigados, por cautela processual, a ter de impugnar sistematicamente cada um dos atos antes de proferida a decisão final do procedimento, com evidentes acréscimos de custos, tempo e aumento da congestão processual.

Uma breve nota final relativamente à tramitação processual do processo de massa urgente.

A propositura da ação deve ser efetuada no prazo de um mês, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (artigo 99º, nº2 do ACPTA), só não será assim nos casos dos artigos 99º,nº2 e 20º,nº1 do ACPTA.

O modelo dos articulados deve seguir o disposto numa portaria a emitir pelo Ministro da Justiça (artigo 99º, nº 3 do ACPTA).

Proposta a ação o juiz determina a publicação de anúncio da propositura da ação, para que os interessados se possam coligar na ação proposta, no prazo de dez dias (artigo 97º, nº 5 do ACPTA). Como já referido, após publicação do anúncio, os restantes interessados devem apresentar a sua pretensão no processo já intentado pelo autor inicial, assim promovendo a respetiva coligação processual, sob pena de não poderem reagir por via de um processo autónomo (artigo 97º, nºs 4 e 5 do ACPTA).

Uma vez apresentada a peça processual com os argumentos de facto e de direito que demonstram a pretensão do interessado no prazo estabelecido, produz-se a coligação processual que lhe confere o estatuto de parte no processo (artigo 97º,nº5 do ACPTA).
Pode contudo acontecer os interessados apresentarem várias ações diferentes antes de o tribunal ter promovido  a publicação do anúncio de que o primeiro processo havia dado entrada. Para esse efeito o artigo 99º, nº4 do ACPTA estabelece que os processos sejam obrigatoriamente apensados ao que foi intentado em primeiro lugar.

Finalmente o processo de massa urgente segue uma tramitação urgente caracterizados pelas regras especiais do artigo 99º,nºs 5 e 6 do ACPTA e pelas regras gerais dos processos urgentes.

(1)   VASCO PEREIRA DA SILVA “Em Busca do Acto Aministrativo Perdido”, cit., p. 702

Bibliografia

Aroso, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010

Neto, Dora Lucas, “A urgência no Anteprojeto de revisão do CPTA sob o prisma do novo contencioso dos procedimentos de massa”, em O Anteprojeto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, aafdl, 2014

Silva, Vasco Pereira da
-        Em busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1999
-        O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise,2ª ed. Almedina, Coimbra, 2009

 Silveira, João Tiago, “O processo de massa urgente na revisão do CPTA”, em O Anteprojeto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, aafdl, 2014

Ricardo Estrela,
nº18374, 
Subturma 4


A acção popular

                                                   


O tema em questão tem como finalidade o conhecimento em maior pormenor da figura da acção popular dando em especial atenção à que está presente no artigo 9.º n.º 2 do CPTA.

Abordando em síntese a origem histórica da acção popular, o Professor Paulo Otero opta por reter 6 ideias das quais faremos um apanhado geral:
(i) tem origem no Direito romano.
(ii) aparece em Portugal pela primeira vez através da Carta Constitucional de 1826 no art. 124.º
(iii) surge pela primeira vez em legislação Administrativa através do Código Administrativo  de 1842, numa espécie acção popular de natureza correctiva, controlando jurisdicionalmente a legalidade de certos actos da Administração.
(iv) consagra-se a acção popular de natureza supletiva através do Código Administrativo de 1878, tendo como objectivo o suprimento das omissões dos órgãos públicos locais na defesa de bens e direitos da Administração.
(v) com a Constituição de 1976 há um significativo alargamento das modalidades de acção popular.
(vi) surge a lei 83/95 que vem desenvolver legislativamente a acção popular.

 Estando incorporada dentro do artigo 9.º do CPTA referente à legitimidade activa, podemos afirmar que a acção popular, também denominada legitimidade para defesa de interesses difusos, é um fenómeno de extensão de legitimidade processual a quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à apreciação do tribunal. Para Paulo Otero trata-se de uma acção judicial distinguindo-se de todas as restantes modalidades de acções pela "amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura." Visa ainda tutelar situações jurídicas materiais que são insusceptíveis de uma apropriação individual, sendo que o actor popular age no interesse geral da comunidade a que pertence.

Assim, e transcrevendo o número da alínea em questão, "independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais." Com esta transcrição conseguimos ver a abrangência não só de quem pode demandar mas também sobre o que pode demandar.

No seu manual de processo administrativo o Professor Aroso de Almeida opta por direcionar  o tema propriamente dito na expressão do art 9.º n.º2 do CPTA "nos termos previstos na lei" e ainda quanto ao gozo dos cidadãos dos seus direitos civis e políticos aludindo à lei 83/95 referente só direito de participação procedimental e de acção popular e ainda ao artigo 52.º n.º 3 ca CRP. Continuando nesta linha de pensamento afirma o Professor que a expressão "nos termos previstos na lei" nos remete para a lei 83/95 e que tal remissão tem um duplo alcance sendo que "por um lado, no plano da legitimidade, tem o alcance de conferir legitimidade activa para defesa de interesses difusos a todos os cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, às associações e fundações defensoras dos interesses em causa, desde que preencham os requisitos mencionados no artigo 3.º da lei n 83/95, e às autarquias locais! em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição.  Por outro lado , no plano do regime processual, na medida em que o legislador entende que os processos intentados nestas circunstâncias apresentam, pois, especificidades que justificam a introdução de adaptações ao modelo de tramitação normal, que constam dos artigos 13.º e seguintes da lei n 83/95 e se consubstanciam num conjunto de soluções especiais nos domínios da admissão da petição inicial (art. 13.º), da representação processual ( art. 14º), da citação dos titulares dos interesses em causa (art. 15.º), da instrução (art. 17.º) , da eficácia dos recursos jurisdicionais (art. 18.º) e dos efeitos do caso julgado (art. 19.º)" verificando-se um estabelecimento de um regime processual próprio. Desta forma podemos assumir que em primeiro lugar não é exigido, para qualquer cidadão, um elemento de conexão de uma qualquer situação de apropriação individual do interesses difuso lesado para o uso da acção popular, sendo que no caso das associações e fundações terá de haver bens ou interesses cuja defesa se inclua expressamente no âmbito das suas atribuições ou dos seus objectivos estatutários respeitando os princípios da territorialidade e especialidade; em segundo lugar existe, tal como atrás demonstrado um regime processual próprio para alguns casos.

Cumpre também analisar muito sucintamente a acção popular presente na Constituição da República portuguesa. Podemos em primeiro lugar afirmar que em termos de legitimidade activa, a CRP consagra dois modelos de acção popular: uma primeira que se trata de acção popular individual, já que pode ser desencadeado em termos pessoais e uma segunda, que se trata de acção popular colectiva já que algumas associações também podem desencadear a acção popular; em segundo lugar a CRP faz uma enumeração de alguns bens tutelados pela acção popular sendo eles a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente, a preservação do património cultural e a defesa dos bens de entidades públicas territoriais. Quanto ao objecto da acção popular, e sem excluir a intervenção do legislador, indica cinco modalidades de acção popular sendo elas a acção popular preventiva; a acção popular destrutiva; a acção popular repressiva; a acção popular indemnizatória e a acção popular supletiva.

Cumpre agora fazer uma análise ao CPTA anotado de Rodrigo Esteves de Oliveira e Mário Esteves de Oliveira. Começa por ser referido que o art. 9.º n.º2 se refere a uma legitimidade impessoal ou social para propor e intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de certos bens e valores constitucionalmente protegidos.
É instituído assim no CPTA, e nas palavras dos autores, "a tutela judicial dos interesses difusos, em relação a certos bens ou valores legal ou constitucionalmente protegidos, numa vertente claramente objectivista do nosso sistema de justiça administrativa, permitindo-se que certas pessoas e organizações, independentemente de qualquer lesão específica da sua esfera jurídica, assumam a defesa ou representação judicial dos interesses gerais da colectividade no legal e regular desempenho da actividade administrativa, quando estejam em causa esses bens e valores constitucionalmente protegidos." Contudo é necessário referir que o 9.º n.º2 não contém a disciplina da legitimidade social ou impessoal, sendo por isso que o legislador advertiu que a cláusula geral do 9.º n.º2 é para fazer valor nos termos previstos na lei, entre outras, a lei 83/95, de 31 de Agosto.
O seu raio de acção esgota-se no âmbito do pressuposto da legitimidade processual activa. Desta forma é possível saber, no que toca aos processos administrativos principais e cautelares, que quando se trata de um bem constitucionalmente protegido qualquer pessoa o pode defender através da acção popular.
O CPTA anotado coloca a interrogação se se bastará a presença de um bem ou valor constitucionalmente protegido para efeitos da legitimação popular ou se é necessário qualquer coisa mais:  por exemplo pode o cidadão de Viana do Castelo instaurar uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé destinado a evitar a construção de uma ponte ambientalmente pouco sã em Castro Marim, sem apresentar qualquer ligação mais ou menos duradoura ou relevante para esse local. Parece-nos que a primeira hipótese é mais viável.

Por último é necessário realçar a apreciação geral feita pelo Professor vasco Pereira da Silva. Afirma o Professor que num Estado de Direito para além da protecção dos direitos dos particulares é também necessário a protecção do interesse público desempenhando, o Contencioso Administrativo, uma função objectiva em que para além de resultar indirectamente da acção para defesa dos direitos, é realizada, de forma imediata, pela intervenção do actor público e do actor popular. Assim, para além dos sujeitos privados que lutam pelos interesses próprios é necessário "considerar como sujeitos processuais o actor público e o actor popular, que actuam para a defesa da legalidade e do interesse público, realizando de forma directa a função objectiva, ainda que no quadro de um processo organizado estruturalmente em termos subjectivos.”


Bibliografia:

-Paulo Otero, A acção popular: configuração e valor no actual Direito português. Revista da ordem dos advogados ano 59, 1999.
-Mario Aroso de Almeida, Sobre a legitimidade popular no Contencioso Administrativo português. Caderno de Justiça Administrativa: Homenagem ao Professor Doutor António Cândido de Oliveira.
-Vasco Pereira da Silva, O Contencioso  Administrativo no divã da psicanálise.
Mario Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo.




  Gonçalo Grilo, n.º20869. Subturma 4











A Impugnabilidade dos actos praticados ao abrigo do art. 128/2 do CPTA e inconstitucionalidade da norma habilitante

 O problema que se coloca passa por apurar se é processualmente admissível, impugnação jurisdicional autónoma junto dos tribunais administrativos por parte do destinatário de actos praticados pelas autoridades administrativas, em ordem a dar cumprimento ao dever que lhes incumbe por força do disposto do art 128º, nº2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). De acordo com o estabelecido no art. 128/1 do CPTA, “quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se mediante resolução fundamentada, reconhecer no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”. Estamos, assim, perante uma disposição legal que surge com um claro intuito de tutelar com maior a brevidade possível uma determinada posição jurídica de um particular, consagrando um dever legal da Administração, de quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo de não dar início ou suspender a execução do acto, a lesão do seu direito ou interesse.
Por sua vez, o nº2 do mesmo artigo prevê, que sem “prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a autoridade que receba o duplicado impedir, com urgência que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do acto”. Da sua leitura, retira-se, que as autoridades administrativas requeridas no contexto de providências cautelares de suspensão da eficácia de actos administrativos, ficam incumbidas de impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados o façam. O que releva para o caso é, sobretudo, este segundo dever que se consubstancia, na obrigação de impedir que o acto suspendendo seja objecto de “ execução” por um qualquer terceiro interessado. Com efeito, o que está em causa é, após requerida a suspensão de eficácia de um acto administrativo, a adopção “de operações de execução” do referido acto administrativo por parte do respectivo destinatário, como por exemplo, a construção de uma casa ao abrigo de uma licença urbanística, a destruição de árvores na sequência de autorização de corte ou arranque, etc.
 Suponha-se então, que um terceiro, em relação a qualquer um desses actos, requer a suspensão de respectiva eficácia e que a autoridade competente (por iniciativa espontânea ou após determinação judicial), notifica o destinatário do acto, a determinar-lhe o cumprimento do dever previsto no art 128º nº do CPTA, emitindo por exemplo, uma ordem de embargo da obra ou uma proibição do abate de árvores. A questão que se coloca, consiste em apurar se o destinatário se encontra em condições de impugnar esses actos que as autoridades competentes praticam, em ordem a garantir a observância do dever, que lhes é incumbido, de impedir a “execução” do acto administrativo cuja suspensão de eficácia foi requerida. Podemos, portanto, denomina-los de “ segundos actos” que se revelam “contrários” aos actos anteriores da mesma autoridade administrativa. Embora, em bom rigor, a actuação desenvolvida “ ao abrigo” de um acto administrativo favorável, pelo respectivo beneficiário, não representa uma execução desse acto administrativo. A actividade de construção de uma casa não corresponde à execução do acto administrativo de licenciamento, nem, tão pouco a prática de actos médicos se traduz na execução do acto de inscrição na ordem profissional. No entanto, exige-se uma interpretação do art. 128/2, de modo a considerar a execução do acto pelo interessado, como referindo-se, a toda e qualquer actuação exercida ou desenvolvida pelo interessado “ ao abrigo” ou “com fundamento” num acto administrativo, pois parece ser a única forma de acautelar o fim da norma. Pelo que, seguindo o raciocínio exposto, estes “segundos actos”, praticados ao abrigo do art 128, nº2, do CPTA, devem ser entendidos como actos administrativos em sentido estrito autonomamente lesivos da esfera jurídica dos respectivos destinatários. Caracterizam-se por ser secundários, por encerrarem em si mesmos a virtualidade de, na prática, suspenderem a eficácia dos “primeiros actos”. Na verdade, por força dos mesmos, o respectivo destinatário vê-se efectivamente privado do direito de beneficiar da eficácia jurídica favorável dos “primeiros actos” (licença, concessão, autorização, inscrição, etc.), exemplificando: a decisão de uma autoridade administrativa que impede, o beneficiário de uma concessão, licença ou autorização de desenvolver a actividade concedida, licenciada ou autorizada corresponde inequivocamente, a um acto administrativo desfavorável de carácter impositivo cujos efeitos se repercutem na esfera jurídica do beneficiário daqueles “primeiros actos”. Cumpre referir que, até ao momento de notificação dos “segundos actos”, a situação jurídica criada pelos “primeiros” mantém-se intocada, uma vez que, é de vital importância, a apresentação do requerimento para decretamento da suspensão da eficácia de actos administrativos, mais que implica, é o dever automático, imediatamente decorrente da lei, para a autoridade administrativa requerida, de não iniciar ou prosseguir com a execução do acto, e, além disso, a obrigação de impedir que terceiros (contra–interessados) o façam. Estes actos – “segundos actos” -, ainda que produzidos em aplicação directa de uma norma jurídico-processual, vão desencadear uma severa influência na esfera jurídica dos respectivos destinatários, conformando-a unilateral imperativa inovatoriamente. Tudo isto necessariamente determina que nos confrontemos com actos dotados de efeitos externos e autonomamente lesivos dos direitos e interesses dos destinatários. Com o que se quer dizer que o que está verdadeiramente em questão não são actos da Administração praticados em “execução de uma decisão judicial”, mas, antes e em contrapartida, decisões administrativas de carácter autoritário, unilateral e inovatório ditadas “ em directa e imediata execução da lei” que por se tratar de decisões administrativas revestidas de efeitos externos, decisórios e dotados de uma capacidade lesiva autónoma dos direitos e interesses legalmente protegidos dos seus destinatários, se devem ter como passíveis de impugnação junto da jurisdição administrativa em actuação da respectiva função processual ou contensiosa.1
Da inconstitucionalidade do art 128, nº2 do CPTA.
Na linha do professor Pedro Gonçalves os actos praticados ao abrigo do art. 128/2. do CPTA parece ser inconstitucional pela violação dos art. 20 e 268 da CRP. Estes últimos, consagram o princípio da tutela da jurisdicional efectiva, e mais concretamente, pela violação da sua densificação constitucional em tutela efectiva jurisdicional dos particulares perante a Administração.2 Cumpre, antes de mais, densificar as normas constitucionais aqui em causa. Assim, do princípio da tutela jurisdicional efectiva retiram-se múltiplas vertentes específicas, nomeadamente: a garantia de acesso aos tribunais enquanto modo de tutela de direitos e interesse; o direito à informação, representação jurídica e ao contraditório; o direito a uma decisão, num prazo célere e como fruto de um processo equitativo. Tudo isto pode ser extraído do art. 20. Da CRP, sendo posteriormente expressamente estendido à ordem jurisdicional administrativa, por via do art. 268/4. Ora face ao exposto o art. 128/2., padece de uma uma ponderação equitativa entre os interesses contrastantes dos requerentes e requeridos (aí incluídos os contra-interessados), pois sofre de um défice manifesto de consideração dos interesses dos contra-interessados, que aí são, completamente ignorados ou desprezados. O regime da tutela cautelar moldado pelo CPTA (neste segmento específico) não concede qualquer protecção mínima aos contra-interessados, “ visto que não toma em consideração os seus interesses na execução imediata do acto que podem ser comparativamente mais relevantes e merecedores de tutela do que os do requerente”. A administração complexificou-se, deixando de se apresentar como uma estrutura simples, muitas vezes desempenhando funções de Administração agressiva, para adquirir maior densidade, complexidade e assumindo dessa forma uma natureza de cariz mais prestadora. Desta forma, surgiram as relações administrativas poligonais e multipolares, nas quais se observa não a típica relação jurídica simples Administração-particular, mas sim uma relação de natureza muito mais complexa, entre Administração e os particulares e os seus múltiplos interesses, interesses esses que podem, por vezes, ser afectados por uma relação a que são terceiros entre a Administração e um determinado particular. Do exposto, resulta o legislador parece se ter esquecido, dos problemas específicos e especialmente complexos, verificados sobretudo no contexto das relações jurídico-administrativas de natureza urbanística, ambiental e concorrencial, levantados pela existência de relações multipolares, em que em jogo não estão apenas os interesses bilaterais, mas igualmente os de terceiros (contra-interessados), que podem vir a ser directamente afectados pela decisão tomada pela Administração. A  solução legal deveria prever uma ponderação de prejuízos ou de danos, devendo privilegiar-se a posição dos requerentes do qual os direitos ou interesses fossem em concreto os mais prejudicados da execução imediata do acto ou, em alternativa, conferir prevalência à posição dos requeridos (aí incluídos os contra-interessados) se caso fossem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos a sofrer maior dano por força da não execução imediata do acto. Ao invés, o legislador optou por conferir prevalência ao interesse do requerente, sem qualquer ponderação de justiça material no caso concreto, podendo assim resultar da aplicação desse preceito o sacrifício de interesses afectos a contra-interessados. Confrontamo-nos, deste modo com um claro tratamento discriminatório injustificado, onde os contra-interessados, nem sequer, têm o direito de ser ouvidos ou de exercer o contraditório
Em síntese, temos uma situação em que a lei confere aos requerentes de providências cautelates um poder soberano de veto sobre o exercício de actividades privadas devidamente concedidas (licenças, concessões) ficando, por sua vez, os titulares das respectivas concessões e licenças inteiramente presos às providências cautelares – ainda que dispondo de um título jurídico plenamente válido e eficaz. E a situação de total sujeição de uma das partes ao poder de veto da outra vale mesmo que a providência cautelar se revele abusiva e carecida, de qualquer fundamento legal sério ou juridicamente relevante. De todo este enquadramento, retira-se que o art. 128. não teve, em devida conta os direitos e interesses legalmente protegidos dos contra–interessados em matéria de proibição da execução do acto administrativo devido à mera apresentação de uma providência cautelar suspensiva, não tendo em conta nem procedendo à verificação de qualquer consistência material ou densidade, os interesses em jogo, sendo o único mecanismo capaz de contornar essa proibição a resolução fundamentada das entidades administrativas requeridas, deixando-se os contra-interessados numa situação de total desprotecção. Como tal e em consonância com vários autores3, deve a norma que foi objecto destas linhas ser tida como materialmente inconstitucional por infracção daquilo que vem consagrado nos art. 20. E 268. da CRP. Pois nos termos em que se encontra redigida, não é dela possível (tal como foi supra referido) retirar a adequada tutela a que têm direito os contra-interessados, exercendo o contraditório e tendo assim a possibilidade de demonstrar serem os seus interesses prevalecentes na situação em causa, devendo, portanto, não ser aplicada a proibição de execução do acto administrativo nesse caso concreto.
O professor Mário Aroso de Almeida, quanto ao art. 128. critica a excessiva jurisdicionalização do artigo em questão pelos tribunais administrativos. Para o professor, o efeito suspensivo é automático, sem ser necessário (nem permitido) que o juiz se pronuncie sobre se o efeito se produz ou não, assim como o levantamento dessa proibição por via da resolução fundamentada é um efeito que se produz extrajudicialmente, sem intervenção do juiz, é uma manifestação unilateral da Admnistração. Não concordo muito com esta posição do professor, porque me parece errado deixar à Administração o poder de unilateralmente e sem qualquer controlo por parte do juiz decidir quando é que não quer que o efeito se produza. Choca-me muito mais admitir que a Administração é que controla a produção de um efeito legal, do que sero juíza fazê-lo. Assim deverá caber ao juiz o dever de controlar a fundamentação utilizada na resolução, e a existência ou não de um interesse público efectivo.
A professora Elizabeth Fernandes, critica a teoria defendida pelos autores referidos supra, pois afirma que este dever da Administração não existe com os moldes que a doutrina lhe vem dando. Se se admitir que a Administração tem um verdadeiro dever de impedir a realização de actos de execução do acto suspendendo, então isso seria o equivalentea dizer que a citação da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo tem o mesmo efeito que o seu decretamento efectivo.
Cumpre referir, que o anteprojecto do novo CPTA, não parece trazer alterações relevantes quanto ao entendimento jurisprudencial do art. 128. apenas determina a suspensão dos efeitos de actos pré contratuais e não de actos de execução do contrato, como foi decidido pelo Acórdão do TCA Norte de 28/02/2014. Segundo as palavras do STA “a aplicação do art. 128. Do CPTA às providências cautelares de suspensão de eficácia dos actos administrativos surgidos na formação de um contrato apenas suspende a eficácia de actos administrativos, não se aplicando aos actos de execução do contrato, os quais serão declarados ineficazes (por força do art. 128.) apenas se o próprio contrato tenha sido celebrado na pendência da suspensão automática decorrente do nº1 do mesmo preceito legal, pois nessa situação é o próprio contrato que é celebrado através de uma declaração de vontade ineficaz”

(1)     Por fim uma nota complementar para sublinhar a natureza avinculada do acto praticado ao abrigo do art 128, nº2. A letra da lei é esclarecedora quanto a este ponto: “deve a autoridade… impedir (…)”. Uma inacção correspondente neste caso, ao incumprimento de um dever legal. Vale isso por dizer que o acto a praticar configura um acto administrativo devido de conteúdo vinculado; na verdade, além de impor à autoridade a adopção de um acto administrativo, a lei indica o conteúdo que esse acto deve de assumir: “impedir que os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do (primeiro) acto”
(2)     Por relação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, nas suas variadas projecções, Gomes Canotilho
(3)     Inclinando-se definitivamente neste sentido, Gomes Canotilho

Bibliografia

GONÇALVES Pedro, Impugnabilidade dos actos praticados ao abrigo do art.128, n.2, do CPTA e da inconstitucionalidade da norma habilitante, in da Cadernos de Justiça Administrativa, nº90, 2011
MARQUES,Francisco Paes, “As relações jurídicas multipolares, contributo para a sua compreensão substantiva”, Almedina,2011
ALMEDINA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010

FERNANDEZ Elizabeth, Revisitanto o art. 128, n.2, do CPTA agora na perspectiva dos interessados, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº90, 2011

Eliana Martins nº21912

Convolação do Processo Cautelar em Processo Principal – Art. 121.º do CPTA



Introdução

A reforma do contencioso administrativo, operada em 2002, trouxe grandes inovações no que se refere ao plano processual. Procurando dar cumprimento ao direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado na nossa constituição no art. 268.º nº4, a reforma visou assegurar o direito ao processo efetivo e temporalmente justo, através da criação de novos meios processuais e uma dinamização profunda dos meios existentes, com um evidente reforço dos poderes dos tribunais  nos vários planos de tutela[i]. No plano da tutela cautelar, esta reforma fez-se sentir profundamente com a consagração de meios de tutela urgente de caracter provisório e instrumental.
O CPTA estabelece o regime aplicável aos processos cautelares no Título V, artigos 112.º a 134.º. Depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo. O processo cautelar visa assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida. Em virtude da sua função de prevenção contra a demora, as providências apresentam as seguintes características:
a)      Instrumentalidade (em relação a um processo declarativo principal) -  dependem na função e na estrutura de uma ação principal, cuja utilidade se visa assegurar;
b)      Provisoriedade – a função da providência cautelar é a antecipação transitória do efeito pretendido no processo principal, mas sem que esse ganho provisório represente a própria aquisição do que só a título definitivo poderia vir a ser jurisdicionalmente determinado (art. 124.º nº1 do CPTA);
c)      Sumariedade – trata-se da característica mais importante das providências cautelares, uma vez que, o que aqui está em causa, é obviar, em tempo útil, ocorrências que possam comprometer a utilidade do processo principal, para decidir  se confere ou não a tutela, o juiz deve proceder apenas a apreciações superficiais, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar.  
As providências cautelares assumem outra função para além da referida em cima,  a de em situações dotadas de pontual urgência estas se substituírem à própria tutela definitiva, ou seja, a de consumirem a necessidade da propositura de uma ação principal destinada a confirmar a tutela provisória.
O art. 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, veio consagrar de forma inovadora, o instituto da antecipação do juízo sobre a causa principal na pendência de processo cautelar. Ao consagrar esta possibilidade o legislador propõe uma solução equilibrada para situações atípicas de urgência, trata-se portanto de uma espécie de complemento aos processos cautelares urgentes[ii]. Este artigo demonstra assim o reconhecimento por parte do legislador, da sua limitação quanto à impossibilidade de previsão de todas as situações típicas de urgência[iii]. Nas situações que não se encontrem cobertas por estes processos, o máximo que o código pode fazer é permitir a antecipação em sede cautelar, de decisões a proferir em processos principais não urgentes, quando seja de reconhecer a necessidade de rápida tutela de mérito. Em suma com o acionamento deste instituto dá-se uma antecipação do juízo principal no processo cautelar  e portanto, uma convolação da tutela cautelar em tutela urgente definitiva.

Requisitos

A possibilidade de antecipação do julgamento sobre o fundo da causa depende, segundo Dora Lucas Neto[iv],  do preenchimento de três requisitos cumulativos:
1.      A manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões colocadas e à gravidade dos interesses envolvidos;
2.      A situação em presença não se compadeça com a adoção de uma simples providência cautelar; e
3.      Terem sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito.
Marlene Sennewald defende que os dois primeiros requisitos referidos por Dora lucas Neto, são na verdade apenas um requisito substantivo, na medida em que o segundo aspeto constitui um mero critério para se aferir a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, ou seja, se o caso manifesta urgência em ser resolvido de forma definitiva, é, precisamente , porque a situação em causa não se compadece com a adoção de uma simples providência cautelar. Esta autora diz ainda que um dos requisitos deste instituto é a audiência dos interessados, analisaremos este requisito em detalhe mais à frente.
1. Quanto ao primeiro requisito, este trata-se de um requisito substantivo a ser aferido caso a caso, tendo em conta a natureza das questões e a gravidade dos interesses envolvidos. Segundo Marlene Sennewald entende-se que uma questão carece de uma decisão definitiva urgente se se verificam dois fatores: por um lado, quando haja um prazo temporal durante o qual o exercício do direito em causa poderá produzir efeitos úteis e após o qual se torna, consequentemente inútil qualquer pretensão de tutela por outro lado, quando estiver em causa uma questão que exija uma tutela que, pelas suas características, uma vez concedida produz efeitos irreversíveis[v]. TIAGO ANTUNES entende que os interesses em causa têm de estar previstos na Lei (exemplificando com o art. 112º/7 do CPTA), defendendo que “só faz sentido aplicar o art. 121º com base na gravidade dos interesses envolvidos se existir habilitação normativa para esse efeito”.[vi]
Segundo Isabel Fonseca[vii], a situação de manifesta urgência pressupõe o perigo de dano com relevância jurídica, falando-se de irreparabilidade, de irreversibilidade ou de prejuízos graves e irreparáveis, sendo certo que dano é relevante se for adequado a causa a perda da efetividade do próprio processo. A situação de urgência pressupõe a existência de uma pretensão jurídica ameaçada de lesão, num quadro temporal imediato ou muito próximo, sendo que a atuação jurisdicional que necessariamente se requer para obstar à consumação da ameaça deve concretizar-se necessariamente num quadro temporal curto, sob pena  de perda de efetividade do processo da decisão jurisdicional que vier posteriormente a ser proferida no processo.
A supra referida “situação de urgência” só se torna evidente quando se verificam ambos os pressupostos, não se bastando com a solução cautelar, intrinsecamente provisória e instrumental, e por isso mesmo, apenas concedida quando se verifique o requisito da sua reversibilidade.
O requisito da gravidade dos interesses envolvidos torna evidente a necessidade de estar em causa um direito ou interesse legalmente protegido de tal importância que justifique uma protecção especial.
Neste ponto, e para melhor concretização e delimitação do conceito, devemos ter em conta não apenas a intensidade do dano ou da lesão a que os interesses públicos ou privados em causa ficam expostos com a não antecipação da decisão da causa principal, mas também deve ser feito um juízo de ponderação, tendo em conta a importância, seriedade e valor dos interesses em presença, no sentido de perceber se a lesão destes é superior à lesão do interesse público, resultante da antecipação da causa principal. Nesta ponderação será, certamente, relevante a natureza dificilmente reparável dos bens e valores subjacentes aos interesses envolvidos.
É, no entanto,  de referir que ficam fora desta ponderação de valores para definição do conceito de urgência os direitos, liberdades e garantias, cuja tutela já está devida assegurada pelo processo urgente de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, consagrado nos artigos 109º e 110º.
Assim sendo, os interesses envolvidos terão de ser, forçosamente, outros direitos e valores importantes, nomeadamente, os consagrados no n.º2 do artigo 9º do CPTA.
É a provisoriedade da tutela cautelar que faz dela inapta para a defesa de interesses cuja lesão seja irreversível ou demasiado onerosa. Este facto permite-nos concluir que o campo de aplicação, por excelência, do instituto da inversão do contencioso serão os processos relativos a providências cautelares de natureza antecipatória.
Este juízo substantivo e, necessariamente, cauteloso sobre a manifesta urgência na resolução definitiva do caso tem levado a doutrina e a jurisprudência referir-se a uma “urgência qualificada”. 
2. Quanto ao segundo requisito autonomizado por Dora Lucas Neto, este está relacionado com a insuficiência da tutela cautelar e não com a sua impossibilidade, segundo esta autora a ideia de que a tutela cautelar é insuficiente, reside, essencialmente, no fato de existirem situações em que não, estando em perigo o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia o que permitiria o recurso à intimação urgente prevista no art. 109.º do CPTA, existe uma similar necessidade urgente de uma decisão de fundo e é esta necessidade que torna a tutela cautelar insuficiente. Portanto o regime previsto no art. 121.º do CPTA deve ser aplicado nas situações em que a tutelar cautelar, ainda que possível, não seja a tutela adequada.
3. Em relação serem trazidos ao processo todos os elementos necessários, terceiro requisito em cima referido, este requisito é de difícil preenchimento antes de ação principal estar proposta, isto porque apenas neste momento é possível aferir se as partes trouxeram ao processo principal todos os elementos relevantes para a decisão da questão de mérito, para além daqueles que já contam do processo cautelar.
Mas compreende-se a exigência deste requisito, dado que estamos perante um antecipação do juízo da causa principal, esta não pode significar uma diminuição inadmissível das garantias de defesa, pelo que é necessário justificar a decisão em causa, nomeadamente quanto à essencialidade dos fatos assentes, assim como a inexistência de matéria controvertida relevante no processo cautelar e a desnecessidade de realização de quaisquer outras diligências de prova. Caso a decisão a proferir recaia especificamente sobre matéria de direito, fica facilitada a conclusão de que resultam já do processo cautelar todos os elementos necessários para que se antecipe a decisão da causa principal.
Quando faltem as condições processuais, sempre haverá possibilidade de, uma vez identificada a existência da situação substantiva de urgência, sem imprimir ainda que informalmente, um ritmo mais acelerado ao andamento do processo principal, a exemplo do que é formalmente admitido no Direito italiano[viii].
4. Por fim quanto ao último requisito referido por Marlene Sennewal, a audição da partes, O legislador determina, na parte final do artigo 121.º n.º1 que as partes devem ser ouvidas no prazo de 10 dias, este requisito prende-se essencialmente com a preocupação do legislador em assegurar o princípio do contraditório[ix], daí a importância deste requisito. È neste momento que o juiz pode ouvir as eventuais objeções que as partes formulem acerca da verificação do primeiro e terceiro requisitos supra referidos.
Verificados os requisitos exigidos, o juízo de mérito sobre a causa principal é proferido no âmbito do processo cautelar, operando-se uma verdadeira transformação da decisão principal, no processo cautelar.
Segundo o professor Vieira de Andrade, deve haver uma interpretação exigente dos pressupostos legais e uma grande prudência por parte do tribunal, que só excecionalmente deve decidir-se pela convolação quando os interesses envolvidos sejam de grande relevo e esteja seguro de possuir todos os elementos de fato relevantes para a decisão, situação que poderá ocorrer mais facilmente quando esteja em causa apenas uma questão do direito, como supra referido ou quando a providência tenha sido requerida como incidente do processo principal.


Iniciativa
A antecipação do juízo de mérito no processo cautelar pode ser promovida por iniciativa oficiosa do tribunal ou suscitada pelas partes, tem sido esta a solução praticada nos nossos tribunais. Quanto à iniciativa por parte do tribunal, nada obsta ao decretamento oficioso deste instituto, atente-se quanto a isto o que diz Isabel Fonseca[x], a realização da tutela judicial das pretensões-de-urgência é vulgarmente realizada por um juiz detentor de amplos poderes, um sujeito-jurisdicional-de-urgência que é um verdadeiro administrador da justiça, quer do ponto de vista da gestão procedimental do processo, quer do ponto de vista dos poderes de pronúncia”. 
È importante referir que no caso da iniciativa ser da parte, a decisão do tribunal no sentido de não proceder à convolação, não é passível de recurso. Tem sido este o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência.

A impugnação da decisão
É expressamente prevista no n.º2  do artigo 121.º do CPTA, a possibilidade de impugnação da decisão de antecipar o juízo sobre a causa principal, em concordância com o em cima referido, é de referir que apenas é suscetível de recurso a decisão de antecipar o juízo positivo sobre a causa principal. Esta impugnação deve seguir os “termos gerais”, conforme resulta do n.º2 in fine,ou seja, deve seguir-se o regime do artigo 142.º e seguintes do CPTA. Assim de acordo com o nº2 do artigo 121.º do CPTA, a parte que discorde da decisão de antecipação pode recorrer, fundamentando a sua decisão, na alegação da não verificação dos pressupostos exigidos, por este mesmo artigo.
Quanto aos efeitos deste recurso, como refere o professor Mário Aroso de Almeida, o requerido estará a respristinar o processo cautelar, como esta decisão não pode deixar de ser qualificada como uma decisão respeitante à adoção de providências cautelares, para efeitos do disposto no art. 143.º nº2 do CPTA, deve entender-se que o eventual recurso que seja interposto da decisão, não tem efeito suspensivo mas apenas meramente devolutivo. No mesmo sentido vai Marlene Sennewald, que refere que a atribuição de mero efeito suspensivo ao recurso, acarretaria consequências injustas, na medida em que o interessado ficaria sem providência e, ao mesmo tempo sem uma decisão final que produza efeitos imediatos.

Fundamentos da antecipação da decisão principal
 No âmbito de um contencioso subjetivo como o nosso ou seja um contencioso de pretensões, o instituto em discussão tem como principal fundamento o principio da tutela jurisdicional efetiva dos titulares de interesses legalmente protegidos, tendo em vista assegurar o direito ao processo efetivo e temporalmente justo. Este mecanismo como refere Dora Lucas Neto[xi], está aqui em causa um mecanismo que se destina a fazer face a situações a situações dilemáticas, em que esteja em perigo a realização do principio da tutela jurisdicional efetiva, porquanto muito embora se verifique urgência na resolução definitiva do caso, a tutela cautelar não é apta a oferecer uma resposta satisfatória. Outro fundamento deste instituto que tem sido apontado pela doutrina e jurisprudência, é o principio da economia processual. Estando reunidos todos os elementos necessários para decidir a questão de mérito, deve o tribunal antecipar essa decisão, por razões de economia processual, ficando resolvida definitivamente a questão de fundo e sendo desnecessário prosseguir com uma ação principal.

Natureza
O instituto da antecipação da decisão de mérito trata-se de um instituto com natureza excecional. Isto porque este instituto aplicado de forma irrefletida, poderia pôr em causa as garantias dos particulares, pois permite como em cima referido a emanação de juízo de mérito definitivo sobre uma questão, quando o conhecimento do juiz é meramente sumário. Por isso  segundo o professor Vieira de Andrade[xii], deve haver uma interpretação exigente dos pressupostos legais e uma grande prudência por parte do tribunal, que só excecionalmente deve decidir-se pela convolação quando os interesses envolvidos sejam de grande relevo e esteja seguro de possuir todos os elementos de fato relevantes para a decisão, situação que poderá ocorrer mais facilmente quando esteja em causa apenas uma questão do direito, como supra referido ou quando a providência tenha sido requerida como incidente do processo principal.
Conclusão
Este instituto que constitui umas das maiores novidades da reforma do contencioso administrativa, como supra referido. È sem dúvida uma importante forma de garantia dos interesses e direitos do particulares e consequentemente do cumprimento do princípio do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e temporalmente justa, contudo é importante haver cautela na sua aplicação, este deve ser aplicado restritiva e prudentemente, repita-se estamos perante um instituto de caracter excecional, uma saída de emergência a utilizar exclusivamente em casos de emergência. Sempre que possível o tribunal deve recorrer a um juízo meramente cautelar e não ao juízo de mérito previsto no art. 121.º do CPTA.

Bibliografia:
  •   ANDRADE, José Vieira de, A Justiça Administrativa, almedina 2012, 12ª edição;
  •  ANTUNES, Tiago, O Triângulo das Bermudas» no Novo Contencioso Administrativo, Estudos em Homenagem ao Prof. Marcello Caetano, Vol. II, Coimbra Editora, 2006;
  •   ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina 2010;
  • FONSECA, Isabel, Processo Temporalmente Justo e Urgência, Coimbra editora, 2009,
  • NETO, Dora Lucas, Notas sobre a antecipação do juízo sobre a causa principal (um comentário ao artigo 121.º do CPTA), Revista de Direito Público e Regulação, nº1;
  • SENNEWALD, Marlene, “O instituto da convolação da tutela final urgente consagrado no art. 121º do CPTA,  Revista de Direito Público e Regulação, nº5, Março de 2010.






[i] SENNEWALD, Marlene, “O instituto da convolação da tutela final urgente consagrado no art. 121º do CPTA,  Revista de Direito Público e Regulação, nº5, Março de 2010;
[ii] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina 2010 , “(…)través destes processos procura-se dar resposta a situações de urgência na obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa, designadamente para a proteção direito liberdades e garantias.”;
[iii]  No CPTA encontram-se consagrados quatro tipos de processos urgentes principais nominados, são eles: o contencioso eleitoral, o contencioso pré-contratual, a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e a intimação para a proteção de direitos liberdades e garantias;
[iv] NETO, Dora Lucas, Notas sobre a antecipação do juízo sobre a causa principal (um comentário ao artigo 121.º do CPTA), Revista de Direito Público e Regulação, nº1;
[v] SENEWAALD, Marlene, op.cit., pag. 67 e ss;
[vi] ANTUNES, Tiago, O Triângulo das Bermudas» no Novo Contencioso Administrativo, Estudos em Homenagem ao Prof. Marcello Caetano, Vol. II, Coimbra Editora, 2006, pag 728;
[vii]  FONSECA, Isabel, Processo Temporalmente Justo e Urgência, Coimbra editora, 2009, pag. 1033;
[viii] ALMEIDA, Mário Aroso de, op.cit., pag 495;
[ix]  O princípio do contraditório, é uma decorrência do princípio da igualdade das partes, de acordo com este princípio  a parte tem não só direito ao conhecimento de que contra ele foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja um direito de resposta;
[x] FONSECA, Isabel, op.cit., 1056 e ss;
[xi] NETO, Dora, op. Cit., pag. 56
[xii]  ANDRADE, José Vieira de, A Justiça Administrativa, almedina 2012, 12ª edição, pag.370 e ss.



Patrícia dos Santos
Número: 20804